Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


04-07-2007

Sobre o ensino da língua portuguesa em Timor


António Palhinha Machado *

 

Se um português de nascença quiser aprender o inglês terá à sua disposição: gramáticas redigidas em inglês; livros escritos em inglês; material diverso, em inglês, naturalmente; professores que falam com os alunos exclusivamente em inglês; e dicionários de português-inglês (ou vice-versa).

Se a opção for o francês, tudo se passa igual - em francês, bem entendido. E assim será com o espanhol, o italiano, o alemão e, suspeito mesmo, com o chinês (seja na versão mandarim, seja na versão cantonês). Quem quer aprender uma língua, lê, ouve e fala nessa língua. E os métodos de "imersão total" são, mesmo os mais recomendados para o efeito.

Aliás,  é já assim com a aprendizagem das primeiras palavras na língua materna. Lá porque a criança apenas balbucia uns sons indistintos, mas enternecedores, os pais não lhe falam em monossílabos. Falam-lhe, sim, e desde sempre, na língua que ela vai ter como sua.

Porque fas, ou porque nefas, o português em Timor terá de ser diferente?

A língua não é só léxico, um acervo maior ou menor de nomes que codificam a realidade circundante, as experiências e as emoções. Uma língua é, antes do mais, semântica e gramática - as regras que transformam o acervo lexical numa verdadeira base de dados, de onde as regras semânticas permitem extrair pensamentos (novos códigos) e raciocínios (novas relações) - que se me perdoe a analogia matemática.

Aprender uma língua, seja ela a língua materna ou uma segunda língua, é, inevitavelmente, aprender uma determinada forma de ver e compreender o mundo - e de se ver e compreender a si próprio. É aprender uma "estrutura da razão", tanto mais eficaz quanto maior for a consistência lógica das suas regras semânticas e a riqueza do seu léxico. Alguém tem dúvidas de que o inglês com o seu rigor empírico, espacial, preocupado com a descrição exacta do que nos rodeia, leva a uma visão do mundo algo diferente daquela que as línguas latinas, mais preocupadas em expressar as emoções do observador, proporcionam?

Ensinar uma segunda língua como se fosse uma tradução "ipsis verbis, virgulisque" da língua materna é incentivar o aparecimento de linguagens híbridas, os crioulos. E a fragilidade dos crioulos não reside no léxico, mas nas regras semânticas - o que é dizer, na sua consistência lógica e nos pensamentos que permitem estruturar. Línguas semanticamente pobres condicionam as aptidões intelectuais daqueles que nelas conseguem expressar-se.

Não sei se, em Timor, o português é ensinado de maneira proficiente, ou não. Ignoro também se o material didático que apoia esse ensino é, ou não, bem concebido. Enfim, nem sequer sei se os professores que se deslocaram lá para tão longe, são, ou não, competentes (presumo que são...). Agora sei que, se os timorenses quiserem aprender o português (e abstenho-me de considerações políticas quanto a isto), devem ficar totalmente imersos na língua portuguesa, pelo menos no espaço e no tempo da escola.

E os professores que para lá foram, foram para ensinar português. Não para proteger o tetum ou o bahasa.

O tetum tem os dias contados? Terá - mas esse tem sido sempre o destino das línguas que não consigam vingar como estrutura das correntes de pensamento - melhor diria, como estrutura da dinâmica imparavel do pensamento.

As lágrimas que vi vertidas num comentário de opinião sobre este tema, sendo excelente exemplo do "politicamente correcto", revelam, no fundo, uma atitude paternalista face àqueles cuja defesa crê assumir. O que se trata é de dotar os timorenses com as ferramentas do desenvolvimento, sendo a língua uma dessas ferramentas. Agora se é o português, o inglês, o bahasa, o chinês mandarim - já não sei. Sei sim que não será o tetum.

Um último parágrafo para chamar a atenção dos professores "politicamente correcto" que enxameiam o nosso sistema de ensino, sobretudo no secundário. Vejam o que se está a passar com algumas comunidades de imigrantes (sobretudo, a chinesa, a russa, a ucraniana), como já se tinha passado com outros imigrantes de tempos mais recuados (espanhóis, franceses, britânicos, alemães). Insatisfeitos com o que vêem nas escolas portuguesas, que não é o que querem para os seus filhos, fundam as suas próprias escolas, também como forma de perpetuar a língua materna dos países de origem. Os filhos, muitos deles já cá nascidos, falam e brincam em português? Não importa. Nessas salas de aula só se fala a língua de seus pais.

 

* António Palhinha Machado  Lisboa, 30.06.07