Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


12-06-2022

1932- CRIAÇÃO DAS MARCHAS POPULARES DE LISBOA



1932- A CRIAÇÃO DAS MARCHAS POPULARES DE LISBOA

Inline image
 

Corria o ano de 1932. António Ferro, responsável pela política cultural do Estado Novo, encarrega Leitão de Barros, então chefe de redação do "Notícias Ilustrado" (do grupo "Diário de Notícias") de organizar, na noite de Santo António, um concurso de marchas entre bairros. Junta à iniciativa Campos Figueira de Gouveia, administrador do Parque Mayer. A ideia era serenar o povo criando uma nova modalidade de folclore urbano: circo, à falta de pão.

Apresentam-se à chamada seis coletividades em representação do Alto do Pina, Bairro Alto, Campo de Ourique, Alcântara, Alfama e Madragoa. As marchas são exibidas no recém-inaugurado Teatro Capitólio, no Parque Mayer, e os lisboetas, com entrada à borla, acorrem ao espetáculo. Concorrem três marchas, representativas dos únicos três bairros que conseguiram arranjar marchantes: Alto do Pina, Bairro Alto e Campo de Ourique.

Na hora do desfile, as trupes realizam um percurso que inicia no chafariz da rua de O Século, a dois passos da casa de António Ferro, e termina no Parque Mayer. Aí, cantam e dançam ao ar livre, para regozijo dos alfacinhas presentes, antes de entrarem no Capitólio. O primeiro lugar é atribuído a Campo de Ourique, que se inaugura na disputa com rapazes e raparigas trajados à minhota, a piscar o olho ao gosto dos portugueses pelos hábitos da província ancestral.

O êxito da iniciativa é enorme. De tal ordem que, à exceção dos anos negros da guerra, o ritual nunca mais parará de se repetir. Sem sombra de dúvida, as Marchas Populares constituíram uma forma bem-sucedida de articular a ação política à ação cultural: fazendo da cultura um poderoso instrumento de poder ao serviço do Estado.

No ano seguinte, 1933, o realizador Cotinelli Telmo estreia o filme "A Canção de Lisboa". É famosa a cena em que Beatriz Costa e Vasco Santana trocam “argumentos” à frente das marchas de Santo António, de arquinho e balão, com um fundo de bancas onde se vendem sardinhas assadas e copos de vinho tinto: «Ó-i-ó-ai, fui comprar um manjerico/Ó-i-ó-ai, vou daqui pró bailarico/E tenho um gaiato aqui dependurado/Que é mesmo o retrato do meu namorado (...) Toca o fungagá, toca o Sol e Dó/Vamos lá, nesta marcha a um fulambó.» O grande e multidisciplinar artista Almada Negreiros fica encarregue da produção do cartaz populista de promoção do filme.

Dois anos depois, em 1935, Linhares de Lima, presidente da Câmara Municipal de Lisboa, acabaria por oficializar a iniciativa das Marchas Populares, associando-as às festas da cidade, que se realizavam no Terreiro do Paço.

Nessa edição, o jornalista e escritor Norberto de Araújo é o autor das letras da maior parte dos doze bairros a concurso, realçando o pitoresco do quotidiano simples e pobre das gentes de Lisboa – “pobrezinhos mas honrados” (e felizes!), a máxima promovida pela Ditadura. Será também nesse ano que entra em cena Amália Rodrigues, então fadista amadora e vendedora ambulante de fruta e souvenirs no cais da Rocha, com quinze anos, representando Alcântara, o bairro onde vivia, interpretando o "Fado de Alcântara": «Alcântara vê o Tejo aos pés/Que vem ao mar/E anda a bailar no vai e vem das marés/Cantar e rir/Não há melhor p'ra mim/E notem bem/Feliz de quem sabe viver assim.»

Portanto, tirem o cavalinho da chuva, que a tradição das Marchas Populares não vem de tempos imemoriais, foi inventada, promovida e institucionalizada, em 1932, por António Ferro, depois, adotada pela Câmara Municipal de Lisboa e, ao longo dos anos, carinhosamente acolhida pelos portugueses.

O que se fazia, desde o tempo de D. Maria I, em junho, nos bairros populares, era uma “ronda dos chafarizes”, onde as pessoas iam, em fila, dois a dois, lavar a cara, depois de arraiais e de cegadas.

Conforme explica Orlando Raimundo, em "António Ferro – O inventor do Salazarismo": «O ritual que os lisboetas praticavam, associado ao culto de Santo António, desde o reinado da rainha louca, com o beneplácito da Igreja (que abriu mão de S. Vicente como patrono de Lisboa), era a ronda dos chafarizes. Ao fim da noite dos arraiais e das cegadas, ao romper do 13 de Junho, os moradores dos bairros pobres de Lisboa iam às fontes, dois a dois e em fila indiana, lavar a cara, imitando o parisiense 14 Juillet, evocativo da Tomada da Bastilha. Marche aux Falambeaux, chamavam-lhe os franceses que desfilavam com archotes, Marcha do Flambó, chamaram-lhe aqui.»

 

___________

FONTE: WIKIPÉDIA

Classificações das marchas populares de Lisboa

O pódio das edições das marchas populares foi o seguinte:

Wiki letter w.svg Esta lista está incompleta. Você pode ajudar a Wikipédia expandindo-a.
Ano Classificação
1932a Campo de Ourique Bairro Alto Alto do Pina
1932b Madragoa Alfama Alto do Pina
 
1934 Alfama Madragoa Ajuda,Alcântara,Alto do Pina,Bairro Alto,Benfica,Campo de Ourique,Mouraria,Santo Amaro,São Vicente e Sete-Rios (ex-aequo)
1935 Alfama,Benfica,Campolide,Castelo,Graça e Madragoa (ex-aequo) Ajuda,Alcântara,Chelas,Mouraria,Santa Clara e São Vicente (ex-aequo) -
 
1940 Alfama,Benfica,Madragoa e São Vicente (ex-aequo) Bairro Alto,Castelo,Graça e Mouraria (ex-aequo) Alcântara,Campo de Ourique,Lapa e São Bento (ex-aequo)
 
1947 Castelo Alfama e Mouraria (ex-aequo) -
 
1950 Madragoa Benfica e Mouraria (ex-aequo) Alfama,Campolide,Graça e São Vicente (ex-aequo)
 
1952 Bica Alfama Mouraria
 
1955 Bica Alcântara Alfama
 
1958 Bica Campolide e Marvila (ex-aequo) Alfama e Mouraria (ex-aequo)
 
1963 Bica e Marvila (ex-aequo) Alfama e Campolide (ex-aequo) Madragoa e Mouraria (ex-aequo)
1964 Madragoa Campo de Ourique Alto do Pina
1965 Madragoa Alcântara Campolide
1966 Madragoa Mouraria Bica
1967 Marvila Madragoa Mouraria
1968 Carnide Madragoa Ajuda
1969 Mouraria Carnide Ajuda
1970 Bica Alfama Mouraria
 
1981 Mouraria Carnide e Castelo (ex-aequo) Ajuda
1982 Castelo Mouraria Marvila
1983 Castelo Alcântara Alfama
 
1988 Castelo Madragoa Marvila
1989 Benfica Marvila Castelo
1990 Alfama Castelo Marvila
1991 Madragoa Alfama Carnide
1992 Bica Alfama Madragoa
1993 Alfama Campolide Marvila
1994 Madragoa Alcântara Campolide
1995 Marvila Madragoa Bairro Alto
1996 Alfama São Vicente Marvila
1997 Alfama Castelo e São Vicente (ex-aequo)
1998 Alfama Marvila Madragoa
1999 Alfama Marvila Castelo
2000 Alfama Marvila Castelo
2001 Marvila Alfama Bica
2002 Marvila Castelo Bica
2003 Bica Alfama Mouraria
2004 Alfama Alcântara Madragoa
2005 Alfama Mouraria Madragoa
2006 Alfama Madragoa Alcântara
2007[8] Alfama Marvila Campolide
2008 Marvila Alfama Madragoa
2009 Alfama e Castelo (ex-aequo) Madragoa e Marvila (ex-aequo)
2010[9] Alfama Marvila Bica
2011[10] Alto do Pina Alfama Madragoa
2012 Alto do Pina Alfama Alcântara
2013 Alfama Alto do Pina Bica
2014 Alfama Alcântara Bairro Alto
2015 Alto do Pina Alfama Alcântara
2016 Alfama Penha de França Alto do Pina
2017 Alfama Bairro Alto Madragoa
2018 Alfama Bairro Alto Madragoa
2019 Alto do Pina Alfama Penha de França
2020 Edições canceladas devido à pandemia de COVID-19
2021

Em 2017, as marchas tiveram como mote "Lisboa, Cidade do Mundo", tema que simboliza uma cidade cosmopolita, tolerante e aberta a todos.[11]