Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


23-07-2007

Acordo ortográfico - Nelly Carvalho


Acordo ortográfico

Por Nelly Carvalho


Acordo ou desacordo? Parece que ninguém se entende bem nesta questão de ortografia da língua portuguesa, sobretudo os maiores interessados que são os povos que a falam. Cada um acha que o outro foi o privilegiado na escolha da forma de escolhida para a grafia e todos temem se atrapalhar na hora da mudança.
 
O acordo ortográfico começou a tomar forma em 1986 e foi decidido por uma comissão formada de um brasileiro - Antônio Houaiss – e vários portugueses, além de observadores das repúblicas africanas de fala portuguesa. A pretensão inicial era apenas a louvável unificação das ortografias  brasileira e portuguesa. Mas, desde o princípio foi olhado meio enviezado e com má vontade e chegou a ser chamado Acordo Mortográfico, porque achavam que não emplacaria. Agora, entretanto, parece que vai emplacar e entrar como norma.
 
Porém, o projeto inicial ampliou-se e foram incluídas a abolição do hífen, do trema e do H interior. Só faltaram incuir a abolição da escravatura... O Y,W,K voltarão triunfantes. A primeira vista parece simplificar a nossa vida, esta atualização do código escrito. Mas, na realidade, embutidas nestas regrinhas simples, estão as exceções que vão ser pedras no sapato do já mal alfabetizado povo brasileiro. Afinal, a palavra escrita é um retrato que temos na mente, e a ausência do hífen iria provocar grafias quilométricas que são avessas ao espírito da língua portuguesa, de certa forma, assemelhando-a ao alemão, esse sim, com uma longa tradição aglutinativa.
 
A primeira ortografia da língua portuguesa pertence a uma época remota quando o Brasil ainda não existia como nação. Foi a fase fonética e reinou durante este período a anarquia ortográfica. A seguir, por influencia dos escritores clássicos chegando aos românticos, tivemos um período do pseudo-etimológico, quando ressuscitaram letras mortas e sem valor fonético. Foi o tempo da “asthma” e da “phtysica”.
 
A partir de 1911, Gonçalves Viana, em Portugal, lançou bases da atual ortografia, adotada no Brasil com modificações, oficialmente em 1943. E é a que usamos hoje. Posteriormente, houve uma tentativa mal sucedida de reformulação e unificação em 1945,logo anulada. Chegou a ser ensinada nas escolas e adotada em livros didáticos. Mas foi revogada.
A partir de então, a Língua Portuguesa ficou com as duas ortografias oficiais, o que se tornou um problema mais político que lingüístico, pois a língua portuguesa ficou regida por duas leis ortográficas, o que acontece com nenhuma outra língua.
 
Continuando as mudanças unilaterais, em 1971, foram suprimidos os acentos diferenciais – ainda hoje usados (sêca – seca/ côco -coco), inadvertidamente, por muitos que foram alfabetizados antes desta data.
 
O atual projeto de reforma que partiu de uma acertada decisão de unificar as “grafias” (porque nem a língua, nem os usos, nem as pronúncias jamais serão regidos por lei) ao ampliar-se, encontra ainda forte reação, sobretudo dos intelectuais portugueses.
 
O acordo/desacordo será uma adaptação, um ajuste, havendo inclusive, casos opcionais. É como funcionam as reformas ortográficas em espanhol, sabiamente conduzidas e autoritariamente impostas pela Real Academia Espanhola a todos os países "hispanohablantes”.
 
A reforma é apenas uma pequena tentativa de atualização de grafia, ajustando-a aos usos comuns dos povos lusófonos. Vamos chegar a um acordo sobre  o que for resolvido sobre nossa ortografia?

 

Fonte: http://pe360graus.globo.com:80/colunistas360/colunaLer.asp?columnId=13