Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


05-12-2022

Um novo Ciclo Turquico - Raúl M Braga Pires


Raúl M Braga Pires,politólogo/arabista

O Médio Oriente é, de facto, muito complicado e vê na nova investida da Turquia em solo sírio, espelho dessa realidade. Em resposta ao atentado de 13 de novembro em Istambul, cujo inquérito apurou ter tido autoria curda, Erdogan reforça a máxima "sempre que conveniente". Assim a Síria fronteiriça, que já foi do Estado Islâmico (EI), é "quintal turco, sempre que conveniente"! Se disser "Kobane", talvez se recorde que este nome andou na berlinda em setembro/outubro de 2014, quando o EI estava prestes a conquistar uma larga extensão fronteiriça turco-síria, tendo como única resistência os curdos do PYD (Partido da União Democrática, a versão síria do Partido dos Trabalhadores Curdos na Turquia, o PKK), apoiados pelos americanos enquanto último reduto da brava resistência dos verdadeiros donos daquela terra e combatidos pelos turcos, porque uma vitória curda face ao EI permitir-lhes-ia uma consolidação territorial (Afrin/Kobane/Kameshli, cerca de 900 km) que os poderia fazer sonhar com a constituição da Rojava, uma Região Autónoma, um Curdistão Sírio, que pretende seguir os passos da autonomia do Curdistão iraquiano, Região Autónoma face a Bagdad desde 1991. Cada investida turca na Síria tem sempre como objectivo desestabilizar, desestruturar algum adquirido curdo, que não deva tornar-se maior que a fase embrionária. Por isso mesmo estas investidas sazonais, já que "razões de Estado" não se discutem.                                                                                                                                                       "Cada investida turca na Síria tem sempre como objectivo desestabilizar, desestruturar algum adquirido curdo, que não deva tornar-se maior que a fase embrionária."                                    Acontece que este novo ciclo de investida túrquica na Síria encontra também, fruto dos tempos, um cenário diferente. Agora são os russos a dizerem aos turcos para não tocarem no PYD! Erdogan investe num "corredor de segurança" na sua fronteira sul, enquanto tem conseguido segurar a fronteira com o Iraque, onde também combate os curdos do PKK. O factor "Rússia" e a barganha que Erdogan terá de fazer com Putin, relativamente aos curdos sírios, terá reflexos na mediação que a Turquia ensaia entre russos e ucranianos. Erdogan não abrirá mão da sua prioridade nacional, a integridade territorial sem "curdistões", o que o enfraquecerá enquanto negociador e representante da NATO na procura de um entendimento para a guerra na Europa. Aliás, o Presidente turco só se vê nessa condição, de representante da NATO frente a Putin e Zelensky, "sempre que conveniente" e o actual ciclo dá indicação de uma deriva turca a Oriente. Um maior "ensimesmamento otomano" poderá fazer parte da contínua estratégia de jogar em todos os tabuleiros, tendo esta opção uma tentativa de alcance maior. Um desentendimento entre Turquia e Rússia na Síria, poderia obrigar Moscovo a definir finalmente qual é a "Ucrânia útil" que pretende cerrar fileiras nessa nova fronteira e voltar a concentrar-se mais no "espaço túrquico", da Síria à Líbia, conflitos adormecidos, cuja suspensão no tempo reforçam, pelo menos no caso da Líbia, as posições das Nações Unidas e do governo reconhecido por estes e que opera a partir de Trípoli, facto antagónico aos interesses russos, que viram sempre desde 2011 a Turquia como maior adversário no "teatro líbio"!

https://www.dn.pt/opiniao/um-novo-ciclo-turquico-15413358.html                              http://www.maghreb-machrek.pt                                                                                    

Escreve de acordo com a antiga ortografia