Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


24-05-2023

A Sesimbra muçulmana,na área metropolitana de Lisboa


 

Margarida Castro

qua., 24 de mai., 21:59

 

para

[FORUM]A Sesimbra muçulmana,na área metropolitana de Lisboa  Inline image

 

https://repositorio.uac.pt/bitstream/10400.3/390/1/Manuel_Conde_p243-268.pdf

 

A Sesimbra muçulmana, no distrito de Setúbal, antiga província da Estremadura,na área metropolitana de Lisboa.

 

O topónimo Sesimbra provém do vocábulo de origem greco-latina sesybrium, nome de uma planta. 

Na evolução para a língua portuguesa, esta palavra passou a ser usada no feminino, tendo dado lugar a "sesímbria" e, posteriormente, "sesimbra". A forma "Cezimbra" corresponde a uma grafia alternativa anterior à normalização ortográfica.

 

 Alguns topónimos  arabizados:xávega, almadravas, ou arrais; Azóia, Zambujal, Almoínha, Aiana, Alfarim, Amieira, Apostiça, Albufeira, Arrábida.

Da leitura dos geógrafos da Antiguidade ressalta a importância estratégica e económica da região dos estuários, mas também o carácter periférico do território sesimbrense,sua finisterra.Lugar diferente, longe do bulício das urbes e das grandes vias de comunicação terrestres, marcado pela ligação íntima da montanha com o mar,seria descoberto como local mágico e sacralizado por homens de distintos credos e tomado por muitos como espaço privilegiado para o retiro espiritual5.O muçulmano Ahmad al-Râzî, continuador da tradição geográfica antiga, refere-se à região, na sua Descrição de al-Andalus (no século X), nomeando os montes dos filhos de Banamocer, situados nos limites dos distritos(kûra, pl. kuwar)de Bâja (Beja) e al-Ushbûna (Lisboa). Retoma os tópicos que atrás assinalámos, mas reporta-se também à dimensão espiritual do espaço, assim como à sua importância estratégico-militar, ao aludir à Arrábida6. A serra, cujo nome derivou do árabe-andaluz rábita7, esconde presumivelmente os vestígios de um mosteiro-fortaleza islâmico, abrigo de uma comunidade de monges piedosos dispostos também a integrar incursões militares sobre os inimigos da sua fé, aplicando-se à defesa da fronteira. Grande seria, decerto, a importância estratégica de tal estrutura, como ponto defensivo da costa8. De igual modo, a Azóia (do andaluz zâwiya9) do Cabo Espichel corresponderá à localização de uma pequena construção religiosa, onde místicos islamistas viviam retirados do convívio com os homens, dedicando-se à meditação, agregando discípulos e constituindo uma pequeMANUEL SÍLVIO ALVES CONDE 246 5 Helena Catarino, “Topónimos Arrábida e a Serra da Arrábida”, Sesimbra Cultura, ano I, n.º 01, Sesimbra, 2000, pp. 11-12; Carlos Tavares da Silva e Joaquina Soares, Arqueologia da Arrábida, Lisboa, 1986, pp. 198-199. 6 Crónica geral de Espanha de 1344, ed. por Luís Filipe Lindley Cintra, 2.ª ed., Lisboa, 1984, vol. II, cap. XXXVIII. 7 Termo equivalente ao árabe clássico ribât, ‘acantonamento dos muçulmanos dedicados à piedade e à guerra santa’, cf. Federico Corriente, Diccionario de arabismos y voces afines en iberromance, Madrid, 1999, p. 417. 8 Helena Catarino, “Topónimos Arrábida e a Serra da Arrábida”, cit., pp. 5-17; Christophe Picard, “Les Ribats au Portugal à l’époque musulmane: sources et définitions”, Mil anos de fortificações na Península Ibérica e no Magreb (500-1500). Actas do Simpósio Internacional sobre Castelos, Lisboa, 2001, pp. 203-212. 9 Derivado do árabe clássico zâwiyah, literalmente ‘canto’, ‘espaço pequeno’, metonimicamente aplicado a pequenos estabelecimentos religiosos, cf. Federico Corriente, Diccionario de arabismos y voces afines en iberromance, cit., p. 250. na célula conventual, porventura em torno do túmulo de santo ou asceta merecedor da veneração das gentes. Estas acorriam ao local sacro e aí encontravam acolhimento para as suas práticas religiosas, escolhendo-o por vezes para seu derradeiro repouso. Ao mesmo tempo, a zâwiya deve ter servido para dar o rebate perante a aproximação de embarcações inimigas. São muito escassos os informes relativos à fortificação instalada no Morro do Castelo, que, em 1165, como relata a tardia Crónica de Cinco Reis de Portugal, Afonso Henriques “filhou … por força”, conquanto “a villa e o castello fosse~ muj fortes”. Já foi posta em questão a própria “existência dum castelo mouro em Sesimbra”10 e tem sido enfatizada a exiguidade dos testemunhos arqueológicos muçulmanos no espaço delimitado pela Cerca, contrastante, por exemplo, com a abundância de material romano11. A fortificação (hisn) teria sido edificada sob a dinastia omíada, no século IX, na época dos ataques normandos12. À semelhança do vizinho hisn de Palmela, construído na mesma época, não abrigava qualquer povoado permanente13, o que explica a escassez de vestígios do quotidiano fornecidos pela arqueologia. A existência de uma cisterna e de silos deve ser relacionada com as populações rurais responsáveis pela manutenção do reduto defensivo, a partir do qual vigiavam a aproximação de embarcações e que aí se refugiavam em caso de ataque. Essa população, que se adensou entre os séculos IX e XII, fixara-se nuns tantos lugares —que a toponímia ou a arqueologia nos vão revelando— ou apresentava-se dispersa. Explorava os recursos da terra e do mar e colaborava na vigilância e na defesa, em articulação com as gentes dos espaços vizinhos, onde se erguiam as fortificações de Palmela e SESIMBRA, SOBRE A COSTA DO MAR (SÉCULOS XII-XIII) 247 10 Fernando Castelo Branco, “Castelos de Portugal - III: Castelo de Sesimbra”, Mensário das Casas do Povo, ano XIII, n.º 148, Outubro de 1958, pp. 12-14. 11 Eduardo Cunha Serrão e Vítor Serrão, Sesimbra monumental e artística, Sesimbra, 1997, p. 87. 12 “Rien dans les fouilles actuelles n’a permis de retrouver des traces de la présence musulmane. Celle-ci est pourtant attestée par les sources, mais seulement pour la période de la reconquête […]. L’autre argument en faveur d’une fortification d’époque émirale omeyyade, outre la qualité du site pour la surveillance et la défense côtière, tient à la forme assez caractéristique de la partie principale du château, complètement réaménagé para les chrétiens” — Christophe Picard, “Les Ribats au Portugal à l’époque musulmane…”, cit., p. 211, n. 36. 13 Christophe Picard, Le Portugal musulman (VIIIe-XIIIe siècle). L’Occident d’al-Andalus sous domination islamique, Paris, 2000, pp. 171-172. Coina-a-Velha14. Tal como outras zonas costeiras mais sensíveis, a península de Setúbal constituiu, pelo menos sob o califato omíada, um território autónomo distinto dos kuwar de al-Ushbûna e de al-Kasr Abî-Dânis (Alcácer do Sal), com um governador encarregado de coordenar a defesa e garantir a vigilância marítima e terrestre15. Um esquisso da paisagem rural sesimbrense pode ser esboçado, beneficiando do contributo da toponímia, que nos revela a riqueza florestal do território, sugerida pelo nome Alfarim —que José Pedro Machado faz derivar do árabe al-farîx, significando ‘corte de floresta’, ‘desarborização’16— e a importância da olivicultura, presente nos topónimos Zambujal17 e Azeitão18. Uma agricultura mediterrânica de sequeiro e de regadio, esta apoiada em estruturas de irrigação ligeiras19, garantiria, em conjunto com a pesca e a produção animal, a sobrevivência das populações.Por sua vez, os numismas árabes encontrados no território garantem-nos balizas cronológicas seguras da presença muçulmana: numa lapa nas imediações de Azóia teriam surgido um dinar cunhado em 783-784 e um dirham de 780-78120, na Lapa do Fumo foi encontrado um tesouro esMANUEL SÍLVIO ALVES CONDE 248 14 Isabel Cristina Ferreira Fernandes, “A península de Setúbal em época islâmica”, Arqueologia medieval, n.º 7 (2001), p. 187; Christophe Picard, Le Portugal musulman (VIIIe-XIIIe siècle), cit., pp. 162-163; idem e Isabel Cristina Ferreira Fernandes, “La défense côtière au Portugal à l’époque musulmane: l’exemple de la presqu’île de Setúbal”, Archéologie islamique, n.º 8-9 (1999), pp. 67-94. 15 Christophe Picard, Le Portugal musulman (VIIIe-XIIIe siècle), cit., pp. 162-163. 16 José Pedro Machado, Vocabulário português de origem árabe, Lisboa, 1991, p. 54. Por sua vez, A. H. de Oliveira Marques, “O ‘Portugal’ islâmico”, in Nova história de Portugal, dir. por Joel Serrão e A. H. de Oliveira Marques, Lisboa, vol. II - Portugal das invasões germânicas à ‘Reconquista’, coord. por A. H. de Oliveira Marques, Lisboa, 1993, p.139, relaciona o topónimo com a tribo árabe não iemenita al-Haris. 17 Do andaluz zabbúj ou zanbúja, ‘oliveira brava’ (Olea silvestris oleaster), formado sobre o árabe clássico zacgbaj, nome do seu fruto, cf. Federico Corriente, Diccionario de arabismos y voces afines en iberorromance, cit., p. 82. 18 Do árabe az-zeitûn, ‘olival’’, cf. José Pedro Machado, Vocabulário português de origem árabe, cit., p. 80. 19 De acordo com Stéphane Boissellier, Naissance d’une identité portugaise. La vie rurale entre Tage et Guadiana de l’Islam à la reconquête (Xe-XIVe siècles), Lisboa, 1999, p. 476, n. 90, as aleziras de Sesimbra, assinaladas num diploma de Sancho I de 1199, alusivo a uma situação anterior, corresponderiam a estruturas de irrigação pré-cristãs (Documentos de D. Sancho I (1174-1211), ed. por Rui de Azevedo et alii, vol. I, Coimbra, 1979, p. 180). 20 Fazendo parte de tesouro escondido provavelmente sob o governo do emir cAbd-al- -Rahman (755-789), estudado por Miguel Telles Antunes, “Restos de tesouro de moedas islâmicas nas imediações de Azóia (Sesimbra)”, Arqueologia medieval, n.º 6 (1999), pp. 133-137). condido em período conturbado da história do Gharb al-Andalus, reunindo umas cinco centenas de moedas, umas cunhadas em Silves, outras da época almorávida e outras mais do 2.º período de taifas (entre 1144 e 1168)21.