Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


07-01-2008

Um kit para 2008 Lelia Nunes07-01-200


Lélia Pereira da Silva Nunes

 

 

Além da Terra, além do Céu,
no trampolim do sem-fim das estrelas,
no rastro dos astros,
na magnólia das nebulosas.
Além, muito além do sistema solar,
até onde alcançam o pensamento e o coração,
vamos!
vamos conjugar
o verbo fundamental essencial,
o verbo transcendente, acima das gramáticas
e do medo e da moeda e da política,
o verbo sempreamar,
o verbo pluriamar,
razão de ser e de viver

 

Carlos Drummond de Andrade,

In: Além da Terra, além do Céu

 

 

 

Dias atrás abri o que seria o início de uma crônica natalina. Comecei e não avancei. O título desta crônica ficou ali encimando uma página em branco. Os dias passaram céleres no dezembro apressado. Hoje retorno à página branca em plena ressaca natalina e já em ritmo acelerado para arrancada do Ano Novo que bate à porta. Mais um ano! E lá vou eu, misturando as horas, dias e meses por essa estrada do tempo, sempre presente e sempre novo.

 É quarta-feira, 26 de dezembro. Manhã de sol de verão, iluminada, marzão verde dançando ao sabor do vento, beijando a areia a cada vai-e-vem do branco véu de espumas. Pela casa, as lembranças da noite de Natal...

Nosso Natal é assim: tem cheiro de verão, de mar, de sol, de ostras. Um aroma inesquecível de morango, de cravo da India, de canela e de mel toma conta do ambiente misturando com os sons cristalinos das vozes  tagarelas.

 Tem a cor do sol e do mar. Frio ou gelado só o sorvete, de todos os sabores tropicais. Uma delícia! Tão diferente do Natal Branco, coberto de neve do hemisfério norte. Isso faz lembrar os natais de minha infância quando ajudava a mãe enfeitar com algodão a árvore de Natal para fazer de conta que nevava no nosso clima tropical ou para lembrar os flocos de neve que caíam em outros lugares tão distantes do meu Brasil. Lugares de encanto descritos na magia dos contos de Hans Christian Andersen. Imagens luminosas que só conhecia em gravuras coloridas, delicadas, enfeitando as barras de chocolate ou ilustrando cartões de Boas Festas que vinham de longe. Meu imaginário voava em trenós encantados e sonhava acordada com aquelas terras do Natal com neve.

Imagens que dissiparam nas vaporosas brumas de fantasia da menina e na imensidão do tempo da mulher.  E “o tempo não pára! Só a saudade é que faz as coisas pararem no tempo...” escreveu o poeta Mario Quintana

Em qualquer hemisfério, a Noite Santa é una e nela o Menino-Deus abençoa e afaga nossos sonhos e desejos e também embala a saudade, a dor vivida e a alegria partilhada. É a magia do Natal, a celebração do amor, do perdão, da amizade inquebrável. Não é preciso acrescentar mais nada.

Nesta manhã, em que todos ainda estão a dormir, escrevo pensando na importância dessa época, nas coisas realizadas, nas pessoas que amo, inquilinas do meu coração e no amor, a energia que impulsiona a minha vida. Quero vivê-lo em cada vão momento /  E em seu louvor hei de espalhar meu canto / E rir meu riso e derramar meu pranto / Ao seu pesar e ao seu contentamento.”, são versos do  Soneto da Fidelidade de Vinicius de Moraes que vou recitando como se fosse um mantra.

O que encontramos em nosso caminhar é a presença constante dos amigos, da família, das pessoas que realmente importam e que  fazem e vão fazer a diferença por toda a vida. As palavras brotam das pontas dos dedos e falam de alegrias, realizações, mágoas, tristezas, gratidão, reconhecimento.

Se o momento é de balanço geral então é hora de deitar fora o que amarra, inquieta e faz sofrer.  Não vale a pena!  É a vez do sim em lugar do não que magoa. De desculpar-se por ter sido menos e devia ter sido mais ou onde foi demais e devia ter sido muito menos.  De agradecer e guardar tudo que foi ótimo e merece registro. De festejar o prazer de cada vitória. De entender o revés, as perdas e derrotas e tirar daí alguma lição. E, sobretudo, aprender – um verbo a ser conjugado todos os dias sem jamais aposentá-lo.

Um balanço pra valer com demonstração dos lucros e perdas, que defina a posição dos bens do Ativo e as dívidas alocadas no Passivo, dando visibilidade a liquidez após o saneamento dos problemas, conflitos, mesquinharias que emperram a caminhada e minam a alegria de bem viver. Não dar força a bens depreciáveis como a intolerância, o malquerer, o rancor, o ódio, a hipocrisia, a inveja, o medo, a culpa, a tristeza que apaga o brilho do olhar e esfria o coração. São bens desvalorizados, um capital empatado. A gente não perde tempo com capital empatado.

Se em contabilidade deve-se contar com os ovos dentro da galinha, vamos também buscar ovos, só que de ouro, que foram aninhados um a um e agora serão avaliados pelo índice de desempenho sob ângulos variados, revelando a sua performance. É hora de decifrar enigmas da incerteza, de entender as escolhas, de observar detalhes, de lavar a alma, de otimizar, de fazer provisionamento com base no vivido e partilhado, de presumir lucro. É importante pensar no conceito de continuidade, um termo que envolve confiança e significa que tudo está bem e que a estrada segue, ora aberta e livre, ora tortuosa e estreita. Que muito já foi descoberto, desvendado ao longo da jornada, e o que se tem pela frente não é o bicho papão. Há um certo encanto no ato de desvendar ou levantar o véu. E como dizia Mario de Andrade é este véu que deixa passar a luz sobre a escuridão.

É preciso acreditar, praticar o exercício da liberdade, aceitar desafios e investir no futuro. E se a gente é que faz o futuro acontecer, então vamos nessa e para o melhor. Assim é o ciclo da vida, tudo de algum modo é avaliado, pesado, medido, saneado e a cada ano acreditamos que recomeçamos revigorados, cheios de bons propósitos e de alma lavada. Falo de renascer, de respirar fundo e avançar com determinação, sabedoria, coragem e paixão. Mario Quintana, gaúcho,  poetou: “Lá bem no alto do décimo segundo andar do ano vive uma louca chamada Esperança”. Pois, vou atrás desta louca esperança, quero dar chance aos sonhos e desejos meus e traçar no tempo o próprio caminho de alma livre e leve.

As previsões falam que 2008 promete ser um ano “quente” e será regido pelo planeta Marte, o planeta do vermelho do fogo e do poder, que  traz consigo vitalidade, abundância, auto estima, coragem e a aceleração de energia. Para os nascidos sob os signos do Fogo, as paixões estarão em alta. Bem, como eu nasci sob o signo da Terra vou continuar na maior inquietação, vou ter que ir à luta e tratar de correr atrás da minha própria receita para viver um 2008 com intensidade e ser feliz, de janeiro a dezembro,sob a proteção de Yansã, minha orixá – a senhora da guerra, dos ventos, da tempestade e da sensualidade. Epa Heya Oya Yansã!

Afinal, é a hora da virada, estamos prontos para o que der e vier!  A virada de um ano para outro, já por si é um acontecimento fantástico. Em uma fração de segundo terminamos um ano e começamos outro. Acreditando ou não, acaba-se cumprindo um ritual de passagem do Velho para o Novo na procura da saúde, riqueza e da sorte no amor. Acrescentar a esse momento simpatias e superstições já faz parte da tradição e algumas poções de encantamento são seguidos à risca para atrair bons fluídos e quem sabe uma boa carga de energia positiva para entrar 2008 protegidos e com o pé direito. A criatividade nesta hora é admirável e não há quem resista a tentação de experimentar um tempero afrodisíaco ou uma “calcinha com raspadinha da sorte” na cor da sua preferência e de “lambuja” uma mensagem especial para o seu futuro. É só raspar!? Uma jogada incrível de marketing e as calcinhas ou cuequinhas da sorte, em todos os tamanhos e cores, estão por toda parte. Aliás, eu também não dispenso o costume de na virada do ano vestir uma calcinha ou cuequinha nova da cor do meu desejo e da paixão.

 Foi pensando nestas receitas do arco da velha que preparei um “KIT” para entrar bem 2008. Embrulhei-o em papel celofane vermelho do amor, enlaçado com fitas de cetim branca da paz e verde da esperança infinita, amarrada num abraço forte e selada com um grande e gostoso beijo.

Um Kit de palavras com significados e conteúdos que irão me acompanhar na grande aventura de viver 2008 em plenitude.

Um Kit de primeiros socorros para curar sentimentos feridos pela palavra rude dita ou escrita, magoados por atitudes impensadas. Um Kit com pequenas coisas e de grande utilidade. Algumas para uso imediato outras para colher resultados no correr dos dias como: o elástico da flexibilidade; a borracha para apagar os erros e refazer ou o mini “mouse” para deletar e seguir adiante, clips coloridos para reunir o que é importante e não posso perder;  algodão para amaciar a queda e poder dar a volta por cima; a linha para entrelaçar fortemente a renda da amizade e chocolate para dar energia. No Kit não pode faltar um patuá com alecrim, pimenta dedo-de-moça, arruda e sal grosso contra mau olhado, uma fita do Senhor do Bonfim na cor vermelha; água de cheiro para purificar, aspirina para o coração agüentar as emoções e o baton para iluminar o sorriso.  

Vou receber o Ano Novo com muita garra para viver com intensidade real, no tempo exato de cada ato. Viver de verdade e bem, com entrega absoluta, sem vergar, sem concessão e sem aceitar desculpa que me subestime.

No próximo dia 31 de dezembro estarei na praia à espera da contagem regressiva  da meia-noite anunciando o alvorecer de 2008. Vou oferecer flores à Yemanjá no regaço do mar, com a respiração suspensa torcendo que ela aceite a prenda e não a devolva na  primeira onda, com medo de quebrar o encanto, a magia desse momento de sublime celebração telúrica.

Ao cabo e ao final, o que importa mesmo neste rito de passagem é sentir-se viva e amar sem conta até a nossa falta mesma de amor. Este é o verdadeiro Kit para 2008 ser um Ano maravilhoso. Há de ser. Vamos descobri-lo bem devagar até o ápice, num caminho encantado, num ritual de pura magia como a melhor de todas as danças – a dos corpos, onde o momento é mais perfeito. “Dance me to the end of Love” não é o que diz a canção de Leonard Cohen?

Então, que venha 2008 com muito axé!

Fico aqui com um pensamento do Carlos Drummond de Andrade, poeta mineiríssimo, que sabia das coisas:

Janeiro está estourando aí, vamos abrir a janela para janeiro. Com jeito,com habilidade. Não escancarar logo, entende?(... ) Descobrir o ano novo como...posso dizer?(...) Como se despe a mulher amada.”

 

Florianópolis, 26 de dezembro de 2007

Ilha de Santa Catarina,

 

 

 

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