Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


19-06-2014

A ROTA BRASILEIRA DA ESCRAVATURA OS VISSUNGOS ANGOLESES ENRAIZARAM-SE NAS MINAS


Simão SOUINDOULA

E o facto, maior, que se pode reter da leitura da obra “O negro e o Garimpo em Minas Gerais” da autoria de Aires da Mata Machado Filho, livro que acaba de ser republicado, numa dupla parceria entre a Editora Itatiaia, em Belo Horizonte, e a Editora da Universidade de São Paulo.



Estendendo-se sobre 141 páginas, o ensaio articula-se sobre uma dezena de capítulos que analisam, respetivamente, a agitada zona de São João da Chapada e a base africana do seu povoamento, a penosa vida dos quilombolas, capangas e faiscadores e assimilados, a obsessão do ouro e do diamante, bem coberta de crenças antropológicas bantu, animadas por cantigas de trabalho de mineração e o seu reflexo coreográfico.   

Segue-se o crucial exame do crioulo sanjoanense, com a transcrição e tradução em português, de uma centena de cantos bantu-mineiros e as suas respetivas partituras.
Resultado de um bom trabalho de recolha, o autor anexou um indispensável glossário do dialeto sanjoanense com mais de duas centenas de elementos.
Segundo Aires Filho, o primeiro núcleo de partida para mineração na arraial e adjacências foi o bairro de Valongo, contingentes constituídos, maioritariamente, de moleques congueses, angoleses e benguelas.

Vários recenseamentos efetuados na Capitania Mineira entre 1776 e 1876, cuja população evolui, entre meio milhão e um milhão de habitantes, avaliavam, invariavelmente, 1/3 de pretos e pardos, com estatuto de homens livres, escravos e quilombolas.
E, esta componente de Tijuco, de origem, com predominância bantu, que vai depor a sua carga linguística e antropológica em Diamantina.
Designa as ferramentas de quicaia, cacumbus, carumbés, ganga ou canga. Qualifica um dos feitiços de maldade de muamba. E, ele que canta trechos do Evangelho em ambundo.

E, esta parte da sociedade mineira que vai denominar sítios circundantes de Caiambolas, , Maquemba, Moange e o Morro do macumba.
A sua moradia e a cafua, similar a habitação do negro da área Congo. E, igualmente, chamado de cubata de Angola.
Os angolenses perpetuarão, ai, o auto popular o famoso bumba-meu-boi, tradição totémica saída dos pastores do centro e sul do Quadrilátero.
Dançarão a canjare, do Kimbundu kan’zo , kanzaredo, rodopio, rodeio ou saracoteio .
Vão bater, ai, um  único tipo de tambor e o angono-puita.
HIPOCORISTICO
Vários termos da língua banguela, na realidade saídos das línguas bantu ocidentais, perpetuaram-se, nos vissungos diamantinos, de essência religiosa e profana.
Serão cantados, a solo e coro. Estes são trovas de “De o nascer de dia”, de  “Subindo o Morro”, de trabalho, da manha, de meio-dia, da tarde, de” A jangada , secando agua”, de multa, de caminho e de rede e de “queixando-se da vida”.
Nota-se que a escravaria, prudente, fala, em função das circunstâncias, ou em crioulo ou nas línguas bantu.
Regista-se na tipologia rimas diversas, a exemplo das bem antropológicas cantigas do “Negro Enfeitiçado” que evoca uanga o assoma, cuatiara, vinjanja, ombera, curiandamba e candimba.

Cravaram termos tais como T’Angananzambe, calunga, imbanda, canjonjo, andambi, ucumbi, atunda, candamburo, nguenda, chicondo, tingue canhama, corofecae e omenha, assim como  as expressões sand’ua ongombe uari  e ongira oenda mondondo aue a.
O duro trabalho do enxugo (lamba) e a violência quotidiana refletiam-se, naturalmente, nos vissungos, com trechos de caracter insultuoso.
A dinâmica de crioulização era inevitável aos níveis da simplificação gramatical e adaptação fonética. Assim, todos apelidos Cristãos foram bantuizados : Fulo para Flora, Quelemente para Clemente.
Algumas formas de caracter hipocorístico subiram a forja redutora dos Atu, a exemplo de Calu, Valu, Xandu, Cecao, Nana para, respetivamente, Carolina, Valeriano, Alexandre, Conceição e Ana.
Obra editado, pela primeira vez, no início do seculo, a sua republicação enquadra-se na fabulosa Coleção Reconquista do Brasil, com cerca de duas centenas de títulos publicados e que contem, sobre múltiplos aspetos, a presença dos ekalangos angolanos.
A reedição de O negro e o garimpo negro e sintomático do Novo Brasil que quer reforçar a sua parentela com o pais de Mueno – Hambo.

Por
Simão SOUINDOULA
Historiador angolano, vice-presidente do CCI do projecto da UNESCO “A Rota do Escravo”. Antigo Professor no Instituto Superior de Ciências de Educação de Lubango, da Universidade Agostinho Neto, membro do Comité Científico Internacional do Festival Mundial das Artes Negras, crítico de arte, foi responsável pelo Centro Internacional das Civilizações Bantu.

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