Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


29-01-2008

Contradições da História Luso-Brasileira


Embaixador português no Brasil intervém nas comemorações do bicentenário da abertura dos portos brasileiros ao comércio internacional.

Da Redação com informação da Embaixada de Portugal em Brasília

No Brasil, o princípio do fim do sonho imperial

Brasília - As contradições da história política do período colonial português no Brasil, que se prolongam nos nossos dias, foram objeto de análise por parte do embaixador de Portugal no Brasil, Francisco Seixas da Costa, ao intervir, nesta segunda-feira (28), em Salvador, na sessão comemorativa do bicentenário da abertura dos portos brasileiros à navegação internacional.

O evento, na Associação Comercial da Bahia, teve a participação do governador do Estado, Jacques Wagner, do ministro brasileiro da Cultura, Gilberto Gil, e do ministro dos Portos, Pedro Brito, entre outros.

Numa referência a Salvador, que há 200 anos recebeu o Príncipe regente e a sua corte, Seixas da Costa disse ser “porventura, a cidade do mundo onde melhor estão retratados os cruzamentos das gentes que foram convocadas pela aventura colonial portuguesa”. Para os habitantes locais de então, segundo o embaixador, “deve ter sido também um grande espanto ver desembarcar, no seio da sua simplicidade, o fausto bizarro da aristocracia lusitana e os ademanes da vida palaciana europeia”.

"Rejeição anti-colonial"

“Muito daquilo que, no imaginário brasileiro, sobrevive historicamente como caricatura da Corte, o sublinhar cruel de alguns dos seus sinais físicos e comportamentais, tidos por risíveis, foi, e parece ser ainda em alguns sectores brasileiros contemporâneos, o produto de uma mecânica rejeição anti-colonial, da necessidade de compensar pela crítica o imperativo de reconhecer os efeitos altamente positivos que, para o Brasil, resultaram desse mesmo tempo”, enfatizou o embaixador de Portugal.

Pronunciando-se sobre a abertura dos portos e das alfândegas brasileiros, decidida pelo Príncipe Dom João em 28 de Janeiro de 2008, o embaixador português disse que, para além de um gesto de gratidão para com os ingleses, terá sido “um gesto de realismo e pragmatismo”, fruto das pressões dos comerciantes da Bahia e também destinado à “viabilização económica do império português, nas condições difíceis em que o país operava”, dado que “Lisboa estava, por tempo indeterminável, perdida para a chefia do império, como eixo de comunicações, de navegações e de comércio”.

“Dom João estava longe de supor que o Brasil iria caminhar rapidamente para a independência, 14 anos depois. Com toda a certeza, acreditava que o gesto que então fazia, embora mudasse radicalmente o estatuto funcional da colónia, não ia pôr em causa a integridade do império. Antes pelo contrário, pensava mesmo que iria reforçá-la”, disse Seixas da Costa.

O princípio do fim do império

Questionando se a “abertura dos portos brasileiros foi positiva para Portugal”, o embaixador avalia que tal abertura “só poderia ter continuado a ser favorável aos interesses de Portugal, como um todo, se a sede do império tivesse permanecido no Brasil ou se, regressando a Corte a Lisboa, Portugal tivesse conseguido prolongar, por qualquer forma, a sua tutela sobre o Brasil”.

Afinal - constata Seixas da Costa -, a perda do Brasil inviabilizou o projecto do império: “ É que o Brasil – convém que se perceba – era então a única verdadeira colónia de Portugal. As possessões africanas eram meros entrepostos costeiros, cuja rentabilidade assentava em pouco mais do que o tráfico de escravos”.

O que leva o embaixador a concluir: “a criação das instituições portuguesas em terra brasileira, que temporariamente havia salvo a Corte e a soberania do país, acabou por impulsionar, de forma decisiva, o desejo de libertação. A independência do Brasil era já inevitável.”

Contradições

Seixas da Costa referiu-se ainda ao facto de que “Dom João VI não está entre figuras mais apreciadas na memória popular portuguesa”. E adianta algumas razões para tal: ”Talvez a nossa historiografia não tenha sabido valorizar como estratégico o gesto que a saída de Lisboa significou para a salvaguarda da soberania portuguesa, poupando à Corte a humilhação a que a França napoleónica submeteu grande parte da Europa. Talvez Dom João VI acabe por ser associado, subliminarmente, ao início de um período de algum declínio de Portugal, a um tempo nostálgico de “finis patriae”, que se agravou ao longo de todo o século XIX e que, no fundo, criou o caldo de revolta que permitiu a implantação da República. Talvez a circunstância de Dom João VI, no seu regresso a Portugal, ter sido mais do que equívoco na sua posição face às ideias liberais, então já prevalecentes, tenha contribuído também para firmar o juízo maioritariamente negativo que o país sobre ele veio a fazer.”

Nesta perspectiva, o embaixador português referiu-se ao “facto, de certo modo irónico, de ser o Brasil a sublinhar as virtualidades da acção política, económica, social e cultural de uma das figuras mais mal-amadas da História portuguesa”, o que, a seu ver, “diz alguma coisa sobre o que são, afinal, as contradições que o período colonial ainda prolonga nos nossos dias”.

Fonte: http://www.portugaldigital.com.br/sis/noticia.kmf?noticia=6915824&canal=156&total=1592&indice=0