Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


24-02-2008

A saga de um corvino III Maria Eduarda Fagundes


A saga de um corvino  

Capitulo  III

 

A Senhora Adelaide, uma portuguesa há anos radicada na América, viu quando seu hóspede chegou, tirou o boné e o sobretudo molhados, e dirigiu-se para seus aposentos. Pouco tempo depois, já lavado e seco, ele retornou e procurou com o olhar um local no salão principal, para a refeição da noite. Num ambiente atulhado de gente- (havia chegado um navio ao porto)-socorreu-o  a dona da pensão que, percebendo a sua dificuldade, levou-o a uma mesa onde estavam duas senhoras. Apresentou-o como sendo um compatriota e solicitou um lugar para ele.

 

 Apesar da inicial hesitação da senhora mais idosa, foi aceito. José pediu licença e tomou o assento. Numa tentativa de amenizar a situação, mostrou-se cortês e entabulou uma conversação. Apresentou-se como um proprietário da ilha do Corvo, “floreando” a sua posição sócio-econômica.  Disse como chegou e que tinha parentes nos Estados Unidos. Por sua vez, elas contaram-lhe que eram mãe e filha, uma do Pico e a outra do Faial. Enquanto falavam, o corvino observava com interesse Maria José. Não era especialmente bonita. Delgada, clara e sardenta era alta para os padrões portugueses da época. Os cabelos castanhos muito bem penteados eram presos no alto da cabeça, em rolete. Os olhos eram claros, esverdeados, ligeiramente fechados, denotando uma incipiente dificuldade visual. O nariz arrebitado e uma maneira decidida e estabanada de falar davam-lhe um certo encanto.

 

Através das vidraças das janelas da pensão via-se que a chuva continuava, agora mais branda. As senhoras tomavam chá com torradas. Apreciavam o calor da lareira que crepitava ao lado. Enquanto bebericava um copo de vinho tinto e aguardava a sopa que pedira, José ainda puxava assunto. A mais velha, Bárbara, tinha um ar austero e desconfiado, usava óculos de aro redondo. Era filha de um continental de Melgaço e de uma espanhola.  Usava uma saia ajustada na cintura, longa e preta. A blusa era também negra, fechada até o pescoço, arrematada por uma gola branca rendada, onde se sobrepunha uma corrente de ouro com um camafeu.  Devia ter uns cinqüenta e poucos anos. Percebia-se que se sentia desconfortável com o à vontade da filha, que falava com José como se o conhecesse há muito tempo.

 Maria José era professora de instrução primaria na sua terra natal, mas depois que se casou com um comandante de um baleeiro americano que conhecera no Faial, mudou-se para New Bedford, nos Estados Unidos. Lá teve dois filhos e se dedicou à família. Agora, elas acabavam de chegar dos Açores onde foram terminar alguns assuntos pessoais. O marido de Maria José havia desaparecido num naufrágio perto da Ilha das Flores. Viúva, de volta a casa, pensava em trabalhar. Talvez até daria aulas particulares. A maioria dos imigrantes portugueses era analfabeta, ou então havia aqueles, como o José, que sabiam ler, mas não sabiam escrever. Nas ilhas açorianas havia pouco material escolar e faltavam professores. E as crianças muito cedo aprendiam que era preciso ir para o campo para ajudar os pais a prover o que comer. Tudo isso desestimulava o estudo.

 

José ouvia a jovem senhora com estranho contentamento. Ela lhe despertava um doce sentimento, agitava seu coração e era viúva... E, ironia do destino, o marido dela era o mesmo capitão que o trouxera até ali, onde estava, na América!

 

*Maria Eduarda Fagundes

   Uberaba, 22/02/08