Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


19-03-2014

Açorianos no Brasil. História, Memória, Genealogia e Historiografia


Vera Lúcia Maciel Barroso (Org.)

Edição comemorativa 250 anos do povoamento açoriano do Rio Grande do Sul
Porto Alegre, EST Edições, 2002

Esta colectânea de estudos sobre a emigração açoriana para o Brasil, organizada pela Profª. Vera Lúcia Barroso, tem intenções diversas e confessadas que vão desde fins comemorativos e festivos dos 250 anos do povoamento do Rio Grande, à avaliação do estado de investigação sobre este tema no Brasil, passando por contribuir para o avanço do conhecimento histórico sobre a emigração açoriana e, por isso, torna-se bem difícil uma visão crítica sobre o seu conteúdo.Ele divide-se em três partes que se pretendem complementares. Uma primeira, intitulada «O Brasil acolhe os açorianos», é um conjunto de estudos sobre os açorianos em vários estados do Brasil (mais propriamente 10 desses estados), ocupando da página 16 à página 176; uma segunda parte é formada por estudos sobre «os açorianos no Rio Grande do Sul, 250 anos» e pode-se considerar o cerne da obra, vai da página 178 à página 501; e a terceira e última parte, «Açorianos, proprietários de terras no Rio Grande do Sul, 1770-1800», é composta pela transcrição de documentos do Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul, 3 códices de concessão de terras aos casais de número que povoaram o estado sulista.Fora isto, que é o conteúdo principal, há a assinalar saudações protocolares da Directora Regional das Comunidades, do Presidente do Instituto Cultural Português e do Presidente da Associação dos Amigos dos Açores do Rio Grande do Sul, além de uma mensagem do editor, uma apresentação da organizadora e uma «reflexão» do Prof. da Universidade Federal B. A. Salvador da Bahia, Pedro Agostinho.As mensagens protocolares não suscitam comentários, mas as outras três merecem algumas palavras.A mensagem do editor, assinada por Rovílio Costa, destaca a questão da identidade gaúcha e atribui uma das suas raízes à açorianidade, aliás dentro da tradição de uma corrente de historiografia riograndense, sendo de destacar a leitura que faz da «gauchidade» como o resultado das identidades irmanadas, indígena, portuguesa e açoriana (como singularidade portuguesa). Este tema é dos mais salientes da questão da emigração açoriana e tem despertado o interesse dos historiadores e antropólogos culturais em variadas circunstâncias da emigração. Nesses sítios, com destaque para Santa Catarina e Rio Grande do Sul, a açorianidade moldou a identidade regional e é-lhe atribuída a própria consciência identitária, noutros sítios do Brasil, mas também da América do Norte e Canadá tem sido estudada essa açorianidade como meio de preservar a identidade de grupos emigrados, por várias gerações, permitindo-lhes manterem-se diferenciados em ambientes culturais mais dinâmicos e maioritários. É pena que depois nos estudos publicados na colectânea, este tema não seja retomado com maior consistência.A reflexão do Prof. Pedro Agostinho, publicada nas badanas da obra, vai na mesma linha de interpretação e aflorando a questão teórica da colonização e da emigração, pretende destacar duas linhas de força de açorianidade que marcam os traços distintivos: uma simbólica e outra tecnológica.A simbólica, a força do Espírito Santo e dos seus ritos como fonte de unidade das comunidades açorianas emigradas no mundo, atribuindo mesmo a essa força o enquadramento do movimento revolucionário do Contestado (1912-1916) em que a multidão dos pobres pretendeu instalar na terra a Nova Jerusalém, destruindo o mundo da pressão capitalista. O tema é aliciante e bem tinha merecido o seu desenvolvimento num dos estudos que compõe a colectânea, o que, infelizmente, não aconteceu.A técnica é que se apresenta de todo infundada e manifestamente sem apoio documental, prejudicando até a seriedade científica do estudo, pois pretende ligar a construção naval baleeira do Rio Grande a uma pretensa técnica naval de origem nórdica e viking levada para os Açores pelos povoadores flamengos no século XV.A apresentação da organizadora, que foi aliás escrita nos Açores, na ilha do Pico, durante uma estada da Profª. Vera Lúcia Barroso, enquadra o fim último desta colectânea como sendo um contributo para o avanço do conhecimento da emigração açoriana para o Brasil e, principalmente, com o fim expresso de marcar o papel singular do açoriano na construção do espaço social gaúcho.Assim, fica realçada a pretendida unidade da obra que, como todas as colectâneas, depois na substância é marcada por desequilíbrios entre os estudos apresentados. Há estudos de historiadores consagrados, de investigadores universitários, de investigadores independentes e de curiosos mais ou menos impressionistas. Os leitores certamente distinguirão as várias componentes com facilidade. É, porém, de acrescentar que esta obra é sem dúvida um importante contributo para o tema da emigração açoriana e o papel dos açorianos na construção do Brasil, mas não fica marcada por uma clara orientação das princípios enunciados pelos seus responsáveis, podendo-se dizer que não houve possibilidade de uma coordenação efectiva que desse maior unidade interna ao seu conteúdo. O que realça é antes uma recolha de temas e estudos surgidos da iniciativa e das preocupações individuais dos investigadores.Deve-se, ainda, assinalar que a opção de incluir uma tão grande massa documental, que ocupa mais de metade do livro, desequilibra o todo e não contestando o valor e o interesse dos documentos teria, talvez, sido mais acertado publicá-la em volume separado porque a qualidade da transcrição paleográfica, os índices e a bela apresentação científica até lhe davam a consistência necessária.José Guilherme Reis Leite – Instituto Histórico da Ilha Terceira, Ladeira de São Francisco. 9700 Angra do Heroísmo
in Biblioteca virtual | Índice   BOLETIM DO NCH Nº 14, 2005
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