Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


05-06-2014

Galiza não quer ser uma nação Artur Alonso Novelhe


Por Artur Alonso Novelhe a 2 de junho de 2014 À vista destes novos resultados eleitorais e, tendo em conta a elevada abstenção, há algumas conclusões que com a devida prudência podemos tirar:Catalunha já não é um espelho dos resultados eleitorais da Espanha – quer dizer, Catalunha já não vota com Espanha.  Ciutadans arrebata diretamente ao PP a defesa da espanholidade na nação mediterrânea, enquanto o PSC ainda vive dentro do seu impossível labirinto.No Euskadi as força nacionalistas e espanholas ainda não puderam desequilibrar a balança em favor de um projeto determinado… e o embate final terá de ser pelo de agora adiado.  O espanholismo tem forte presença em áreas significativas do país e, ao mesmo tempo, o nacionalismo ainda pode lutar em áreas que Espanha considerava já liberadas, como Nafarroa.Na Galiza o referente nacional por antonomásia nos últimos anos sofre uma tentativa desenhada de desaparição, mas sobrevive graças ao apoio de Bildu. O outro partido nacionalista recebe a tendência que também foi iniciada dentro do conjunto do Estado espanhol (a partir de agora, simplesmente Espanha). A imagem que mostra a Galiza é, sem dúvida, um reflexo bastante perfeito, e no entanto periférico, do acontecido no resto da Espanha, incluindo a irrupção de PODEMOS como quarta força política e o avanço de UPyD.Sem uma referente estatística clara que possa avaliar as nossas observações, vamos atrever-nos a indicar que a tendência que marcam estas eleições afirma a visão majoritária de reafirmação da população dentro da identidade espanhola, se bem matizando essa identidade com umas certas caraterísticas diferenciadoras (cada vez mais diluídas na tendência da cosmovisão unitária espanhola), que ainda lhes garante a pertença a uma comunidade peculiar dentro duma Espanha a cada dia menos plural.Aceitar esta realidade dentro do âmbito que vagamente podemos denominar de galeguista é, a nosso modo de ver, o primeiro passo para tentar revertê-la ou bem tentar adaptar-se a ela, sem perder a língua e cultura galegas dentro deste novo enquadramento conceitual, ideológico, político e social (Isso pode ser possível? – seria a primeira pergunta necessária a responder com sinceridade).Para evitar divisões desnecessárias dentro das escassas fileiras que ainda mantém vivas o galeguismo organizado, tentaremos abrir o debate o mais possível, sem excluir ninguém destas abordagens. Primeiramente deveríamos todos aceitar um princípio fundamental das leis da natureza –e que muito bem define o símbolo chinês do I-Ching–, pelo qual se afirma que tudo contém o seu contrário , princípio primordial da inevitável mudança (que tem muito a ver com a mal interpretada luta de contrários, nascida do princípio de unidade dos Contrários de Heráclito, que fala da relação de interdependência dos opostos, onde um não pode existir sem o outro).Partindo dessa base, surge uma pergunta fundamental, da qual derivam todas as urgências da Nação que se esvai como a brêtema: como trabalhar para garantir a sobrevivência e mesmo a futura vigência da cultura, a língua e as raízes galaicas?Ninguém pode estar excluído nesta tarefa, não pode haver confrontos por visões ou estratégias diferentes ou em certos momentos divergentes, todas, todos os caminhos fazem-se necessários para serem trilhados. Ninguém possui a verdade absoluta. No entanto, há cousas que parecem estar a clarificar-se, sobre o que já foi ou não pode ser, nesta precisa, difícil, mas também preciosa etapa…Inúmeros estudos avaliaram já o declive da língua galega. Perda da fonética, léxico, morfologia, inclusão máxima de formas e léxico castelhano… Enfim, que a tendência vem sendo, à luz dos inúmeros escritos críticos realizados  (na sua maioria no século passado), desde faz séculos, mas mais aceleradamente desde há decênios, um lento caminhar em direção à extinção mesma… Agora o único que começa a fazer-se já visível é a velha ilusão de sermos ou podermos ser no futuro uma nação… As nações não só são por direito, mas sobretudo pela vontade de exercer tal direito…Evidências desta nova realidade são também que, na correlação de forças atuais, se faz impossível qualquer mínimo resultado que possa alicerçar um futuro promissório, contando só com as combinações das ações realizadas pelas forças internas. Precisamos amplitude de olhares e alianças externas. Sem criarmos uma estratégia que tenha como base estes dous piares, a definitiva demolição do edifício que algum dia identificamos com a Galiza vai ficar para sempre em pó , como uma lembrança de museu, já nem tão sequer etnográfico.Dentro da Espanha, os esforços por criar redes e alianças além do Euskadi e a Catalunha não parecem muito eficazes, tendo em conta que mesmo o federalismo ou a ilusória construção do estado federal foram eliminados da agenda política e provavelmente não se volvam ativar até o final dos tempos (referimo-nos aos tempos marcados pela Espanha)…Com recursos escassos e forças, a cada dia, mais minguantes, o galeguismo deveria optar por maximizar as suas ações e atuações, dentro e fora do país. Externamente, e por questões que excedem em muito o espaço dum artigo, as alianças mais ajeitadas têm de ser feitas com os países que compartilham a sua mesma língua. E uma filosofia de acreditar no galego como língua internacional posiciona-se como de vital estratégia para a simples realização dum enquadramento real que permita, no hoje, a sobrevivência da língua, dadas as condições em este presente nos impõe a realidade.Os partidos galeguistas, e nomeadamente o BNG, terão de concentrar toda a sua atividade na base: criar estruturas de rua, bairro, aldeia, comarca…, contado ativamente com a população;  desenvolvendo, na medida que os recursos permitam, o país que sonhamos viver. Nada têm estas organizações já a ganhar no jogo mediático –de onde foram excluídas–, pelo que precisam incentivar e apoiar meios alternativos, ligados aos setores sem voz. Sobretudo o trabalho com os mais de 600 mil galegos e galegas em condições de pobreza, com a mocidade sem trabalho, com os anciãos, com as mulheres… sem esquecerem o cuidado e amor ao meio e às raízes da Terra, sem a união à qual o ser humano fica ausente.Ao mesmo tempo, vão ter de abandonar práticas piramidais e de controlo dos movimentos sociais e mesmo aceitar que, nesse caminhar independente das organizações sociais, as contradições entres estas e os partidos podem e devem mesmo ser constantes. Algo que longe de incitar o medo à perda do controle (bem próprio das velhas organizações da esquerda), vai  fomentar na prática a criação de diálogo e a intensificação do magnífico desafio de aceitar a diversidade de policromias (longe do adoutrinamento), base para criar propostas inovadoras. Mesmo permitir errar, forma inicial de aprendizagem.Devemos para já substituir o velho esquema do debate (nascido da concepção errônea de luta entre contrários –que leva inserida consigo a necessidade de vencedores e vencidos), pelo mais enriquecedor diálogo (nascido da concepção duma certa unidade dos contrários e que leva consigo inserida a abertura de pontes de encontro permanentes entre as distintas opiniões, em aparência contraditórias mas que, como bem refletia Heráclito, nascem da mesma unidade).Devemos modificar, pois as atitudes prepotentes típicas da velha esquerda que acreditava na verdade única: a sua; e mudar para uma atitude mais aberta –que facilite o diálogo e a aprendizagem mútua que está no seu cerne, mesmo com as pessoas que não compartilham as nossas perspetivas e visões da realidade.  Temos de reconhecer que muitas vezes facilitamos ao poder a labor de desinformação e intoxicação. Mesmo a de difamação, quando ajudamos com as nossas atitudes vaidosas, preconceitos ou intolerância a difundir essa mesma informação maliciosa.Humildade, abertura de mente, capacidade de diálogo… devem fazer parte do manual psicológico dos e das militantes galeguistas.Muitas outras impressões e sugestões terão de ser debatidas, sem medo. Os tempos são chegados. E desta vez resistir é a pior das hipóteses. Por isso nós acreditamos que devemos elaborar a nossa narrativa fora da sua guerra –a guerra aonde eles nos querem levar: ao invés de erguer as barricadas que eles gostariam de nos ver levantar, para definitivamente isolar-nos;  nós deveríamos abrir-nos a toda a sociedade, criando uma rede de base atenciosa e útil, disposta ao diálogo contínuo; uma rede alternativa de opinião onde todos os seres humanos hão de ter boa acolhida, a rede dos justos e generosos, daqueles que o nosso hino fala.Trabalhemos, pois, com o nosso ser modificando dentro dele as atitudes da guerra: ódio, ira, aversão… Abramos os nossos corações à solidariedade e compreensão das outras pessoas, mesmo das diferentes… Fechemos a porta aos maus ventos: insolidariedade, egoísmo, imposição…Trabalhemos com o enraizamento na cultura e no meio natural que nos rodeia: para levantar a autoestima, acabar com o auto-ódio e amar-nos sem complexos a nós mesmos, desenvolvendo valores ecológicos de interpelação mútua com a Terra.E finalmente abramos as portas a todos os povos e culturas que queiram achegar-se a nós, para, em pé de igualdade e com mútuo respeito pelas culturas múltiplas (que nascem e têm uma essência universal comum e interdependente), começarmos a lançar a semente dum novo mundo…Se assim agirmos, talvez estas eleições tenham servido de muito mais do que aguardamos. Não fiquemos com a derrota que eles querem incutir-nos no corpo, espírito e alma: Que a Galiza já não quer ser uma nação…

Artur Alonso NovelheGalego, mas nascido no México, é diplomado pela Escola Pericial de Comércio de Ourense. Exerce como funcionário do Serviço Galego de Saúde do Governo da Galiza. Publicou várias obras de poesia e colabora habitualmente com diferentes publicações, entre as quais o PGL. É sócio da Associaçom Galega da Língua (AGAL) desde os meados dos anos 80 e académico da AGLP.
http://pglingua.org/pgl3/galiza-nao-quer-ser-uma-nacao/