Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


24-07-2009

A MATRIZ AFRICANA DO BRASIL TEM CONTORNOS PRINCIPALMENTE BANTU


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DIASPORA NEGRA NA AMERICA DO SUL  -  O quilombo Angola/Janga no Brasil

 

Simão Souindoula *



Isto  é, em substancia, o que se pode reter, do segundo volume da série Sankofa, obra do colectivo intitulado « Cultura em movimento. Matrizes africanas e ativismo negro no Brasil », colecção quarteto que acaba de ser reeditada nas afirmativas edições Sela Negro, em São Paulo, sob a coordenação da prolifica Elisa Larkin Nascimento.
A substancia bantu, da cultura da imensa antiga colónia portuguesa da América meridional, é realçada pelo incontornável investigador carioca Nei Lopes e a saudosa Beatriz Nascimento.   
 
Compilação de estudos instalando-se sobre 307 páginas, este Sankofa apresenta, alem das contribuições desses dois bantuistas, analises sobre a longa evolução da luta dos nigers no inferno esclavagista e colonial brasileiro, nas suas formas armadas, sociais, cívicas e políticas.
A época contemporânea deste combate pela liberdade é analisada com as suas grandes conquistas ao nível da perpetuação da memória melano-africana, materializada, de um lado, pelo lançamento, no inicio dos anos 80, do programa federal Memorial Zumbi de Palmares, e, do outro lado, no domínio, vital, da educação, com a promulgação da correctiva Lei de 2003 relativa à introdução nos currículos, de estudos sobre as relações étnico -raciais assim como a história e a cultura afro-brasileira e africana.
Iniciando a sua contribuição com epitáfios evocando a «rainha Ginga » e os escravos que eram singularizados, no Brasil, de angolas, cabindas, benguelas, mocambiques, etc., Nei Lopes é de opinião, que a genérica denominação “peças de Guiné”, incluía, aí, igualmente, cativos, embarcados da Baixa Guiné, quer dizer da Loango Coast, do litoral do Reino do Congo e da Colónia de Angola. Esta designação comum foi reforçada pelo trânsito fiscal dos carregamentos de madeira de ébano em São Tome, a estratégica colónia portuguesa, ponto avançado no Golfe de Guiné, do intenso movimento esclavagista que se desenrola na região, e isso, logo o inicio do século XVI.
Segundo o investigador de Seropedica, o interminável embarque de Bantu se fará desde as zonas grassfieldianas até o rio Coporolo, ao sul de Benguela, e, sobre a “contra costa” oriental, entre o Zambeze e o Limpopo, no actual Moçambique.
E, o principal eixo estratégico de abastecimento em mão-de-obra, perseguida e bem explorada, da economia do “Vice-Reino”, em plena colonização, será o constituído sobre as terras da Rainha e dos Reis Nzinga. 
Arrastado pelo lançamento, em 1532, da exploração da preciosa cana-de-açúcar e da descoberta do muito mercantilista ouro, no fim do século XVII, o tráfico humano entre as duas margens do Atlântico se acelerará.
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BLOCO TRINITÁRIO
O sambista carioca relata que entre 1700 e 1850, os 2/3 da mão-de-obra africana desembarcada em Recife e Rio de Janeiro provinham de São Paulo de Assumpção de Loanda e de São Felipe de Benguela.
Segundo ele, registou, aí, a introdução dos rebolos, mondonga, cabanga, cabeza, cangungo, cazongo, coanza, hanga, manga, ocarimba, quisama, quitama e benguela.
E, diversos registos contem, para os congos, instalados no Brasil, português ou holandês, os lumbo, vili, mbanda, bashilongo, musorongo, mpomba e mbata.
Assinala, igualmente, a entrada dos anjicos ou mfumungu, actuais e gabões, vizinhos dos congos.
Para a costa moçambicana, o autor dos famosos dicionários bantu do Brasil, releva a vinda dos quiloa, ronga, tonga, shope, senga, ngon, macua e ajaua.
Nei Lopes confirma, logicamente, a nítida influencia kikongo-kimbundu- umbundu na formação das particularidades da língua de Camões, falada e, mesmo, escrita, actualmente, na Republica Federal do Brasil.
Este menciona uma trintena de termos ligados a famosa entidade historia Congo/Angola, e, reencontra-se, aí, palavras tais como cumba, muamba, bunda, camundongo, tanga e muvuca.
O tenaz erudito afro-brasileiro retoma a famosa afirmação do respeitável Renato Mendonça (1948), segundo a qual:”O quimbundo, pelo seu uso mais extenso e mais antigo, exerceu no português uma influencia maior do que o nago….Com efeito, no vocabulário, os termos quimbundos superam, e de muito, os vocábulos nagos, de circulação bem mais restrita”. 
Retomando Simão Souindoula (1992), constata-se que mesmo o léxico dos cultos jeje-nago integrou palavras bantu tais como  quizila (tabu) ou dijina (iniciado).
O sólido homem de cultura de Itaguai, que sabe bem que é obrigado ter uma postura científica muito rigorosa perante os implacáveis mandarinos das universidades de Estado e das universidades federais do seu pais, sugere um mapa contendo uma cinquentona de vocábulos portugueses que sofreram alteração fonética, morfológica e sintáxica bantu.
Um dos exemplos de processo de modificação fonética é, como na África bantu, casaco que se pronuncia casacu..
A análise da componente bantu da cultura nacional brasileira empreendida pelo investigador de Vila Isabel, estudo de carácter eminentemente linguístico e antropológico e reforçada pela artigo, de natureza mais histórica, de Beatriz Nascimento, sobre o notável fenómeno de resistência dos afro – brasileiros, oprimidos, o quilombo, cuja primeira referencia administrativa data de 1559.
 
ANGOLA/JANGA
O trabalho desta autora que se destacou pelo activismo contagioso, apresenta, invariavelmente, uma surpreendente junção com o actual território angolano.
Isto resulta da origem do termo, proto-bantu ou bantu, que sob as suas formas secundárias tais como  nlumbu ou eumbo, significa propriedade, residência ou território.
Esta filiação resulta, também, em todos períodos da história do Brasil esclavagista da formação de dezenas de territórios rebeldes, verdadeiros “perigos negros”, de obediência, visivelmente, bantu.
Com efeito, em 1584, constituí-se o celebre Angola-Janga, mais conhecido sob a denominação Quilombo dos Palmares e que foi dirigida pelo suposto jaga, Ganga Zumba.
Ressaltam-se, no Rio de Janeiro imperial, abstrusos, sobretudo nas montanhas, os Quilombos de Catumbi e o que liderou Manuel Congo.
Nota-se, no século XVIII, a destruição do Quilombo de Tijuco, nas penosas Minas Gerais.
E, a volta em 1830, da administração que relata a organização de uma intensa actividade religiosa no Quilombo de Cabula, em Salvador, na Bahia.
A leitura do segundo volume desta colecção é, a todos pontos de vista, sedutora, porque confirma os aportes linguísticos e antropológicos africanos, definitivamente, cinzelados na rica e variada cultura nacional do Brasil.
Esta dimensão, associada à extraordinária presença de africanos, neste vasto território de América do sul, fez deste, a segunda força negra do mundo, potencialmente membro da União Africana, no quadro do projecto de institucionalização da sua Sexta Região. 
Lógico que com esta perspectiva, o Brasil será o Pais convidado de honra, da terceira edição do Festival Mundial das Artes Negras, que terá lugar na senghoriana Dakar; evento adiado para Dezembro de 2011.
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*Simão SOUINDOULA
Vice-presidente  do Comité Cientifico Internacional  do Projecto da UNESCO « A Rota do Escravo » , antigo director do Museu Nacional da Escravatura
C.P. 2313    Luanda   (Angola, AO)
Tel. : + 244  929 74 57 34

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