Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


21-05-2004

Património Histórico Português no Mundo José C Blanco


CONFERÊNCIA  PROFERIDA PELO DR. JOSÉ BLANCO NA ACADEMIA DAS

                   A    CIÊNCIAS DE LISBOA, EM 20 DE MAIO DE 2004

Não estou a valer-me de um lugar comum se disser que é para mim uma imensa honra – e uma pesada responsabilidade - usar da palavra na Sala das Sessões da Academia das Ciências de Lisboa.

Nunca imaginei que haveria de chegar um dia em que me seria dirigido um tal convite, perante o qual me sinto, à partida, tão humilde como sensibilizado.

É que, sem qualquer falsa modéstia, reconheço que de todo me falecem os méritos pessoais para aqui estar esta tarde.

Não posso deixar de sentir que a Academia das Ciências de Lisboa quis honrar com este convite, não a minha pessoa, mas a instituição que sirvo há quarenta e três anos – a Fundação Calouste Gulbenkian.

Foi ela que permitiu a realização da obra de que vos vou falar.

Por isso, se os erros que houver na minha exposição são exclusivamente meus,  os méritos da obra,  esses,  são todos da Fundação Calouste Gulbenkian.

Quanto às tão generosas quanto imerecidas palavras com que V.Exª., Senhor Presidente, quis ter a bondade de me apresentar, não posso senão tomá-las como ditadas por um sentimento de muito antiga e sólida amizade.

Bem-haja, meu querido Amigo Prof. Doutor Pina Martins. Vou procurar ser digno delas.

                                                ***

 Como Eduardo Lourenço sublinhou num dos seus luminosos ensaios:

"Ninguém, a começar pelos próprios portugueses, poderá compreender a singularidade da cultura portuguesa, entre todas as outras da Europa, sem ter em conta esta "aventura nos mares da China" que, para além dos seus efeitos políticos, guerreiros, económicos e religiosos, foi, num sentido novo, a primeira aventura da civilização europeia no mundo (…) O único e autêntico mito da cultura portuguesa é o do Império nascido dos Descobrimentos, hoje perdido, mas mais presente do que nunca no imaginário português". 

Por seu turno, o escritor  Fernando Dacosta afirmou há tempos:

“Preservar a memória tornou-se hoje num acto revolucionário. Porque quase tudo o que existe visa precisamente o seu apagamento. A subcultura dominante está a querer transmitir a ideia aos mais jovens de que o País começou agora. Que para trás apenas existem trevas e vácuos. Portugal tem mil anos de História e nós, portugueses, detemos uma memória fabulosamente rica”.

É a esta preservação da memória, através da reabilitação do património histórico português no Mundo, que a Fundação Calouste Gulbenkian desde há vinte e cinco anos tem vindo a dedicar especial atenção.

Alguns princípios gerais definem a nossa política em projectos deste tipo.

Em primeiro lugar,  não tomamos a iniciativa deles, respondendo antes a solicitações que nos cheguem das autoridades dos países interessados. 

Em segundo lugar, procuramos que uma parte, mesmo reduzida, dos custos dos projectos seja assumida localmente.

Em terceiro lugar, uma vez concluída uma obra deste tipo, a Fundação não intervém na gestão futura do empreendimento, que considera ser da responsabilidade das autoridades locais.

          A participação da Fundação pode revestir quatro modalidades.

 A primeira é a simples concessão de apoio financeiro para a realização do projecto por terceiros.

A segunda reveste a forma de colaboração de técnicos portugueses (arquitectos, engenheiros, conservadores)  que garantam aos projectos os mais elevados padrões de rigor e de qualidade.

A terceira é a elaboração do projecto de recuperação do edifício em causa, que, entregue às autoridades locais competentes para que elas o executem, constitui a contribuição da Fundação.

A quarta, mais complexa,  difícil e onerosa, é de a própria Fundação  assumir integralmente a preparação e a realização do projecto.

          A escolha dos projectos a apoiar ou a realizar depende de diversos factores, entre os quais podem mencionar-se

 - a importância e a representatividade do monumento em

   causa,

 - o grau de interesse do país em que ele se encontra,

-          a existência de referências históricas documentais que

     permitam  uma intervenção criteriosa

 -  e, obviamente, os custos envolvidos.

          Se, no passado, a presença portuguesa se fez  sentir em todas as partes do mundo,  no presente  cada vez maior número de países se mostram interessados na  revalorização do seu património histórico comum com Portugal. Vou referir brevemente, por áreas geográficas, os projectos mais significativos em que a Fundação esteve ou está envolvida.

Começarei pelos nossos projectos no Brasil.

Em Agosto de 1985 – há quase vinte anos - tive a honra de entregar em Brasília ao então Presidente José Sarney o projecto de recuperação do FORTE PRÍNCIPE DA BEIRA, na margem direita do Rio Guaporé, no Estado de Rondónia. O projecto foi da autoria do Prof. Arquitecto Alfredo Viana de Lima, o primeiro colaborador da Fundação nas suas  iniciativas neste domínio e a cuja memória quero prestar aqui  homenagem.

SLIDE 1. O REAL FORTE PRÍNCIPE DA BEIRA, de seu nome oficial completo, foi construído entre 1776 e 1783 por D. Luís de Albuquerque de Mello Pereira e Cáceres, Fidalgo cavaleiro da Casa Real e Senhor da Ínsua, que foi governador de Mato Grosso.

D.Luís de Albuquerque desenvolveu uma notável acção durante os 16 anos do seu mandato no Brasil. Desde a primeira hora, preocupou-se não apenas com o fomento da agricultura e do comércio da enorme região sob sua autoridade, mas também com a sua exploração metódica e científica.

A sua obra mais espectacular foi, talvez, a consolidação da fronteira ocidental do Brasil com a Espanha, mediante a construção do imponente Forte que, em linguagem moderna, constituía um deterrent às eventuais ambições expansionistas de Castela, situada do outro lado do Rio – no que é hoje território da Bolívia   SLIDE 2.

Desactivado e posteriormente abandonado, o forte foi redescoberto em 1914 pelo General Rondon, entre a vegetação que, ao longos de muitas décadas, o tinha encoberto.

          A colaboração da Fundação para a recuperação deste granidosa construção militar foi a elaboração, por Viana de Lima, de um  projecto pormenorizado, que oferecemos às  competentes autoridades brasileiras. A execução ficaria a cargo do Brasil, mas, infelizmente,  não foi possível ultrapassar a fase inicial e o projecto aguarda ainda ser concretizado. SLIDE 3

         Outro projecto brasileiro, notável pela sua originalidade, foi integralmente subsidiado pela Fundação Gulbenkian no Estado do Maranhão.

Tratou-se do restauro de uma pintura mural a têmpera, de largas dimensões (2,60m x 1,60 m), ocasionalmente descoberta em 1990 por um pedreiro que trabalhava na reparação de um sobrado em São Luís. SLIDE 4.

Esse painel representava o TERREIRO DO PAÇO, a grande praça pombalina de Lisboa  SLIDE 5.

          A nosso pedido, o Prof. Rafael Moreira realizou exames e pesquisas que o levaram a concluir tratar-se de um trabalho do português  Joaquim Cândido Guillobel, engenheiro, arquitecto, pintor e militar que foi o autor, entre outros edifícios no Brasil,  do Paço Imperial de Petrópolis e do Hospital da Misericórdia do Rio.

 A origem do painel (cuja feitura foi possível datar de 1819-1820) terá sido uma gravura atribuída a Carlos Mardel, representando o seu projecto alternativo ao de Eugénio dos Santos para o Terreiro do Paço de Lisboa SLIDE 5.

 

          A recuperação do painel, excelentemente realizada por técnicos brasileiros, permitiu conhecer qual teria sido a cor  original dos edifícios do Terreiro do Paço: o amarelo-torrado, a que na época se chamava “jalde” (do italiano “giallo”) e que é a actual em que estão pintados. SLIDE 6

 

Referirei ainda três contribuições financeiras da Fundação para  outros tantos projectos deste tipo no Brasil :

 

 SLIDE 7 o arranjo museológico de uma sala na IGREJA DE NOSSA SENHORA DO MONTE DO CARMO, uma das mais tradicionais igrejas do Rio de Janeiro

 

SLIDE 8 o da CATEDRAL DE PETRÓPOLIS,  que guarda os restos mortais de membros da Casa de Bragança, nomeadamente dos descendentes de D.Pedro IV, rei de Portugal e Imperador do Brasil;

 

SLIDE 9 e  o do REAL GABINETE PORTUGUÊS DE LEITURA, edifício que, embora quase nosso contemporâneo, adquiriu já  o estatuto de  património histórico luso-brasileiro.

         

Ainda na América do Sul, mas agora no Uruguai, a Fundação contribuiu de maneira significativa para as obras de preservação e reconstrução da COLÓNIA DE SACRAMENTO, classificada pela UNESCO como Património da Humanidade.

 

Fundada pelos Portugueses em 1680 na margem oriental do Rio da Prata, destinava-se, entre outras finalidades, a demarcar os limites meridionais do Brasil.

 

Ao sabor de guerras e tratados entre Portugueses e Castelhanos, o domínio sobre a praça-forte foi exercido alternadamente pela Espanha e por Portugal. Em 1777 foi finalmente cedida à Espanha. Desde 1828, data da independência da actual República do Uruguai, integra o território desta.

 

SLIDE 10 O projecto incluiu a  recuperação de uma das habitações portuguesas do século XVIII ali existentes e a criação de um Museu português SLIDE 11.

                                               

Convido agora V.Exªs. para uma viagem trans-oceânica, seguindo a rota dos navegadores portugueses, desde o Norte de África até à Indonésia.

 

 Começarei em Marrocos, com o projecto de reabilitação da TORRE DE MENAGEM DA FORTALEZA DE ARZILA.  SLIDE 12.

 

A Fortaleza de Arzila  foi construída em 1509, por Diogo Boytac – arquitecto dos Jerónimos.  O terramoto de  1755 fez-se igualmente sentir em Marrocos,  tendo a Torre ficado “decapitada” da sua parte superior SLIDE 13. 

 

Após solicitação expressa do Ministro da Cultura de Marrocos, a Fundação  encarregou o Arqº. Viana de Lima de elaborar um projecto de reabilitação, que se baseou no estudo rigoroso da arquitectura militar da época, através de exemplos colhidos em documentos antigos SLIDE 14

 

Infelizmente, Viana de Lima, falecido em 1991, não viu realizado o último dos seus trabalhos nesta área, que foi finalizado pelo seu colaborador o Arqº. João Campos. SLIDE 15

 

A cerimónia de inauguração teve lugar em Novembro de 1994, na presença do Presidente da República Portuguesa, Dr. Mário Soares e do então Príncipe Herdeiro, hoje Rei Mohammed VI de Marrocos.

 

Ainda em  Marrocos, encontra-se em fase de elaboração um projecto de preservação do que ainda resta da CATEDRAL PORTUGUESA DE SAFIM, único monumento gótico de estilo manuelino construído fora de Portugal . SLIDE 16.

 

Safim foi tomada em 1508 por Diogo de Azambuja, por ordens de D. Manuel e abandonada 34 anos mais tarde, por ordem de D.João III, em face da impossibilidade de a defender contra o poderio árabe renascente. Nesse período houve, todavia, tempo, para construir uma catedral…

 

No que resta da abóbada da capela-mor, vêm-se ainda hoje, numa penumbra dramática, vários brasões portugueses   SLIDE 17 - SLIDE 18.

 

Prosseguindo a nossa rota para o Sul, vamos encontrar na costa ocidental da África S. JOÃO BAPTISTA DE AJUDÁ, monumento de atribulada história, construído no antigo Daomé, hoje  República do  Benim SLIDE 19.

 

Em 1721, no reinado de D. João V, um particular, de seu nome José Torres,  ergueu na cidade de Ajudá uma feitoria que, depois de ter sido parcialmente destruída por dois incêndios, constituiu até 1960 um enclave português.

 

No final dos anos 80, o Governo do Benim pediu à Fundação que colaborasse no restauro do Forte. Na casa que foi do Residente (mandada construir já nosso tempo, sendo Ministro das Colónias o Almirante Sarmento Rodrigues) encontra-se hoje  instalado o Museu Histórico de Ajudá .

 

Relativamente a Ajudá, parece-me interessante  recordar um aspecto histórico que revela que mesmo homens políticos de  inteligência fria  podem deixar-se levar por sentimentos  precipitados.

 

Em 1961, o Governo do Daomé, cedendo à pressão anticolonialista então vigente, intimou Portugal a abandonar o enclave. Malograram-se as negociações entre os dois países, tendo o Governo  recusado a proposta do Daomé no sentido de, que Portugal, reconhecendo que S.João Baptista de Ajudá era território do Daomé, ali estabelecesse um Consulado.

 

O então Residente , António Agostinho Saraiva Borges – falecido há não muitos anos – recebeu então ordens de Lisboa, directamente emanadas do Presidente do Conselho, para incendiar o forte e abandonar o país.

 

Felizmente para a memória de Portugal naquelas paragens, o Residente não cumpriu estritamente as ordens de Lisboa, deitando  fogo apenas a  uma parte das instalações.

 

Vinte anos mais tarde, o Governo da República do Benim veio pedir a uma instituição portuguesa  para reconstruir S.João Baptista de Ajudá… São voltas que a História dá – ou, como diria Fernando Pessoa, malhas que o império tece…

 

SLIDE 20 No projecto de recuperação de S.João Baptista, como se vê, não foi difícil à Fundação obter autorização das autoridades locais para instalar dois grandes escudos portugueses no exterior e no interior.

 

Dobrado o Cabo da Boa Esperança, vamos encontrar na costa oriental da África, o FORTE DE JESUS em Mombaça, no Quénia,   o primeiro monumento a receber o apoio da Fundação, em 1958, por iniciativa do meu saudoso antecessor o Embaixador Pedro Theotónio Pereira SLIDE 21.

 

É uma construção imponente, datada de 1593 e que constitui motivo de orgulho das diversas comunidades étnicas e religiosas de Mombaça. SLIDE 22.

 

Os trabalhos iniciais de recuperação foram completados em 2001, com novo apoio da Fundação, tendo sido desaterrado todo o fosso circundante do forte  SLIDE 23 e instalada a iluminação exterior do monumento.

 

O Forte de Jesus, na sua estrutura imponente feita em blocos de coral,  SLIDE 24 -  SLIDE 25 – SLIDE 26 é hoje  o monumento mais visitado de toda a costa africana.

 

          Uma nota interessante sobre esta imponente fortaleza. A construção foi iniciada pelo Capitão-Mór Mateus Mendes de Vasconcelos, sendo Vice-Rei da Índia Matias de Albuquerque.

 

          Para marcar a efeméride, Mateus Mendes de Vasconcelos mandou fazer uma inscrição – que ainda hoje é visível – no lintel do portal interior do forte.

 

Estava-se em 1593 – e a inscrição começa assim: “Quando Filipe de Áustria reinava como Filipe I de Portugal, foi esta fortaleza fundada por seu mandado, com o nome de Jesus de Mombaça, a 11 de Abril de 1593 (...)”

 

“Quando Filipe de Áustria”e não Filipe de Espanha – “reinava como Filipe I de Portugal”...  Teria o Rei de Espanha sabido (ou mesmo autorizado) esta subtileza do seu Capitão-Mór português?...

 

A história da perda do Forte de Jesus tem um episódio notável, que é pouco conhecido.

 

Em 13 de Março de 1696, os árabes de Oman puseram um cerco à fortaleza, que durou dois anos e nove meses. No dizer de um historiador britânico, W.A.Nelson, os sitiados portugueses deram extraordinárias provas de “coragem, lealdade, resistência e determinação”.

 

No início do cerco, os defensores do Forte eram cerca de 70 portugueses e algumas centenas de swahilis muçulmanos, que tinham preferido a companhia dos portugueses à dos seus irmãos de fé omanitas.

 

Na noite de 12 para 13 de Dezembro de 1698, os nove sobreviventes portugueses sofreram o ataque final dos mil e quinhentos omanitas invasores.

 

Refugiados num dos baluartes, aguentaram até às sete horas da manhã, hora a que morreu o capitão de Mombaça, Leonardo de Sottomaior. Foi, finalmente, a rendição, não sem que tivesse havido um derradeiro acto de bravura e ousadia.

 

Enquanto os vencedores percorriam o Forte em busca do “tesouro” que supunham lá existir, um dos prisioneiros portugueses, de nome António Barbosa, ofereceu-se para lhes revelar onde ela estaria escondido, na condição que lhe pouparem a vida.

 

Levou-os então ao paiol da pólvora que fez explodir, morrendo ele e todos os invasores que o acompanhavam.

 

Outro projecto na costa oriental da África é o da recuperação do FORTE DE QUÍLOA, na Tanzânia.  SLIDE 27.

 

Foi construído em 1505 por Vasco da Gama, que de Quíloa trouxe, como tributo do sultão local, o famoso ouro com que foi feita a não menos famosa Custódia de Belém SLIDE 28.

 

SLIDE 29. Esta é a maquette do projecto de recuperação elaborado  pelo Arqº. João Campos, que aguarda concretização por parte das autoridades da Tanzânia.

 

Naveguemos agora no Oceano Índico e, rumando a Norte, entremos no Golfo Pérsico. Logo à entrada, em território que é hoje o Irão, chegamos à ILHA DE ORMUZ, que domina estrategicamente a entrada do Golfo. SLIDE 30

 

Devo confessar que não foi sem surpresa que há três anos,  em Março de 2001, foi recebido na Fundação um pedido das autoridades da República Islâmica do Irão no sentido de a Fundação – instituição privada de um país europeu de tradição cristã e “imperialista” – reabilitar a fortaleza  construída em Ormuz entre 1507 e 1515 por Afonso de Albuquerque.

 

No pedido incluía-se também o restauro do pequeno forte construído mais tarde (cerca de 1521) na ilha fronteira de Keshm como ponto de apoio logístico, nomeadamente para garantir a segurança dos poços de água que abasteciam Ormuz.

 

Ao pedido das autoridades iranianas não foi de modo algum estranha a intervenção do embaixador de Portugal em Teerão, Dr. José Manuel Arsénio, que durante a sua permanência no Irão tem sido um incansável descobridor de vestígios da presença portuguesa naquelas paragens.

 

Como é sabido, Ormuz foi, juntamente com Goa e Malaca,  um dos pontos-chave do plano político-estratégico de Albuquerque para a criação do império português no Oriente.

 

SLIDE 31  Símbolo mítico da presença histórica portuguesa, a construção, em calcário e arenito avermelhados, é impressionante pela sua grandeza. 

 

Os portugueses estiveram em Ormuz 107 anos, até que, em 3 de Maio de 1622 (sob a ocupação filipina), as nossas reduzidas forças foram obrigadas a capitular perante uma armada persa com mais de 3.000 homens, apoiada por seis navios ingleses.

 

Dentro da fortaleza, encontram-se ainda em bom estado de conservação duas estruturas essenciais: a capela manuelina SLIDE 32, que segue o modelo da cisterna abobadada de Mazagão, em Marrocos, e a cisterna, de vastíssimas dimensões, construída em 1550. SLIDE 33

 

Nesta cisterna existe uma galeria circular que permitia que os habitantes da fortaleza passeassem para gozar um pouco da relativa frescura da água que continha. A água, trazida de barco da vizinha ilha de Keshm,  era efectivamente o bem mais precioso para os portugueses de Ormuz.

 

SLIDE 34  Não é difícil imaginar o imenso esforço e os pesados sacrifícios que a obra implicou para todos quantos nela trabalharam – a começar pelo próprio Afonso de Albuquerque que era o primeiro a dar o exemplo aos seus soldados, tornados pedreiros e carpinteiros.

 

Relativamente à recuperação da fortaleza de Keshm, o projecto  está concluído e foi apresentado, já com uma maquete, às autoridades iranianas, das quais a Fundação aguarda uma estimativa de custos, a fim de decidir acerca da comparticipação financeira a atribuir.

 

Quanto à Fortaleza de Ormuz, está pronto o respectivo levantamento, o primeiro feito em tempos modernos. Nesta primeira fase, foi realizada a maquete da Fortaleza, tal como ela actualmente se encontra.

 

Saindo do Golfo, vamos atravessar o Mar da Arábia (ou Mar de Oman), para chegar à costa ocidental da Índia.   

 

É de registar, antes de mais, a natureza diferente dos objectos da  intervenção da Fundação na Ásia.  Não se trata já de arquitectura militar, mas de património artístico, religioso e documental.

 

O primeiro grande projecto da Fundação na Índia, foi a instalação numa das alas do Seminário de Rachol, em Goa, de um Museu de Arte Sacra Indo-Portuguesa.

 

O edifício do Seminário SLIDE 35 foi  começado a construír no século XVI, em tempos do Rei D. Sebastião.

 

Inaugurado em Janeiro de 1994 com a presença do Presidente da Índia, o MUSEU DE ARTE SACRA DE RACHOL  foi criado para guardar um valiosíssimo acervo de  objectos de arte sacra indo-portuguesa (imagens religiosas, pinturas, móveis, ourivesaria, etc.) que corriam o risco não só de  dispersão  mas sobretudo de desaparecimento SLIDE 36

 

As peças conservadas em Rachol e previamente inventariadas pelo Doutor Teotónio de Sousa, provêm, na sua grande maioria, de igrejas de Velha Goa e da região de Salcete, embora o Museu tenha também recebido, em oferta ou depósito, peças de colecções particulares locais SLIDE 37

 

Entre as peças provenientes da Basílica do Bom Jesus, em Velha Goa, avulta a extraordinária custódia de prata, em forma de pelicano, uma das mais originais criações da ourivesaria indo-portuguesa SLIDE 38

 

Por decisão unilateral das autoridades religiosas locais,  o acervo do Museu de Rachol foi transferido em 2001 para outras instalações, achando-se hoje no Convento de Santa Mónica, em Velha Goa.

 

Com o intuito de registar o inventário do Museu de Rachol, a Fundação Gulbenkian publicou o respectivo catálogo, em que Maria Helena Mendes Pinto, identifica e descreve todas as peças que se achavam expostas, dos pontos de vista histórico, artístico e religioso, acompanhadas do respectivo registo fotográfico.

 

Se o Museu de Rachol foi instalado num edifício já existente, o  MUSEU INDO-PORTUGUÊS DE COCHIM foi  construído de raiz na cerca do Paço Episcopal SLIDE 39

 

  A pedido do Bispo Joseph Kureethara,  incansável defensor da preservação do passado comum dos dois Países e infelizmente já falecido, a Fundação financiou integralmente e supervisionou a execução deste vasto projecto, no qual foram aplicadas as mais modernas técnicas museológicas.

 

O Museu foi inaugurado em Fevereiro de 2000, na presença das autoridades civis e religiosas do Estado de Kerala, atraindo desde logo um grande número de visitantes . SLIDE 40

 

SLIDE 41  Este altar provém da Igreja de Vaipim e ocupa merecidamente o lugar de honra no Museu. Encontrava-se, desaproveitado e deteriorado pela humidade e pela formiga branca, na sacristia da Igreja.

 

Foram precisas longas horas de negociações entre o Bispo e a Irmandade de Nossa Senhora, a cuja guarda está entregue o património da fábrica paroquial de Vaipim, para obter autorização para o seu restauro e integração no acervo do Museu.

 

Convém não esquecer que no Estado de Kerala há cerca de 30% de católicos e que na cidade de Cochim essa percentagem sobe para 50% dos habitantes. As Irmandades católicas, todas elas vivas e actuantes, desempenham um papel muito importante na vida comunitária do Estado.

 

 

Para Maria Helena Mendes Pinto, o altar de Vaipim, na sua bela talha renascentista, além de peça única, é um dos mais brilhantes testemunhos da missionação portuguesa na Índia.

 

SLIDE 42  Eis outro aspecto geral do Museu.

 

Gostaria de prestar aqui homenagem à memória desse grande homem da Igreja e grande amigo de Portugal que foi o Bispo Kureethara. 

 

Repetia incansavelmente que se não fossem os Portugueses, todo o Sul da Índia teria sido muçulmano. Apaixonadamente devotado à sua Igreja e ao seu Povo, o Bispo de Cochim tinha, entre as suas devoções seculares, a da preservação da memória portuguesa no Malabar.

 

Prova-o aquela sua extraordinária decisão de mandar pintar nas paredes da sala de entrada do Paço Episcopal a figura de Pedro Álvares Cabral à sua chegada a Cochim, segurando na mão a bandeira verde-rubra da República Portuguesa!

 

Quando, entre espantado e divertido, lhe chamei a atenção para o anacronismo, respondeu sem hesitar: "Eu sei muito bem que a bandeira é moderna. Mas, assim, quem olha para a pintura fica logo a saber que Pedro Álvares Cabral era português…"

 

A noção de património não se esgota, todavia,  em construções de pedra e cal, antes inclui também outro tipo de testemunhos históricos muito mais frágeis: os documentos.

 

Também neste sector houve uma importante intervenção da  Fundação Gulbenkian em Cochim: a criação e instalação do ARQUIVO HISTÓRICO DA DIOCESE, que antecedeu, aliás, a construção do Museu.

 

Tendo-nos o Bispo Kurethara alertado para a situação altamente preocupante SLIDE 43 em que se encontravam documentos de grande valor não só para a história da presença portuguesa naquela zona mas também para a própria história do Malabar, a  Fundação começou por fazer inventariar, por especialistas,  todo o acervo.

 

Verificou-se que os arquivos - embora menos extensos do que os de Goa -  tinham um grande interesse em termos demográficos e genealógicos e  da própria história civil de Cochim.

 

Ao mesmo tempo do inventário, decorriam as obras para a guarda dos documentos em instalações adequadas no edifício do Paço Episcopal, depois de devidamente expurgado e restaurado de acordo com técnicas modernas. SLIDE 44

 

Um ano apenas após o início dos trabalhos, tinha lugar a inauguração do novo arquivo - o primeiro, em toda a Índia, a ser totalmente digitalizado.

 

    Naveguemos agora pelo Golfo de Bengala, para chegar ao actual Bangladesh.

 

O Bangladesh nunca foi colónia portuguesa, mas recebeu missionários e comerciantes de Portugal, que ali se estabeleceram.

 

SLIDE 45 A IGREJA DO SANTO ROSÁRIO  em Daca, é um testemunho eloquente dessa presença.

 

Erigido por missionários Portugueses em 1677, o edifício sofreu  modificações ao longo dos séculos. Mas foi possível, graças às descobertas arquitectónicas feitas durante os trabalhos de restauro, recuperar a sua traça original, que é uma surpreendente mistura da arquitectura religiosa do Ocidente e do Oriente SLIDE 46

 

O resultado, é uma peça de arquitectura que se diria pós-moderna. SLIDE 47-SLIDE 48-SLIDE 49

 

A reabertura da Igreja restaurada teve lugar em Dezembro de 2000, numa concorridíssima e comovente cerimónia religiosa  com a presença de Sua Eminência o Cardeal Patriarca de Lisboa, D. José Policarpo.

 

Continuando a navegar para o Sul, entremos no Estreito de Malaca.

 

Chegando a essa cidade,  vamos encontrar testemunhos vivos – ou seja, pessoas – que ainda fazem gala na língua que falam: um Português antigo e estropiado, mas entendível, a que os próprios Malaqueiros chamam “papiá cristão”.

 

Para Malaca, o Arqº Viana de Lima concebeu um notável projecto, que,  todavia,  como aconteceu no caso do Real Forte do Príncipe da Beira, ainda não foi possível concretizar.

 

O projecto de Malaca integraria a PORTA DE SANTIAGO SLIDE 50, único testemunho existente  da fortaleza construída por  Afonso de Albuquerque em 1511 e quase integralmente destruída por Holandeses em 1641 e por Ingleses em 1807.

 

Ainda hoje, a Porta de Santiago é designada localmente pela expressão “A Famosa”, exactamente  como no século XVI a descreveu o cronista Gaspar Correia.

 

O circuito arquitectónico e paisagístico proposto seria culminado pela reabilitação das ruínas da IGREJA DE S.PAULO SLIDE 51.

 

A igreja foi originalmente uma capela mandada construir em 1521 por um mercador português, em reconhecimento de uma graça que lhe fora concedida.

 

Cedida aos Padres Jesuítas, albergou em 1553, por alguns meses, os restos mortais de São Francisco Xavier, trasladados da Ilha de Sechuan, perto de Macau e mais tarde levados para Velha Goa, onde hoje se encontram, na Igreja do Bom Jesus.

 

As actuais  ruínas nada têm a ver com a primitiva capela. Foram os Jesuítas que, em 1567, decidiram demolir o pequeno templo e construir, em seu lugar, a grande Igreja de que hoje subsistem, praticamente, apenas as paredes. Encostadas a estas, ainda podem ver-se algumas lápides funerárias portuguesas.

 

Por razões que se prendem com a situação política e religiosa na Malásia, não foi possível iniciar até hoje os trabalhos de reabilitação do conjunto.

 

SLIDE 52. Seria este o aspecto geral proposto pelo Arqº. Viana de Lima– que talvez um dia possa vir a realizar-se.

 

 Se não estiverem cansados desta já longa viagem, proponho a V.Exªs. que, navegando ao largo de Singapura, entremos no Golfo da Tailândia.

 

Tal como Bengala, o antigo reino do Sião nunca foi colónia portuguesa. Mas, além de missionários e comerciantes, acolheu  também militares portugueses  que ajudaram os soberanos locais a defender-se dos seus inimigos, nomeadamente dos  birmaneses.

 

As relações entre Portugal e a Tailândia remontam a 1511 quando Afonso de Albuquerque,  após a tomada de  Malaca, enviou ao rei do Sião um  emissário com a finalidade de lhe propor uma aliança SLIDE 53  

 

Em 1516 foi assinado o primeiro tratado de amizade e de comércio entre os dois Reinos, nos termos do  qual foram estabelecidas feitorias portuguesas em vários locais, entre os quais AYUTTHAYA, a antiga  capital, onde o “Portuguese Settlement” chegou a contar com cinco Igrejas.

 

 Foram as ruínas de uma dessas Igrejas, a de S.Domingos, SLIDE 54 objecto de uma intervenção por parte das autoridades tailandesas, com a colaboração técnica e financeira da Fundação.

 

As escavações arqueológicas no adro da antiga igreja  de S.Domingos revelaram a existência de  um cemitério com mais de 250 esqueletos de homens, mulheres e crianças, portugueses e tailandeses SLIDE 55. – SLIDE 56

 

A recuperação do conjunto incluiu um abrigo para o cemitério,  a consolidação das ruínas da Igreja e o respectivo arranjo paisagístico, bem como a construção de  um cais fluvial que facilita o acesso  dos visitantes provenientes de Bangkok. SLIDE 57.

 

A inauguração do CAMPO PORTUGUÊS DE AUYTTHAYA teve lugar em Abril de 1994, na presença da Princesa Galyany Vadhana, em representação de seu irmão, o Rei da Tailândia.

 

Na cerimónia de inauguração, o Núncio Apostólico em Bangkok, Monsenhor Bresson, fez, adequadamente, uma oração em português por alma de todos os fiéis defuntos ali enterrados.

 

Proponho-vos, para terminar este périplo asiático, o prolongamento da viagem até ao Mar de Java, na Indonésia.

 

Encontra-se neste momento em curso a recuperação de um dos mais invulgares monumentos construídos no Oriente por mãos portuguesas: o TAMAN SARI – Palácio da Água – na cidade de Jojakarta, na ilha de Java.  SLIDE 58

 

A história deste monumento é curiosa e misteriosa. No ano de  1755 reinava em Jojakarta o sultão Hamengku Buwono I, fundador da dinastia ainda hoje reinante.

 

Constam as crónicas locais que as gentes do Sultão encontraram, perdido numa praia ao sul da cidade, um sobrevivente de um navio português naufragado.

 

De nome desconhecido, era versado em arquitectura e o Sultão chamou-o para colaborar no projecto do Palácio de Verão que queria construir SLIDE 59

 

Os trabalhos duraram dez anos, tendo como resultado um vastíssimo conjunto arquitectónico e paisagístico, com uma área superior a dez hectares. O empreendimento contava com lagos artificiais, piscinas, canais, pavilhões e residências para os convidados do Sultão.

 

Satisfeito com os bons serviços prestados pelo arquitecto, o Sultão concedeu-lhe o título nobiliárquico de “Demang” – e, a partir de então, o anónimo construtor foi conhecido pela designação de “Demang Tugis”, sendo esta última palavra uma nítida corruptela da palavra “português” SLIDE 60

 

A parte do Palácio da Água que está ser objecto de recuperação, é o complexo das piscinas, que revela uma arquitectura de matriz europeia, aparentada com a tradição portuguesa em palácios e quintas de recreio, aqui inserida num barroco oriental complicado, em que serpenteiam e se entrelaçam símbolos islâmicos e hindus: as “árvores da vida”, as enormes asas da Garuda, a ave mítica e as carrancas ameaçadoras dos “espanta-demónios”.

 

É tempo de regressarmos à velha Europa, onde terminará a nossa viagem.

 

No caminho, faremos uma escala na ilha de Malta, onde três séculos não apagaram a memória de Frei D. António Manoel de Vilhena, Grão-Mestre português da Ordem Militar e Hospitaleira de S.João de Jerusalém – a Ordem de Malta.

 

Estadista de larga visão e excepcional capacidade de realização, António Manoel de Vilhena reinou de 1722 a 1736. Tinha, no dizer de um historiador maltês, um “feitio caloroso, amável, espirituoso, culto e humano, possuindo todos os atributos ideais de um príncipe barroco do século XVIII, sempre preocupado com o bem-estar dos seus súbditos menos afortunados”.

 

SLIDE 61 Entre as muitas obras notáveis que deixou conta-se o PALÁCIO MAGISTERIAL, que mandou edificar em Mdina, a antiga capital da ilha.

 

Trata-se de uma muito elegante peça de arquitectura barroca que, a pedido das autoridades maltesas, a Fundação restaurou  SLIDE 62. Foi autor do projecto de reabilitação do pátio de honra do palácio o Arquitecto João Campos, colaborador da Fundação em quase todos os  projectos que acabo de referir SLIDE 63.

 

Como nota curiosa, saliento a implantação, no pátio de honra, de duas oliveiras portuguesas, provenientes da região do Alqueva, oferecidas pela Senhora D. Maria Helena Mendes Pinto e seu falecido marido, o Engº. Vítor Mendes Pinto.

 

E da Ilha de Malta partamos para o Norte da Europa, mais concretamente para cidade de  Amsterdam, onde existe o maior e o mais importante monumento judaico do velho continente: a SINAGOGA PORTUGUESA, SLIDE 64

 

Construída em meados do século XVII pela comunidade sefardita portuguesa que se refugiara nos Países Baixos,  serviu de modelo a outras sinagogas mais tarde construídas em Londres (1701), Curaçao (1732) e Rhode Island, nos Estados Unidos da América (1750).

 

O apoio financeiro da Fundação reverteu especificamente para a recuperação da Biblioteca Ets Haim no edifício da sinagoga. SLIDE 65

 

Esta  biblioteca, criada em 1616, guarda uma preciosa colecção de livros e manuscritos em Português e, tal como a sinagoga, encontrava-se em estado crítico, devido ao afundamento dos pilares do edifício.

 

Na escola contígua à Biblioteca, onde eram formados os rabis da comunidade, encontram-se ainda, registados num painel, os nomes de todos os benfeitores da Sinagoga. SLIDE 66

 

O título do painel, em Português, é "PAUTA DOS SENHORES E SENHORAS QUE DEIXARÃO LEGADOS Á SANTA IRMANDADE ETS HAIM" , e nela é referido, entre muitos nomes portugueses,  o do pai de Spinosa.

 

Para terminar, gostaria de voltar por um momento aos projectos relacionados com a salvaguarda de documentos históricos portugueses.

 

Através de uma ajuda financeira, a Fundação Gulbenkian tornou possível à BIBLIOTECA NACIONAL DO RIO DE JANEIRO restaurar, encadernar, acondicionar e microfilmar 106  livros impressos em Portugal no século XVI,  pertencentes à Secção de Obras Raras da Biblioteca.

 

O êxito desta intervenção permitiu preservar a integridade de obras preciosas, exemplares únicos no Brasil e, em certos casos, únicos no mundo.

 

Outra iniciativa relativa a documentação histórica a que a Fundação Gulbenkian esteve ligada é o ambicioso projecto a que, sob o nome geral de RESGATE, o Governo Brasileiro em boa hora  meteu ombros através do Ministério da Cultura e de que foi grande impulsionador o Embaixador Vladimir Murtinho.

 

Trata-se da microfilmagem sistemática de todos os documentos sobre o Brasil existentes no Arquivo Histórico Ultramarino, de Lisboa.

 

São cerca de 4.000 os códices, inventariados pelo historiador Alberto Iria, que constituem o mais rico e completo depósito de documentos relativos à história política, administrativa, económica e financeira das antigas colónias portuguesas do Ultramar. Os documentos relativos ao Brasil  constam de cerca de 600 volumes e 435 códices.

 

O PROJECTO RESGATE  resultou na produção de uma colecção de 26 CD-Roms, que o Governo Brasileiro  distribuiu por Universidades e Arquivos Públicos de todos os Estados do Brasil.

 

Vou terminar com um exemplo único neste sector de actividade da Fundação: um projecto verdadeiramente internacional,  ligado a Portugal, ao Brasil e à França: o restauro do COCHE REAL DE D.JOÃO V SLIDE 67.

 

Encomendado pelo rei em Paris nos anos 1725-1730, esteve ao serviço no Paço Real de Lisboa até 1807, data em que, atravessando o Atlântico,  acompanhou o rei D.João VI para o Brasil.

 

Após a proclamação da República brasileira, o coche – que se tornara a viatura oficial do Imperador -  regressou à Europa, mas  não a Portugal. Veio incluído nas bagagens de D.Pedro II que, em 1889, foi habitar em França, no castelo d’Eu, propriedade de seu genro, o Conde d’Eu, neto de Louis-Philippe.

 

Classificado em 1974 pelas autoridades francesas como monumento histórico, o coche foi pacientemente restaurado, durante nove anos, por técnicos dos Museus de França, tendo a Fundação comparticipado em metade dos custos do projecto.

 

Entre os palacianos requintes de um coche imperial francês que atravessou duas vezes o Atlântico e as agruras dos que, nas margens do  Rio Guaporé, levaram a efeito a dura construção de um forte militar, acabámos de viajar pelas memória comum de Portugal e de catorze países do mundo.

 

São cinco séculos de encontros de Portugal com povos e civilizações diferentes.

 

Penso que,  recuperada num contexto moderno de amizade e colaboração internacionais, a memória do passado é o espírito que nos deve mover para compreender o presente e ajudar a construir o futuro.