Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


22-05-2004

O início de um empreendimento pioneiro na História do País


Da primeira página publicada do jornal "brasileiro" CORREIO BRAZILIENSE, Londres, Junho de 1808: o início de um empreendimento pioneiro na história do país. Introdução de Hipólito José da Costa Pereira Furtado de Mendonça, brasileiro da Colônia de Sacramento.

Na quarta parte nova os campos ara,
E se mais mundo houvéra la chegára.
CAMOENS, C. VII. e. 14.

Introducção.

O PRIMEIRO dever do homem em sociedade he ser util aos membros della; e cada um deve, segundo as suas forças Phisicas, ou Moraes, administrar, em beneficio da mesma, os conhecimentos, ou talentos, que a natureza, a arte, ou a educaçaõ lhe prestou. O individuo, que abrange o bem geral d'uma sociedade, vem a ser o membro mais distincto della: as luzes, que elle espalha, tîram das trevas, ou da illuzaõ, aquelles, que a ignorancia precipitou no labyrintho da apathia, da inepcia, e do engano. Ninguem mais util pois do que aquelle que se destina a mostrar, com evidencia, os acontecimentos do presente, e desenvolver as sombras do fucturo. Tal tem sido o trabalho dos redactores das folhas publicas, quando estes, munidos de critica saã, e de uma censura adequada, represêntam os factos do momento, as reflexoens sobre o passado, e as solidas conjecturas sobre o futuro.

Devem-se à Nação Portugueza as primeiras luzes destas obras, que excîtam a curiosidade publica. Foi em Lisboa, na imprensa de Craesbeck, em 1649, que este Redactor traçou, com evidencia, debaixo do nome de Boletim os acontecimentos da guerra da acclamaçaõ de D. Joaõ o Quarto. Neste folheto se vîam os factos, taes quaes a verdade os devia pintar, e desta obra interessante se valeo, ao depois, o Conde da Ericeira, para escrever a historia da acclamaçaõ com tanta censura, e acertada critica, como fez.

He de admirar que, sendo Nós os primeiros promotores dos jornaes publicos, na Europa, e sendo certo, que estas publicaçoens excitáram tanto o enthusiasmo publico da Naçaõ Portugueza na guerras da acclamaçaõ, que varios officiaes de officios mechanicos se prestáram voluntariamente a a ajudar as tropas nas differentes batalhas de linhas d'Elvas, Ameixial, e Montes Claros, recolhendo-se depois ao seio das suas familias, e ao seo lavor ordinario, até que uma nova occasiaõ de defeza nacional pedisse outra vez o socorro das suas armas, para a exterminaçaõ do inimigo comum. Sendo tambem Nós aquella Naçaõ, que comprou a sua liberdade, e independencia com estes jornaes politicos, seremos agora a unica, que se hade achar sem estes socorros, necessarios a um estado independente o qual poderá um dia rivalizar, pela sua situaçaõ local, em que a natureza poz o vasto Imperio do Brazil, ás primeiras Potencias do mundo?

Levado destes sentimentos de Patriotismo, e desejando aclarar os meus compatriotas, sobre os factos politicos civis, e literarios da Europa, emprendi este projecto, o qual espero mereça a geral aceitaçaõ daquelles a quem o dedico.

Longe de imitar só, o primeiro despertador da opiniaõ publica nos factos, que excitaõ a curiosidade dos povos, quero, alem disso, traçar as melhorias das Sciencias, das artes, e n'uma palavra de tudo aquillo, que pode ser util á sociedáde em geral. Feliz eu se posso transmittir a uma Naçaõ longinqua, e socegada, na lingua, que lhe he mais natural, e conhecida, os acontecimentos desta Parte do mundo, que a confusa ambiçaõ dos homens vai levando ao estado da mais perfeita barbaridade. O meu unico desejo será de acertar na geral opiniaõ de todos, e para o que dedico a esta empreza todas as minhas forças, na persuasaõ de que o fructo do meu trabalho tocará a méta da esperança, a que me propus.

Londres, 1 de Junho, de 1808.