Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


15-11-2014

Atlas de Benincasa,1468, com ligação aos Descobrimentos portugueses


Um importante e raro atlas marítimo assinado por um dos mais notáveis cartógrafos do século XV, o italiano Grazioso Benincasa (1400-1482), vai a leilão na próxima quarta-feira, dia 19, na Christie’s, em Londres. É um dos poucos registos que sobreviveram ao tempo, um dos poucos atlas da época em que vemos os Descobrimentos portugueses em África. Vale mais de 1,8 milhões de euros e já tem compradores interessados, revelou a leiloeira ao PÚBLICO. Em Portugal não existem trabalhos de Benincasa, “um dos inventores dos atlas”.

Desenhado à mão, há vários detalhes que fazem deste atlas da Europa e de África, de 1468, uma peça histórica e um dos escassos relatos da exploração portuguesa que chegaram até hoje, além de conter o mapa individual mais antigo da Irlanda, dando-lhe um destaque que até então não tinha. Motivos que levam Julian Wilson, especialista do departamento de Livros e Manuscritos da Christie’s, a não duvidar do sucesso do leilão desta semana.

“O mercado tem um interesse muito grande neste tipo de peças”, diz ao PÚBLICO, via email, o responsável da leiloeira, explicando que o atlas que agora vai à praça é um dos três do século XV que permanece em colecções privadas. “É extraordinariamente raro. Só 58 atlas do século XV sobrevivem e a maioria concentra-se no Mediterrâneo e não na exploração atlântica”, conta, revelando já haver compradores interessados no livro cujas estimativas de venda se situam entre os 1,8  e os 3,1 milhões de euros.

“Tem qualidade para um museu”, afirma Julian Wilson, contando que a peça nunca foi restaurada, a encadernação é a primeira e a única, e as cores continuam “frescas e vibrantes como no dia em que [a decoração] foi concluída”.

“Claro que é um documento muito importante”, diz Joaquina Feijão, responsável da área de Iconografia e Cartografia da Biblioteca Nacional de Portugal (BNP). “Por múltiplas razões, o interesse desta obra transcende o nível nacional e pode considerar-se um testemunho de grande importância para o património da humanidade”, continua, lembrando que este atlas “não foi produzido em Portugal, mas em Veneza, e [que] o seu autor é um notável cartógrafo Italiano”.

No entanto, Angelo Cattaneo, investigador do Centro de História d’Aquém e d’Além-Mar (CHAM), defende que, apesar de este conjunto de mapas ter sido produzido em Veneza, houve uma relação de Benincasa com Portugal, já que o italiano teve acesso a cartas náuticas e documentos da corte portuguesa. “É um objecto precioso que está claramente ligado aos Descobrimentos portugueses”, diz.

“Havia uma política de sigilo muito rigorosa em relação aos mapas e cartas de navegação. Que Benincasa seja capaz de executar graficamente África de forma tão precisa sugere que teve acesso à informação mais recente”, confirma Julian Wilson. “Será que ele teve acesso clandestino à informação secreta portuguesa?”, questiona o leiloeiro.

Cattaneo não tem dúvidas de que Benincasa “é um dos inventores dos atlas”. “As pessoas pensam normalmente num atlas como uma coleção de mapas mas não é só isso. O que Benincasa fez foi um relato mais completo das navegações, revela um passo mais em frente em termos de reflexão intelectual”, continua o investigador, explicando que o navegador e cartógrafo italiano mostrou que era possível acrescentar informação ao lado das representações gráficas. “O atlas permite que se acrescentem páginas. Parece simples hoje, mas na época foi uma novidade.”

Julian Wilson realça ainda a forma como Benincasa põe os mapas africanos na escala dos da Europa, “colocando a exploração africana no mesmo contexto do mundo europeu e destacando, portanto, a sua importância”. Quanto à sua vida na época, o especialista da Christie’s duvida que o atlas que agora vai a leilão tenha sido usado no mar, suspeitando mesmo, tendo em conta as ilustrações em grande escala e o trabalho elaborado, que tenha sido pensado para ser exibido. 

Não há um Benincasa em Portugal
Independentemente do uso no século XV, Angelo Cattaneo garante que esta é uma peça rara e importante, admitindo que o seu alto valor de base de licitação poderá impedir que venha para Portugal. “Até eu gostava de poder comprar”, diz, afirmando não conhecer trabalhos do navegador e cartógrafo italiano no país.

“Nas coleções da Biblioteca Nacional não existe nenhum atlas de Grazioso Benincasa”, diz Joaquina Feijão, referindo, no entanto, que na BNP e na Torre do Tombo “existem vários documentos, atlas e cartas portulano [mapas primitivos que ainda não dispunham de um sistema de coordenadas geográficas] da época dos Descobrimentos, designadamente de autores portugueses célebres, entre eles os atlas de João Teixeira Albernaz, Fernão Vaz Dourado ou Lopo Homem”.

Quanto vale um "extraordinariamente raro" e precioso atlas de 1468?