Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


05-08-2015

Subsídios para a ortografia do H (agá) gutural em português por Inácio Steinhard


A oitava letra do nosso alfabeto, o agá (h), não tem som algum em palavras nativas da língua portuguesa.

Nós dizemos otel (por hotel), ospital (hospital), oje (hoje), Erminia (Hermínia), etc.

O tão contestado Acordo Ortográfico de 1991, faz uma tentativa para mandar definitivamente o h inicial “fazer tijolo”, suprimindo-o.

Quando, porém, o h provem da etimologia da palavra, a sua supressão torna-se escandalosa.

E, no meio da palavra, ele é imprescindível quando faz parte dos dígrafos ch, nh, lh.

Tudo bem, quando se trata de palavras nativas.

Mas que fazer quando queremos transcrever palavras estrangeiras? Se na língua original a palavra se escreve em caracteres latinos, não há problema. Mas, se na língua original, ela se escreve com caracteres diferentes dos latinos, então teremos que utilizar o carácter mais próximo do respectivo fonema.

E se esse fonema não existe na língua portuguesa? Aí temos um problema.

O agá gutural é um desses casos.  Em português não temos palavras com agá gutural. Em muitos casos nem somos capazes de pronunciar palavras estrangeiras, que contêm esse fonema. Se a palavra se escreve com caracteres latinos (Juan, em espanhol, Ich em alemão) então mantemos a ortografia original e pronunciamos o mais próximo possível do que ouvimos. É frequente servimo-nos do fonena rr (duplo r), uvular sonoro.

Um caso típico é da letra Het da língua hebraica, e da sua equivalente na língua árabe.

Na Idade Média, em Portugal, adoptava-se a sua substituição pela letra F. Al-Hayat deu Alfaiate. Al-Hama (quente, fonte de água quente) deu Alfama; Al-buhera (lagoa) deu Albufeira, Mordehai (Mardoqueu) deu Mordofai, Hasson e Haim (nomes próprios) deram Fasson e Fayim. Vejam-se as referências nas Chancelarias dos nossos reis.

Este caso do nome próprio hebraico é curioso. Quase todos os judeus portugueses com o nome hebraico Haim estão registados actualmente com o nome português Jaime, e não Faim, como na Idade Média. Jaime em latim deriva do hebraico Jacob, e não de Haim. Porém, na moderna comunidade judaica de Portugal, as famílias que vieram de Marrocos espanhol, escreviam o J espanhol  por H, assim os Haim ficaram Jaime.

Os Haim ashkenazis, que escreviam à maneira alemã, com Ch, ficaram Chaim, e então os portugueses liam ch como em chapéu – Chaim (xaim).

Uma das primeiras associações  de beneficência criadas pelos judeus vindos de Marrocos foi a Someh Nofelim  (Amparo dos que caem). Em espanhol escreviam Somej Nofelim, e assim ficou até aos dias de hoje em Lisboa. A Associação da Juventude Israelita, criada em Lisboa inicialmente por judeus polacos, escrevia o seu nome Hechawer (o amigo). Mas logo se associaram judeus sefarditas e então passaram a escrever Hehaver.

No Brasil predominou a influência os imigrantes judeus da Alemanha e da Polónia, e mantiveram a grafia do alemão para as palavras hebraicas. Esse erro brasileiro está agora a contaminar Portugal. Os lisboetas que vêem a “Chanukiah”, que o movimento “Chabad” acende todos os anos no Parque Eduardo VII, lêem na respectiva placa, logicamente, o “ch” de chapéu, e então sai asneira. Os espanhóis não fazem assim, porque escrevem na sua grafia local Januquia, Jabad e Janucá, e pronunciam como originalmente em hebraico.

A pronúncia rr persiste na fala e não na escrita. Tenho ouvido “sorrnut” (Agência), “ratul” (gato), Rein (nome próprio feminino), Raifa (Haifa) etc.

Como solucionar o problema? Eu lancei uma sugestão: utilizar um carácter que não existe na língua portuguesa, mas facilmente produzido nos computadores, o Ḥ (agá com ponto em baixo) e convencionar que ele serviria para escrever o H gutural das línguas semíticas. E então teríamos  Ḥabad, Ḥaim, Ḥanucá, etc.

E ficariam resolvidos problemas comuns  de escrita como Chaḥarit (oração da manhã), Minḥá (e não minha, tua), Cheḥitá (degolação de animais), e não Shechita = sechita).

Para isso seria necessária uma decisão da Academia de Ciências. E vozes de burro não chegam à Academia.

https://steinhardts.wordpress.com/