Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


15-09-2015

O último refúgio da língua geral no Brasil - Eduardo de Almeida Navarro


Professor de Tupi Antigo e Língua Geral na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. @ –edalnava@yahoo.com.br

 

Este artigo mostra a situação atual de uso da Língua Geral Amazônica, as causas de seu desaparecimento de grande parte do Norte do Brasil e as iniciativas atuais para sua revitalização.

 

No coração da floresta amazônica, na mais preservada de suas regiões, o noroeste do Estado do Amazonas, livre do agronegócio, do garimpo e dos desmatamentos, é falada uma língua que participou intensamente da história da maior região do Brasil. Trata-se da Língua Geral, também conhecida como Nheengatu ou Tupi Moderno. Diferentemente de outras línguas que se poderiam classificar como línguas étnicas, por serem usadas somente por populações indígenas, a Língua Geral foi ali mais falada que o próprio Português, inclusive por não índios, até o ano de 1877, quando começava o Ciclo da Borracha. Língua-testemunho de um passado em que a Amazônia brasileira alargava seus territórios com o avanço das missões católicas e das tropas de resgate pelos vales dos seus grandes rios, a Língua Geral hoje é falada por mais de seis mil pessoas, num território que se estende pelo Brasil, pela Venezuela e pela Colômbia.

Essa língua supraétnica nasceu do Tupi Antigo, usado na maior parte da costa brasileira no tempo da chegada dos portugueses, em 1500. Os indígenas da costa que falavam variantes dialetais dele eram chamados genericamente de tupis. Eram eles os potiguaras, os tupinambás, os caetés, os tupiniquins, os tupis da Capitania de São Vicente etc. Os tupis eram considerados os antepassados de todos os índios da costa, segundo o jesuíta Simão de Vasconcelos.

Podemos dizer que o Tupi foi falado até o final do século XVII, após o que se foi transformando na Língua Geral, em seus dois principais ramos, a Amazônica e a Meridional. A Língua Geral Amazônica transformou-se, no século XIX, no Nheengatu. Ela começou a se formar no Maranhão e no Pará da língua falada pelos tupinambás que ali estavam e que foram aldeados pelos missionários jesuítas, juntamente com muitos outros índios de outros idiomas e etnias. A Língua Geral Meridional desapareceu completamente no início do século XX. Essa se irradiara a partir da Capitania de São Vicente para Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso e para as capitanias do sul do país, seguindo o rastro dos paulistas que avançavam com suas entradas e bandeiras. Há indícios de que tenha também havido uma língua geral na costa leste do Brasil, no sul da Bahia. Com efeito, segundo Lobo et al. (2006),

em 1794, oficiais da Câmara e repúblicos da Vila de Olivença requereram a Antônio da Costa Camelo, ouvidor interino da Comarca dos Ilhéus, que provesse Manuel do Carmo de Jesus no cargo de Diretor de Índios, alegando, como maior razão para tal, ser [ele] criado naquela vila e saber a língua geral de índios para melhor saber ensinar.

A Língua Geral Amazônica foi aquela em que se expressou a civilização cabocla ribeirinha do Norte, que se definiu a partir da inserção dos índios no mundo do colonizador branco mediante sua escravização ou pela mestiçagem. Dezenas de povos indígenas diferentes a falaram. Índios de diferentes línguas e culturas conheciam-na. Foi por meio das línguas gerais que a América indígena encontrou-se com a América portuguesa. Elas representavam um encontro de mundos. Nascia, finalmente, o Brasil.

No século XVIII, na época pombalina, a Língua Geral Amazônica atingiu sua extensão máxima, falada do Maranhão até a fronteira com o Peru. Somente a partir daí ela passaria a desaparecer de quase toda aquela região. No início do século XIX ela não era mais falada em São Luís. Em 1876, o general Couto do Magalhães afirmava que ela estava morrendo em Belém do Pará.

 

Fatores do desaparecimento da língua geral da maior parte da Amazônia

Três fatores principais concorreram para isso. Foram eles os seguintes:

As perseguições oficiais em meados do século XVIII

Em 1750 sobe ao trono de Portugal D. José I. Seu poderoso ministro, Sebastião de Carvalho, o Marquês de Pombal, passa a aplicar uma política econômica e social que afetaria profundamente a história da Amazônia brasileira.

Era o século do Iluminismo. O projeto do governo português era ampliar o uso da língua portuguesa, fortalecer o Estado, inserir os índios na sociedade colonial e enfraquecer a Igreja, especialmente a sua principal ordem religiosa, a Companhia de Jesus. No Brasil, Pombal nomeia seu irmão Francisco Xavier de Mendonça Furtado para governador do Estado do Maranhão e Grão Pará (1751-1759). Esse governador iria promover a secularização da administração colonial. Empenhado na questão da demarcação das novas fronteiras entre os dois impérios, ele percorreu muitas partes da Amazônia. Enquanto isso, por razões estratégicas de Estado, substituiu os nomes indígenas dos povoamentos das margens de seus rios e atribuiu-lhes nomes portugueses. Foi assim que, na Amazônia, dezenas de vilas passaram a ter nomes de cidades portuguesas: Bragança, Alenquer, Faro, Óbidos, Santarém etc. O aldeamento de Mariuá, no Médio Rio Negro, passou a chamar-se Barcelos. Essa seria a sede da Capitania do Rio Negro, criada em 1757, a conselho do governador.

 

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