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Antonio Borges Sampaio


18-12-2014

Escritor angolano:Adriano Mixinge estreia-se em Portugal


por Mariana Pereira22 maio 20144 comentários

Manuel Fonseca, Elizabeth Vera Cruz, Adriano Mixinga e Henrique Monteiro

Manuel Fonseca, Elizabeth Vera Cruz, Adriano Mixinga e Henrique Monteiro

Adriano Mixinge ainda é relativamente desconhecido em Portugal. O escritor e historiador de arte angolano, vencedor do Prémio Literário Sagrada Esperança, lançou em Portugal O Ocaso dos Pirilampos. Mixinge falou com o DN sobre o novo livro, a adolescência em Cuba e o seu percurso artístico.

Muitos ainda não conhecem Adriano Mixinge,  escritor e historiador de arte angolano, atual conselheiro cultural na Embaixada de Angola em Espanha. O seu currículo é vasto: investigador no Museu Nacional de Antropologia, professor no Instituto Nacional de Formação Artística e Cultural, editor da página cultural do Jornal de Angola, conselheiro cultural na Embaixada de Angola em França, colaborador da Delegação de Angola junto da UNESCO.

O Ocaso dos Pirilampospublicado pela Guerra & Paz, é a sua primeira publicação em Portugal e segue-se ao romance Tanda e ao livro de ensaios Made in Angola: arte contemporânea, artistas e debates. Foi com a sua mais recente obra que Mixinge venceu em 2013 o Prémio Literário Sagrada Esperança, um prémio instituído em homenagem póstuma a Agostinho Neto.

Manuel Fonseca, Elizabeth Vera Cruz, Adriano Mixinga e Henrique Monteiro

Adriano mixinga com o escritor José Eduardo Agualusa

O livro foi lançado na tarde de ontem, na Fnac do Chiado. A apresentação contou com a Professora Elizabeth Vera Cruz e o jornalista Henrique Monteiro. Elogiando a coragem de Mixinge expressa na obra, ambos notaram a publicação da obra e a atribuição do galardão angolano como sinais de mudança em Angola. Vera Cruz identificou o "o ocaso dos pirilampos" com um ocaso da "geração da utopia", que viveu o desapontamento com os anos que se seguiram à independência de Angola. Henrique Monteiro, na sua intervenção, interpretou o título do seguinte modo: "Quer dizer que há uma luz que deixa de brilhar".

Em resposta à estreita identificação do seu livro com a conjuntura política e social angolana, Mixinge declarou que a questão "é mais complexa": "Difícil tarefa a minha, de não levar os leitores a uma leitura política", "de hoje", mas algo que seja "transversal aos tempos", confessou o autor angolano.

Como se fez um artista

"Estavamos em 1979, a presença cubana em Angola era significativa, no meu bairro em Luanda havia um colégio e havia essa admiração de uma criança por aquela força do povo cubano que era capaz de erguer um edifício em menos de 6 meses, construir um trecho de estrada em pouco tempo. E depois também havia a minha irmã São, dois anos mais velha do que eu, que foi escolhida para ir a Cuba. Éramos duas crianças e havia também essa curiosidade da minha parte. Esses factores levaram-me a querer descobrir o mundo e aos onze anos eu estava, de certa forma, globalizado", conta o autor, relatando ao DN o início da sua estada em Cuba, onde viveria até terminar a Licenciatura em História de Arte na Universidade de Havana.

Mixinge relembra como aos 8 anos, atraído pela rima, declamava repetidamente "uma coisa que estava no livro da 3ª ou 4ª classe que dizia assim: Não sou do sul, nem sou do norte, sou de Angola simplesmente, ser do sul ou ser do norte não é um facto que importe a um homem consciente". Queria ser engenheiro de petróleo mas, obrigado a passar por um curso de educação plástica, foi obrigado a "um teste em que tinha de fazer uma natureza-morta". "Os professores cubanos disseram que eu tinha capacidade de desenvolver-me.E foi a partir daí que eu comecei a entrar no mundo da arte".

Depois seguiu-se a influência da política de educação artística cubana, os livros clássicos recomendados pelos amigos e os anos 80 da literatura latino-americana. Mais tarde, viagens constantes da irmã São valeram-lhe "caixas de livros" que traziam Luandino Vieira, Pepetela, António Cardoso e Costa Andrade.

Questionado pelo DN acerca da possibilidade de uma missão específica da literatura angolana da época, o autor responde: "A literatura tem sempre uma missão. Eu acho que a literatura que realmente pode atravessar os tempos tem de ser uma literatura lúcida e também para sobreviver a esse processo. Então há autores angolanos que sobrevivem às épocas e há outros que não. Pepetela, por exemplo. Muana Puó foi escrito em 68, quando eu nasci, mas a sua estrutura atravessa o tempo todo. Pepetela tem também coisas mais datadas O Cão e os Caluandas,Geração da Utopia - que retratam momentos específicos, a crise social dos caluandas ou a geração da utopia, que tem mais que ver com a geração dele [geração da descolonização e consequente desapontamento]".

Quanto à contraposição da literatura angolana mais recente, "há alguns temas que nessa época não eram tratados, por causa de alguns condicionalismos socio-políticos, ou por escolha dos próprios autores não são tratados. Digamos que a sociedade se impunha face ao indivíduo".

"Eu acho que o indivíduo tem de ter tanto peso como a sociedade, isso acontece depois em autores como Ondjaki, em que o indivíduo tem tanta ou mais importância do que a sociedade", acrescenta.

A importância do batuqueiro

O escritor angolano conta como há uma expressão em quimbundo que foi fundamental para O Ocaso dos Pirilampos: "Uakodilô Môxi". A expressão "refere-se muitas vezes a quem tem uma aparência física má e é capaz de ter no seu interior uma força. Refere-se então a quem é capaz de crescer por dentro. A personagem [narrador] inspira-se nessa expressão, e num tipo social que é o batuqueiro".

Os batuqueiros são um grupo social angolano que Adriano Mixinge compara aos novos-pobres e novos-ricos. Assaltam à mão armada aqueles que lhes parecem ser mais ricos do que eles, "porque decidem que, face à vida que têm, é a única maneira de poderem viver confortavelmente e com as mesmas condições de um novo-rico". Essa personagem narradora, "fusão entre gente que quer crescer por dentro e quer sobreviver sempre" é apontada pelo autor como "grande alegoria social sobre o homem contemporâneo de todos os lugares e em que um poder pessoal condiciona a vida da sociedade".

A trave-mestra da obra de Mixinge é a estrutura de poder opressivo de um indivíduo sobre os outros e de "transformar a realidade". Poderá isso fazer com que ela seja recebida meramente sob o ponto de vista da situação política atual em Angola? "É provável que o façam e têm a liberdade de fazê-lo. Acredito que o leitor suficientemente atento e lúcido se possa dar conta que há aí qualquer coisa que não se circunscreve só ao anedótico", responde.

Demarcando a estrutura de poder presente no texto como transversal, o autor reconhece a possibilidade da sua direção dupla: para o bem e para o mal. E é a partir dessa mesma estrutura de poder, capaz de configurar a realidade, que o autor fala do seu ofício:"Se tu quiseres viver de maneira vulgar, a arte não te tira disso, mas se tu quiseres viver de maneira, não vou dizer sublime, não é, mas menos vulgar, ainda que tenhas dificuldades financeiras, ainda que estejas na pobreza material, és capaz de ter um mundo interior que te permite sobreviver e dar a entender que tu estás acima da carência, das carências humanas, e eu acho que isso é importante."

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