Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


25-03-2013

Eduardo Campos e a anta Ray Cunha


Eduardo Campos e a anta


Ray Cunha


- Sabe quando amanhecemos com a sensação de que sonhamos, mas não lembramos bulhufas? Pois foi assim que amanheci, hoje. Já faz tempo que não sonho. Não sei se isso tem a ver com a idade, 68 anos. Moro na 711 Sul e vou para o trabalho de ônibus. Pego o circular e desço no Setor Comercial, defronte ao shopping Pátio Brasil, e faço, então, minha caminhada diária, seguindo até a Rodoviária do Plano Piloto, sempre em torno das 8 horas, quando há muita mulher bonita caminhando por ali, os cabelos ainda molhados; dá vontade de cheirá-los. Sou do tipo que não pode viver sem mulher. Estou no sexto casamento; minha esposa atual tem 30 anos e está com oito meses de grávida. Antes de tomar o ônibus para o Setor Gráfico, onde fica a revista semanal que eu comando, leio a capa dos jornais na banca de revistas da ala oeste do primeiro piso da Rodoviária. Sou viciado nisso. Folha de São Paulo é quase sempre a melhor capa; muito bem diagramada, títulos e chamadas enxutos e em cima da ferida, sempre interpretando e se antecipando. Gosto do Estadão também. Talvez ainda seja o jornal que cubra mais amplamente o país. A capa de O Globo é sempre a que leio com carinho; acho o Rio de Janeiro, onde vivia, antes de vir para Brasília, a cidade de todos os brasileiros, e O Globo traz sempre várias páginas sobre o dia a dia da Maravilhosa. O Correio Braziliense tem batido forte no PTMDB, o consórcio entre o Partido dos Trabalhadores e o Partido do Movimento Democrático Brasileiro. Trabalhei no Correio na época do Oliveira Bastos e Walmir Botelho. Foi um momento de ouro; até Gláuber Rocha andava por lá. Já O Povo, de Goiânia, é apenas um jornal familiar. A banca não expõe publicações do Nordeste, minha terra natal. Sou de Cascavel, no paradisíaco litoral do Ceará, para onde me mando sempre que possível.

 

Na parada defronte ao Palácio do Buriti entrou uma senhora com um guarda chuva em riste, o motorista acelerou, largando uma nuvem de fuligem, e a senhora veio para cima de mim com a lança; só deu tempo de desviar a ponta para o chão. Sou aiquidoca. Não sei por que, lembrei-me do Chifrudo. Segundo andei pesquisando na Wikipédia, o Chifrudo se chama Monumento Solarius. É um monstrengo de 16 metros de altura, de autoria do francês Ange Falchi, fincado na margem leste da BR-040, à esquerda de quem segue do Distrito Federal para Goiás. O monumento veio de Nice, transportado em sete blocos de aço e ferro, doado pelo governo francês a Juscelino Kubitschek e inaugurado em 26 de novembro de 1967, numa homenagem à construção de Brasília, simbolizando a ocupação territorial do DF. “O símbolo do pioneiro indômito, que conquistou a região agreste e pungente do Planalto Central” – segundo a Wikipédia, é feio como o diabo. Bom, por trás do Chifrudo uma estrada vicinal dá acesso ao córrego Saia Velha, onde há um restaurante bastante agradável.

 

Os ônibus de Brasília são sucatas imundas, e podem se desintegrar no percurso. Quando chegávamos à parada da Câmara Legislativa, a roda dianteira esquerda do ônibus voou e pegou um automóvel, afundando a porta traseira. Se fosse a roda direita, teria matado, ou avariado bastante, alguém na calçada. Sorte também que o motorista foi hábil. Ele desceu e enquanto tratava com o motorista do automóvel atingido, o trocador reuniu os passageiros para aguardarem outro carro; um sujeito estava exaltado e queria tocar fogo no ônibus, mas antes que ele acendesse o isqueiro veio outro coletivo da linha e embarcaram nele. Preferi caminhar até a revista, a uma quadra dali. Quando cheguei, Sara, minha secretária, levou-me café e ligou a televisão, sintonizada na TV Globo. Estava passando uma matéria com Eduardo Campos, presidente do PSB (Partido Socialista Brasileiro) e governador de Pernambuco. Então me lembrei do sonho: eu estava no Quênia, caçando com Ernest Hemingway; de repente víamos um guerreiro masai partir com a lança em riste em direção a um leão, no cerrado, mas não era leão, e sim uma anta, e o guerreiro era Eduardo Campos. A anta, bem, talvez o jornalista Diogo Mainardi saiba de quem se trata; afinal, ele se especializou em tapirídeos.

 

Se os tucanos continuarem a arrancar as penas uns dos outros, vão tomar na cloaca” – pensei.  

 

 

Brasília, 13 de março de 2013


http://raycunha.blogspot.com.br/2013/03/contoeduardo-campos-e-anta.html