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Antonio Borges Sampaio


07-07-2016

Poderá Quaresma, o cigano de ouro, pôr fora de jogo a discriminação aos lelos?


 

07 jul, 2016 - 06:39 • João Carlos Malta

Há opiniões divergentes em relação a quem tem sido a figura maior da selecção, mas sobre quem tem sido mais decisivo não há dúvidas: é Quaresma, o “Zé Lelo” como lhe chama Ronaldo. Um herói da bola pode desmontar 500 anos de racismo?

Ronaldo abraça Quaresma depois de este marcar o penálti decisivo frente à Polónia. Foto: EPA

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E de repente o talento gigante, mas intermitente, de Quaresma tornou-se efectivo. E sobretudo decisivo. O Euro 2016 elevou-o a figura maior da selecção nacional. Os croatas caíram quando ele teve cabeça, os polacos gelaram com a frieza da sua bota direita. É cigano, orgulha-se disso, e os ciganos contam com ele para mostrar “que não são todos iguais”. Em França, Ronaldo fez nascer o “Zé Lelo”. Um epíteto carinhoso.

Figura maior do associativismo cigano, Vítor Marques fala do amigo Quaresma com a devoção de que se fala dos ídolos. O jogador dos turcos do Besiktas já é maior do que ele mesmo.

Os feitos do “ciganito” têm um “impacto enorme na comunidade”. E têm demonstrado que outros futuros são possíveis para pôr fim aos estereótipos do passado. “Tudo o que ele está a fazer está a motivar os miúdos para a prática do desporto. E depois há o orgulho de ver um dos nossos a desempenhar um papel importante na nossa selecção”, refere Vítor Marques, o padrinho do movimento associativo cigano.

As percepções e a discriminação não terminam de um dia para o outro, mesmo quando estamos a falar de um desporto que une o país de Norte a Sul. Há ainda muito caminho a percorrer.

“Já estamos há 500 anos em Portugal e ainda sinto a discriminação na pele, sobretudo no emprego. Ninguém dá emprego ao cigano, há muita desconfiança”, denuncia José Maria Fernandes, presidente da União Romani.

Ainda assim, Vítor Marques garante que Quaresma permite que os portugueses possam fazer a desconstrução de estereótipos. O mais imediato é o de pensarem que os ciganos são todos iguais. “Acho que aqui se vislumbra que não são todos iguais e que não podemos pôr uma minoria toda no mesmo saco”, sublinha.

Há um ano, numa entrevista ao “Expresso”, Quaresma disse: “Chamarem-me cigano para mim não é insulto, porque eu sou. Acho que ninguém pode levar a mal, porque sou. Sou cigano e não vou mudar."

Em Portugal, a comunidade tem-no há muito como um ídolo. Um super-herói. “Acho que o Quaresma tem sido um bom exemplo para nós, nós orgulhamo-nos muito do que somos”, reforça José Maria Fernandes, que espera que com estes feitos o resto da sociedade olhe mais para os ciganos como portugueses.

Lelo, carinhoso ou ofensivo?

Primeiro, foi Ronaldo a chamar a Quaresma “Zé Lelo”. De seguida, foi o jornal “O Jogo” a escrever em manchete “Lelito, vamos a Paris”.

O dicionário electrónico Priberam diz-nos que “lelo” é alguém que se comporta com leviandade, é presunçoso, é vaidoso, é doido e é maluco.

Vítor Marques não vai pelo dicionário. Prefere perceber o contexto em que as coisas são ditas. “É uma expressão carinhosa. Já tivemos um programa televisivo, 'Os Malucos do Riso', em que foi incorporada a figura do cigano e era conhecido por Lelo”, lembra.

“Não é pejorativo, não é ofensivo quando ela é dita sem um preconceito racial. Quando o Cristiano diz no treino para o Quaresma "Vamos Zé Lelo" é de uma forma carinhosa”, reforça. O presidente da União Romani é da mesma opinião.

Foto: Peter Powell/EPA

Já quando as piadas vão noutro sentido a reacção não é a mesma. Nas redes sociais, mal Quaresma desfeiteou o guarda-redes polaco e pôs Portugal a um jogo da final começou a escrever-se: “Não é de certeza a primeira vez que um cigano rouba umas meias a uns polacos”.

“Vejo isso como sendo de muito mau gosto. Podemos brincar com todas as situações, a comunidade cigana não é imune a isso, desde que elas não sejam ofensivas. As pessoas confundem o humor com a ofensa”, resume Vítor Marques.

Mais parecer do que ser

Em Junho deste ano, Quaresma foi entrevistado no programa da SIC "Alta Definição", no qual abordou a forma como o ser cigano condiciona a forma como os outros o vêem.

“No mundo do futebol, e tu sabes disso, tenho a fama de [ser] muita coisa. E eu nunca fumei, nunca bebi, nunca experimentei nada nem tenho vontade de o fazer. Mas, lá está, como sou cigano, vim de um bairro... Tenho essa fama. Porque a fama é fácil de meter. O mais difícil é tirar-te essa fama de cima”, disse Ricardo Quaresma a Daniel Oliveira.

Vítor Marques assina por baixo e expande o alcance desta análise. “Ele traça um quadro manifestamente real. Aborda o mundo de futebol, que é o dele, mas poderíamos também falar de elementos da comunidade cigana que podiam singrar mas que, pelo simples facto de estarem em bairros sociais, ou apenas e só por pertencerem a esta etnia, são vistas de outra forma. Isto é manifestamente negativo."

No fim, tanto Vítor como José concordam que Ricardo contribuiu a cada remate vitorioso para reduzir a barreira entre os ciganos e o resto da comunidade. Ainda assim, a barreira é muito alta. E ainda faltam muitos golos para a derrubar.

 

PODERÁ QUARESMA, O CIGANO DE OURO, PÔR FORA DE JOGO A DISCRIMINAÇÃO AOS LELOS? - RENASCENÇA

 

   
 

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