Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


26-07-2010

As grandes linhas da política de acolhimento e integração de imigrantes em Port


As grandes linhas da política de acolhimento e integração de imigrantes em Portugal

 



Rui Marques Alto Comissário para a Imigração e Minorias Étnicas

 




Portugal, depois de uma longa história de país de origem de emigrantes, que ainda continua a ser, tornou-se, no final do século XX, também um país de acolhimento. Hoje, diferentes comunidades, onde se destacam os imigrantes brasileiros, ucranianos e cabo­verdianos, constituem já 5% da população residente em Portugal (cerca de 500.000 imigrantes legais) e 8% dos activos. O crescimento destas comunidades verificou-se essencialmente a partir do início dos anos 90, quando só existiam cerca 100.000 imigrantes, o que reflecte um aumento de 400% em quinze anos.
Portugal beneficiou nas últimas décadas desta presença de imigrantes que contribuíram significativamente para o processo de desenvolvimento acelerado que o nosso País viveu. A sua contribuição de 5% para o Valor Acrescentado Bruto (VAB) nacional, com particular destaque para os sectores da Construção Civil (15%); Hotelaria e Restauração (11%) e Serviços e Empresas 10%)i; o saldo positivo da sua contribuição para as contas do Estado – 243 milhões de euros, em 2002 – ou ainda a contribuição para o equilíbrio da pirâmide demográfica, são alguns exemplos evidentes do contributo que os imigrantes nos trazem. Mas importa sublinhar também o enriquecimento decorrente da diversidade cultural e religiosa introduzida pelas comunidades imigrantes pois a “diversidade cultural é uma das fontes de desenvolvimento, entendido não só como crescimento económico, mas também como meio de acesso a uma existência intelectual, afectiva, moral e espiritual satisfatória ii .

Este novo contexto exigiu da sociedade portuguesa o desenvolvimento de uma política de acolhimento e integração de imigrantes mais consistente, coordenada, desde 1996,pelo Alto Comissariado para a Imigração e Minorias Étnicas (ACIME), órgãodependente do Primeiro Ministro e do Ministro da Presidência. É-lhe atribuída como missão “promover a integração dos imigrantes e minorias étnicas na sociedade portuguesa, assegurar a participação e a colaboração das associações representativas dos imigrantes, parceiros sociais e instituições de solidariedade social na definição das políticas de integração social e de combate à exclusão, assim como acompanhar a aplicação dos instrumentos legais de prevenção e proibição das discriminações no exercício de direitos por motivos baseados na raça, cor, nacionalidade ou origem étnica.”iii

 

Esta opção de desenho institucional, ao colocar a responsabilidade da política de integração no centro do Governo, reflecte a importância que lhe foi atribuída e a visão global e integradora das várias áreas temáticas que lhe está subjacente. Ao invés de colocar esta função sob a tutela da Segurança interna ou do Trabalho e assuntos sociais, assume-se como temática transversal a todas as áreas do Governo.

Sete princípios-chave

A política de acolhimento e integração de imigrantes em Portugal é orientada por sete princípios-chave que influenciam directamente os programas e as acções concretas que diferentes instituições públicas desenvolvem ao serviço dos imigrantes.

1.        A Igualdade de direitos e de deveres entre cidadãos nacionais e estrangeiros que se encontrem ou residam em Portugal, com excepção de alguns direitos políticos, situa-se como princípio inspirador determinante. Assim, o combate a todas as formas de discriminação e o efectivo exercício de direitos e deveres dos imigrantes determina o que defendemos nas políticas de imigração: acesso igual ao Trabalho, à Saúde, à Educação, à Segurança Social, à Justiça e a todas as outras áreas sectoriais. De igual modo, o respeito pela Lei, a participação cívica ou o pagamento de impostos são obrigações que os imigrantes devem cumprir, da mesma forma que os nacionais. Para concretizar este princípio, existe uma extensa legislação nacional e comunitária e a Comissão para a Igualdade e contra a Discriminação Racial (CICDR) com representação de diferentes Ministérios, do Parlamento, de associações de imigrantes e anti-racistas, dos sindicatos e das empresas.

2.        Mas muitas vezes a igualdade não chega. Os imigrantes, particularmente os recém-chegados, têm desvantagens competitivas ou vulnerabilidades específicas que exigem acções positivas que permitam a efectiva igualdade. Para tal objectivo, inspirados pelo princípio da Hospitalidade, desenvolvem-se em Portugal, a semelhança de outros países, Programas e acções que permitam acolher bem os imigrantes. Expressões concretas deste princípio passam, por exemplo, pelo Sistema Nacional de Apoio ao Imigrante, onde se desenvolvem iniciativas como os Centros Nacionais de Apoio ao Imigrante (one stop shop) com a presença integrada das instituições públicas com as quais o imigrante se relaciona, bem como um conjunto diversificado de Gabinetes de Apoio (Reagrupamento Familiar, Emprego, Apoio Jurídico,..) que agiliza

 

o acesso aos direitos fundamentais. Por outro lado, a Rede Nacional de Informação ao Imigrante, proporciona em diversas línguas e diferentes suportes (papel, web, media, telefone, postos informativos) informações úteis e práticas que facilitam a integração dos imigrantes. De sublinhar ainda, neste domínio, as acções de ensino de Português dinamizadas pelo Programa Portugal Acolhe. Importa também, neste domínio, não ignorar a presença de imigrantes em situação irregular. Se é certo que a imigração deve ser legal e a lei deve ser respeitada, combatendo-se os circuitos de exploração da imigração irregular, também não pode ser esquecido que a dignidade da pessoa humana se mantém intocável e deve ser protegida contra as adversidades mais extremas. Isso exige a constituição de um núcleo de direitos essenciais devidos a qualquer pessoa, independentemente da sua situação documental. Sublinham-se a título de exemplo na nossa experiência, a importância da consolidação do acesso a cuidados essenciais de saúde, do abrigo temporário em situação de emergência ou do retorno voluntário ao seu país de origem. Mas também importa proporcionar-lhes um apoio jurídico competente e solidário que defina, com rigor e justiça, a sua situação, pois o desconhecimento da lei e dos seus direitos leva-os, a muitos deles, a uma situação de irregularidade por ignorância ou falta de recursos de defesa. E quando não resta alternativa ao afastamento forçado, também esse pode ser feito com humanidade e respeito. 3. O exercício da Igualdade conduz-nos naturalmente ao princípio da plena Cidadania. Ainda que não-nacional, defendemos que o imigrante é um cidadão de pleno direito. É construtor activo de uma comunidade de destino, ainda que não tenha uma origem comum. Mesmo as restrições ainda colocadas ao nível da participação política, devem progressivamente desaparecer, pois não chega a participação política ao nível autárquico que a Constituição Portuguesa já prevê, em regime de reciprocidade. Forma suprema de acesso à cidadania, a aquisição da nacionalidade portuguesa tornou-se também mais fácil, na recente alteração da Lei da Nacionalidade, com particular destaque para os descendentes de imigrantes que agora beneficiam de várias possibilidades de chegarem à nacionalidade portuguesa. 4/5. Esta visão tem como outra consequência na política de imigração, a afirmação dos princípios da Co-responsabilidade e da Participação. Só se constrói uma sociedade inclusiva através do respeito pelo princípio da plena participação cultural e política de todos os cidadãos -nacionais e imigrantes -que constituem, num determinado tempo e espaço, uma sociedade. Os imigrantes devem ambicionar essa participação e, sobretudo, a sociedade de acolhimento deve estar aberta a essa participação na polis. Desta forma, é esperado que os imigrantes, enquanto cidadãos, sejam participantes e co­responsáveis pelo Bem comum e, particularmente na política de imigração, sejam parte da solução. A força do seu movimento associativo, a presença de mediadores socio­culturais das comunidades imigrantes em serviços públicos e a voz dos seus representantes no Conselho Consultivo para os Assuntos da Imigração, órgão que aconselha o Governo nas políticas de imigração são alguns exemplos já concretizados.

1.        Num outro domínio particularmente sensível nos nossos dias -a gestão da diversidade cultural -a opção portuguesa é muito clara e passa pela afirmação do princípio da Interculturalidade. Num quadro de respeito mútuo e dentro da Lei, promove-se a afirmação da riqueza da diversidade em diálogo. Mais do que uma coexistência pacífica de diferentes comunidades, o modelo intercultural afirma-se no cruzamento e miscigenação cultural, sem aniquilamentos, nem imposições. Muito mais do que a simples aceitação do “outro” o modelo intercultural propõe o acolhimento do “outro” e transformação de ambos com esse encontro. Optando por dar prioridade ao trabalho no domínio da Educação, o Secretariado Entreculturas tem vindo desde 1991 a desenvolver um importante programa de educação intercultural, com recurso a acções de formação e produção de materiais pedagógicos.

2.        Finalmente, a construção da política de imigração em Portugal está marcada pelo princípio do Consenso. A permanente busca em torno das questões da imigração, através do diálogo e da negociação, de um consenso político e social alargado não é uma mera questão táctica. Representa uma opção essencial para afastar a política de imigração de terrenos fracturantes onde florescem argumentos populistas anti­imigração, como se tem verificado em muitos países europeus.  Como exemplo, foi possível alterar a Lei da Nacionalidade, tornando-a mais aberta e humanista, com um larguíssimo consenso parlamentar, sem qualquer voto contra. Mas em sociedades democráticas, a construção desse consenso implica, entre outras iniciativas, uma sensibilização da opinião pública para o acolhimento, desmistificando estereótipos e falsas ideias feitas. Neste domínio, tem sido dada uma grande atenção ao tratamento mediático das questões de imigração, incentivando um outro olhar. Iniciativas como o Prémio Jornalismo pela Tolerância ou a produção do programa televisivo Nós são expressão concreta desse trabalho.

 

Estes sete princípios são mobilizadores, quer para o Estado, quer para a sociedade civil . Defendemos que o Estado deve assumir-se como principal aliado da integração dos imigrantes. Este objectivo só pode ter sucesso se respeitado o princípio da permanente cooperação entre diferentes instituições do Estado, procurando respostas articuladas, transversais e multisectoriais. Particular atenção deve ser dada à dimensão local do acolhimento, promovendo uma integração de proximidade. Em simultâneo, é fundamental reforçar a aliança com instituições da sociedade civil, potenciando a sua intervenção generosa, flexível e, normalmente, mais eficiente. Portugal está ainda a aprender a ser país de acolhimento de imigrantes. A sua política de integração precisa ser desenvolvida e consolidada. Temos muito a fazer e a melhorar. Mas este é um desígnio prioritário e sabemos o que queremos.

No século XXI, a política de imigração será um dos indicadores que definirá cada Sociedade: “diz-me que política de imigração tens e dir-te-ei quem és”. E cada uma das nossas sociedades precisa de estar atenta, para que um dia não se envergonhe de quem é.

i In Sousa Ferreira, Eduardo et al (2004) Viagens de Ulisses – Efeitos da imigração na economia portuguesa , Observatório da Imigração, Lisboa. ii Art. 3º da Declaração Universal da Diversidade Cultural. (UNESCO, 2001)

iiiArtº 1º, nº 2, DL 251/2002