Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


30-05-2014

Alberto Costa e Silva vence Prémio Camões


Alberto Costa e Silva vence Prémio Camões Prémio Camões 2014. Alberto da Costa e Silva, 83 anos, diplomata, poeta, memorialista, ensaísta e historiador. Filho do poeta Da Costa e Silva, foi, designadamente, embaixador do Brasil em Portugal e presidente da Academia Brasileira de Letras. Recordamos aqui a autobiografia que escreve para o JL, em 12 de Abril de 2006 Alberto Costa e Silva
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A poesia mais a históriaAlberto da Costa e Silva - Repito Baudelaire: meu berço ficava na biblioteca. Cresci entre livros, em Fortaleza, com meu pai a dizer-me versos de Whitman, Mallarmé, Verhaeren e Nobre. Meu pai perdera a plenitude da razão quando eu tinha três anos e ele 49, mas não o amor aos livros e o dom das palavras. Conhecia o nome de tudo e me dizia, nos passeios matinais, como se chamavam as árvores e os passarinhos.  Um dia, descobri que sabia ler, de tanto acompanhar o dedo da avó a sublinhar as palavras nos livros que me lia. E peguei desde então o vício. Tanto, que imagino o Reino dos Céus como uma sala forrada de livros.  Antes dos 11 anos, já havia lido e relido os 20 grossos volumes da Biblioteca internacional de obras célebres, onde há poemas e também, suspeito, muitos textos em prosa traduzidos por Fernando Pessoa. Já então eu escrevia poemas e acompanhava a guerra de mapa na mão.  Em casa, éramos fervorosos antifascistas e aliadófilos.  Ouvíamos toda noite a BBC e a Voz da América, e sofríamos ou nos alegrávamos com as notícias. Como em Fortaleza havia uma base norte-americana, de vez em quando tínhamos um simulacro de ataque aéreo, com sirenes a tocar e a imposição de black-out.  Comemorei o fim da guerra, aos pulos na rua, já no Rio de Janeiro, para onde nos mudáramos em 1943. De minha vida, desde o nascimento em São Paulo, em 1931, até a bomba de Hiroshima, dei conta em Espelho do príncipe, que escrevi permanentemente comovido e que, espero, falará por mim no Dia do Juízo Final, se houver esse Dia.  No Rio, tornei-me frequentador das livrarias. E dos cinemas e cine-clubes. É difícil encontrar um filme dessa época ou mais antigo que não tenha visto. Cansei-me depois, e, desde 1965, só cada três ou quatro anos vou ao cinema. Prefiro ficar em casa, a ouvir música.  Aos 16 anos, passei a me interessar pela África. Pouco a pouco, fui montando o mapa do continente e nele reconhecendo as paisagens e as personagens.  Não pensava, então, escrever sobre a África . a África era a minha cachaça secreta. Escrevia muito, mas poemas e textos sobre poesia. Tudo muito ruim. Muito ruim também foi a minha colaboração inicial na Revista branca, grupo a que me liguei aos 17 anos.  Desde aquele dia, em 1950, em que meu pai morreu apoiado em meu braço, passei a fugir dos poemas, a só escrevê-los quando não tenho outro jeito: entre um e três por ano. Passei a cobrar de mim mesmo o que, estou certo, não posso fazer. Talvez ande a perseguir um único poema, no qual tentaria recuperar determinada luz de minha infância, e o timbre da voz de um outro poeta, meu pai, e o assombro da descoberta do amor, um poema no qual cada instante parasse em permanência. Os 102 poemas que desde então escrevi não seriam senão rascunhos desse poema a que nunca chegarei.  No fim de 1950, adoeci dos pulmões. Passei três anos numa estação de cura. De volta ao Rio, amigos lançaram o meu livrinho O parque e outros poemas.  Em 1955, ingressei na carreira diplomática. E, em 1957, casei-me com Vera.  Augusto Meyer tinha-me encomendado, em 1950, uma antologia de lendas dos índios brasileiros. Terminei-a após o meu regresso ao Rio. Publicada em 1957 e reeditada numerosas vezes, as Lendas dos índios brasileiros, talvez tenha sido, de todos os meus livros, o que mais vendeu.  Meu primeiro posto diplomático foi Lisboa, onde cheguei, com Vera e minha filha Elza Maria, em Maio de 1960. Passamos três anos em Portugal, onde nasceu meu filho António Francisco. Três anos felizes, apesar de ter a polícia sempre defronte de casa, a anotar quem nela entrava. E nela entravam tanto os adversários do regime quanto seus adeptos e os que lhe eram indiferentes. Todas as sextas-feiras, dávamos em casa um jantar dançante, que emendava com o café da manhã. Fizemos festas de Carnaval de arromba. Nelas, até o Carlos Botelho e o Vergílio Ferreira apareciam fantasiados.  Publiquei então duas antologias, A nova poesia brasileira e Poesia concreta. E saíram dois livros de poemas meus, um no Rio, O tecelão, e o outro em Lisboa, Alberto da Costa e Silva doba, fia, carda e tece, o primeiro com uns desenhos de finura extraordinária, da autoria de Tóssan, o meu amigo português que mais falta me faz e de quem sinto a mais funda saudade.  De Lisboa o trabalho me levou várias vezes à África: a Nigéria, Egipto, Etiópia, Senegal, Gana, Togo, Daomé, Camarões, Congo-Kinshasa, Angola, Costa do Marfim. No meu arquivo, guardo cópia do relatório da PIDE sobre o que fiz e não fiz, mas pensaram que fizera, como perigoso agente subversivo, em Luanda e Benguela.  Em 1963, fui para Caracas, e lá fiquei até 1967. Um ano antes, nasceu-me outro filho, Pedro Miguel, e escrevi Livro de linhagem, de que fiz uma edição, no formato de azulejo. Conservo excelentes memórias desses anos, que se fecharam, porém, com um terremoto de grau 6,3 da escala Richter, que nos deixou sem casa e de pijama na rua. Lembra-me ainda a poeira vermelha dos prédios que ruíram à nossa volta. Outros pareciam, desventrados, casas de boneca.  Passei dois anos no Rio, antes de ser transferido para Washington. Fui em 1970 para Brasília, e fiz novas viagens pela África. Em 1974, segui para Madrid. No caminho, passei um mês em Lisboa. Encontrei a cidade com o odor de pronunciamento militar. Falei disso ao João Sá da Costa, que zombou do meu olfacto. Na noite de 24 de Abril, fui jantar com Manuel Baptista e Vespeira. De volta ao hotel, soube pelo telefone que a revolução estava nas ruas. Saí para vê-la e vivê-la.  Em Madrid, comecei a escrever A enxada e a lança: a África antes dos portugueses, como uma espécie de obrigação cívica. E tomei gosto. Continuei o livro em Roma, onde vivi de 1977 a 1979, ano em que fui nomeado embaixador na Nigéria. Estava ainda em Roma, quando se publicou no Rio o meu livro de poemas As linhas da mão.  Jamais esquecerei a estada em Lagos. Foram anos de uma riqueza extraordinária. A vida era difícil pelos critérios de conforto ocidental, porém não havia dia que julgasse perdido. Encontrei-me com culturas diferentes da minha, mas que dela eram semelhantes. Num momento, sentia-me em casa; noutro, num mundo estranho. O que mais me fascinava era o diálogo multissecular entre as margens atlânticas do Brasil e da África.  Regressei a Brasília em 1983. E, três anos mais tarde, voltei a Lisboa, como embaixador. A cidade era outra . não se podia mais estacionar um carro no Chiado, por exemplo, o que dantes se fazia facilmente . e os amigos estavam mais velhos. Alguns haviam morrido, como Botelho, e outros partiriam pouco depois de nosso retorno, como João Gaspar Simões e Alexandre O'Neill. Mudara Lisboa e mudáramos nós. Mas não se alterara o essencial: 20 anos depois, o ambiente de afecto era o mesmo. E ganhamos mais amigos.  Em Lisboa, concluí A enxada e a lança e publiquei um volume de ensaios, O vício da África e outros vícios. O lançamento foi quase uma despedida, pois em 1990 parti para a Colômbia. Lá publiquei Consoada, com poemas novos de quem já era avô, e escrevi Espelho do príncipe. De Bogotá fui para o Paraguai, onde servi de 1993 a 1995. Gostei imensamente de Assunção e de sua gente, a falar espanhol na rua e guarani em casa; a discutir política numa língua e a namorar na outra. De lá retornei ao Brasil, reformando-me em 1998.  Até então, eu escrevera nas poucas horas, e quase sempre cansadas, que me sobravam de uma profissão que sempre me foi trabalhosa e a que me consagrei com zelo e interesse. Aposentado, passei a escrever todos os dias. Não se estranhará, por isso, que nesses oito anos, eu tenha publicado, além de Ao lado de Vera e de Poemas reunidos, um livro de mil páginas sobre a história da África entre 1500 e 1700, A manilha e o libambo, a biografia de um negreiro, Francisco Félix de Souza, mercador de escravos, três livros de ensaios (sobre literatura, O pardal na janela, e, sobre história, Um rio chamado Atlântico e Das mãos do oleiro) e um estudo sobre um escultor popular, Mestre Dezinho de Valença do Piauí. Escrevi ainda uma biografia de Castro Alves e uma Viagem à África para crianças, que estão por sair. E tenho quase prontos um outro volume de ensaios, O quadrado amarelo, e um novo livro de memórias, Invenção do desenho. Foi necessário que morresse o diplomata, para que renascesse o escritor. Este, contudo, aprendeu muito com aquele. E não se esquece de que as mãos com que escreve são as mesmas do poeta adolescente que ganhou a aposta contra a morte precoce.

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