Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


29-09-2004

Diálogos com José Blanco


Espaço dedicado a um cidadão do mundo
Administrador
José Blanco 
 

José Júlio Pereira Cordeiro Blanco nasceu em Lisboa em 19 de Fevereiro de 1934. Licenciado em Direito pela Universidade de Lisboa, em 1958. Integra o Conselho de Administração da Fundação Calouste Gulbenkian desde 1974.

Exerceu advocacia entre 1958 e 1961 - ano em que ingressou nos quadros da Fundação Calouste Gulbenkian, como Adjunto para os Assuntos Petrolíferos.

José Blanco é o Administrador responsável pela orientação e direcção superior dos Pelouros de Música e Bailado e de Projectos Internacionais (Serviço Internacional). É igualmente responsável pelo Centro Cultural Calouste Gulbenkian que a Fundação criou e mantém em Paris na antiga residência do Fundador.

A representação da Fundação Calouste Gulbenkian junto do grupo da «Iraq Petroleum Company» levou José Cordeiro Blanco, como Adjunto para os Assuntos Petrolíferos, a trabalhar em Londres até 1963. Regressou a Lisboa e foi nomeado Director-Adjunto do Serviço da Presidência. Em 1968 foi escolhido para Secretário do Conselho de Administração da Fundação, assumindo também as funções de Director do Serviço Internacional.

Foi Chefe de Gabinete do Marechal António de Spínola, Governador da então província ultramarina da Guiné, quando fez comissão militar naquele país, entre Maio de 1972 e (início) de 1974.

Em Setembro de 1974 foi co-optado pelo Conselho de Administração da Fundação Calouste Gulbenkian.

Desde 1977 é membro do Hague Club, associação de dirigentes das mais importantes fundações europeias, do qual foi Presidente no biénio 1986-1987.

Em 1978 foi eleito para o Conselho de Governadores da Fondation Européenne de la Culture (Amsterdão), cargo que desempenhou até 1994.

José Blanco é membro do Conselho de Administração da Residência André de Gouveia, na Cidade Universitária de Paris, do Conselho Geral dos Estudos Gerais da Arrábida e sócio fundador da Associação Casa Veva de Lima, em Lisboa.

Em representação da Fundação ou a título pessoal, tem participado em numerosas conferências e reuniões internacionais sobre actividades filantrópicas e sobre temas de cultura portuguesa.

Tem várias obras publicadas, fruto do trabalho de investigação e divulgação da obra do poeta Fernando Pessoa, que realiza, paralelamente à actividade na Fundação, desde 1983.

Fonte: www.gulbenkian.pt/fundacao/a1.asp

 

 

Gulbenkian leva cultura portuguesa ao Rio de Janeiro
ANTÓNIO CARVALHO


Uma vez mais, a Fundação Calouste Gulbenkian, através do seu Serviço
Internacional, regressa ao Rio de Janeiro para uma série de iniciativas
que envolvem a cultura portuguesa e as suas relações privilegiadas com o
Brasil.
Essas iniciativas, que decorrem esta semana, coincidem com o
doutoramento honoris causa, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), do próprio administrador responsável pelo Serviço Internacional, José Blanco.

O programa destas actividades tem início amanhã, no Forum de Ciência e
Cultura da UFRJ, com o seminário «Artifícios & Artefactos - entre o
literário e o antropológico». Coordenado por Gilda Santos e Gilberto
Velho,este seminário, que se prolonga pelo dia 9, conta com a participação de
conhecidos investigadores brasileiros e portugueses, que vão sublinhar
os elos existentes entre a literatura e a antropologia e convidar-nos a
reflectir sobre temas afins e raízes comuns dos dois países, desde as fontes medievais à actualidade. Rosa Magalhães, Marlene de Castro Correia, Luís Fagundes Duarte, Graça Cordeiro, Ricardo Lima, Elisabeth Travassos, Eneida Bonfim, Vanda Anastácio, Eucanaã Ferraz, Ivo Castro, Sílvio Renato Jorge, Mónica Figueiredo, Gilberto Velho, Lélia Frota e Joaquim Pais de Brito vão
falar da escola de samba, lenços bordados, literatura de cordel, festas
açorianas e cerâmica, mas também de Torga e Manuel Bandeira.

Este seminário é organizado pelo Museu Nacional e pela Cátedra Jorge de
Sena para Estudos Literários Luso-Afro-Brasileiros - apoiada, tal como a
Cátedra Padre António Vieira, pelo Serviço Internacional da Gulbenkian.

Também amanhã teremos a cerimónia de doutoramento honoris causa de José
Blanco, por proposta da Cátedra Jorge de Sena, em sinal de
reconhecimento pelo contributo da Gulbenkian e do administrador do seu Serviço Internacional, ao longo de mais de 40 anos, para a promoção da cultura portuguesa no Brasil.

No dia 9, é inaugurada a exposição Artes Tradicionais de Portugal no
Museu Histórico Nacional, com a presença do presidente do Brasil e do
primeiro ministro de Portugal. Esta exposição, já apresentada em 2002, em
Jacarta, e parcialmente em Brasília, de Junho a Agosto, pode agora ser vista
integralmente no Rio, tal como foi concebida pela sua comissária, Maria
Helena Mendes Pinto. Trata-se de uma mostra surpreendente, pela sua riqueza e pelas características das peças ali reunidas - colchas, cobertas, filigranas,
mobiliário, trajos populares, bordados, tapetes, entre outras.

Nesse mesmo dia serão ainda inauguradas outra exposição, na Biblioteca
Nacional, Outros Quinhentos - impressos portugueses do século XVI, e a
Sala Calouste Gulbenkian no Palácio Itamaraty, sede histórica do Ministério
das Relações Exterioresno Rio de Janeiro, outro sinal de reconhecimento
pelo apoio dado por aquela Fundação ao restauro do respectivo acervo,
constituído por mapas de grande interesse histórico para os dois países e também para outros países da América Latina.

Finalmente, no dia 10, decorre no Real Gabinete Português de Leitura o
colóquio «Fernando Pessoa, outra vez te revejo». Especialistas
brasileiros e portugueses, entre os quais José Blanco (a quem o colóquio é dedicado), vão abordar diversos aspectos da vida e obra do poeta. Haverá ainda o pré-lançamento de um livro de ensaios pessoanos de Cleonice
Berardinelli.

Fonte: dn.sapo.pt/noticia/


Maratona da Gulbenkian em terras brasileiras
ANTÓNIO CARVALHO


Foi uma verdadeira «maratona gulbenkiânica brasileira», nas palavras de
José Blanco, o principal protagonista destes importantes acontecimentos
culturais que decorreram durante três dias no Rio de Janeiro - e que se prolongam por mais tempo e, num dos casos, se estendem depois a Belo Horizonte e à Bahia, até Junho do próximo ano. Falamos das diversas iniciativas que o Serviço Internacional da Fundação Gulbenkian, de que José Blanco é o administrador responsável, levou ao Rio de Janeiro: duas exposições, um seminário, um colóquio, todas elas resultantes da frutuosa colaboração entre especialistas portugueses e brasileiros que desde há muitos anos aquela Fundação tem  vindo a apoiar.

No Museu Histórico Nacional apresentou-se a exposição Artes
Tradicionais Portuguesas, uma colecção de peças excepcionais, escolhidas pela comissária Maria Helena Mendes Pinto - colchas, bordados, ourivesaria, mobiliário, trajos regionais. Esta exposição, já apresentada em Jacarta (com o êxito que o DN oportunamente referiu), ficará naquele local até ao início de Janeiro do próximo ano, seguindo depois para Belo Horizonte e Bahia. Como
sublinhou uma especialista brasileira, o riquíssimo conteúdo desta mostra, «o melhor do que há em Portugal», «é o que está no imaginário dos emigrantes: é
tradicional mas não é velho, é contemporâneo e possui um lado
profundamente afectivo» para quem nunca perdeu as ligações a um património que é português mas também foi herdado pelos brasileiros.

Por seu turno, a Biblioteca Nacional apresenta agora a exposição
Quinhentistas Portugueses, importante contribuição para o estudo bibliográfico do século XVI, incluindo as obras restauradas com o apoio da Gulbenkian em 1989.
Tanta esta mostra como a das Artes Tradicionais dispõem de magníficos
catálogos, agora lançados.

O Fórum de Ciência e Cultura da Universidade Federal do Rio de Janeiro
acolheu os trabalhos do seminário Artifícios e Artefactos, um cruzamento de
olhares entre a literatura e a antropologia. Falou-se de escolas de samba e dos
seus enredos; de poetas cantadores nordestinos e de literatura de cordel
(cruzando-os com Graciliano Ramos, Guimarães Rosa e Carlos Drummond de
Andrade); dos Impérios do Espírito Santo nos Açores, a sua arquitectura
e simbolismo, «o direito que o povo conquistou para si de ser também
imperador» (como salientou Luiz Fagundes Duarte) e que se estendeu
também a diversas regiões do Brasil; a viola ibérica que se tornou «caipira»; os
trajos no teatro de Gil Vicente; as artes tradicionais femininas na
correspondência da marquesa de Alorna; Manuel Bandeira «poeta
brasileiro,português, popular»; os lenços bordados; os olhares de Camilo e Torga sobre a tradição; os contextos e percursos de procura do popular, entre
outros temas. Histórias, textos, objectos, em diálogo de raízes comuns.

Quanto ao colóquio Fernando Pessoa - Outra vez te revejo, organizado em
homenagem ao pessoano José Blanco, encheu por completo a espantosa sala
de leitura do Real Gabinete Português de Leitura. Maria Alzira Seixo, que
coordenou a primeira sessão, deixou esta reflexão: «Vá-se lá imaginar o
que seria Portugal sem a santa Gulbenkian a proteger-nos durante meio
século» - tempo que designou, pessoanamente, como «era do desassossego».

Cleonice Berardinelli («a grande dama da cultura portuguesa no mundo»)
expôs detalhadamente as dificuldades e o entusiasmo posto na sua edição
crítica de Álvaro de Campos.

José Blanco, que se designou como simples «amador» dos estudos
pessoanos, apresentou diversas variações sobre o poeta: os inimigos de Fernando Pessoa (dos quais o maior é Allen Ginsberg); os disparates que se escreveram a seu respeito; as «ressurreições» do poeta; o mito do «poeta maldito», criado por Gaspar Simões; o caso da «misteriosa moça açoreana», Olga Maria Tavares de Medeiros, que aparece nas «comunicações mediúnicas» de Pessoa e que existiu realmente, conforme José Blanco demonstrou; e a fama póstuma de Pessoa na Internet (98 700 sites). E a concluir: «Dando a volta à célebre boutade de um inimigo de Pessoa, por ocasião do centenário, direi, não que Tanto Pessoa já enjoa mas antes Tanto Pessoa é coisa boa». Depois, Alberto da Costa e Silva ainda mostrou as heranças gregas, através de ingleses e franceses, na obra do poeta, assim como a influência dos parnasianos em Ricardo Reis. Seguiram-se outras oito comunicações sobre o poeta português contemporâneo que o Brasil mais admira.

Fonte: www.dn.lusomundo.net/noticia/


Tributo a um apaixonado pelo Brasil
A. C.


Na quarta-feira, 8, o Salão Pedro Calmon do Forum de Ciência e Cultura
da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) encheu-se para a entrega
do título de doutor honoris causa a José Blanco.

Perante o reitor e conselho universitário da UFRJ e representantes das
Universidade Clássica e Nova de Lisboa, Cleonice Berardinelli fez a
saudação do novo doutor, lembrando a sua «reconhecida competência em assuntos pessoanos» e o seu papel decisivo à frente do Serviço Internacional da Gulbenkian, nomeadamente no Brasil, apoiando a Cátedra Jorge de Sena
para Estudos Literários Luso-Afro-Brasileiros («um foco de irradiação das
culturas lusófonas») e a Cátedra Padre António Vieira de Estudos
Portugueses, diversos congressos, publicação de obras, restauro de
livros, edifícios e monumentos, concessão de numerosas bolsas, etc.

No seu discurso, José Branco sublinhou a coincidência da sua vida
profissional terminar no Brasil: «Dentro de poucos dias cessará o meu percurso de 43 anos ao serviço da Fundação Gulbenkian.» «O Brasil ocupa, desde o início, um dos primeiros lugares, se não o primeiro, entre os destinatários dos
programas da Fundação fora de Portugal» e «o meu único mérito foi, pura
e simplesmente, o de amar o Brasil». «Aquilo que aqui hoje nos reúne nada
mais é, afinal, do que o epílogo de uma história de amor de alguém que,
nascido em Portugal, se apaixonou pelo Brasil e teve a suprema sorte de lhe
terem sido facultados os meios de concretizar essa paixão.»

Fonte: www.dn.lusomundo.net/noticia/

 

Um Vasco da Gama mais "realista"

Encontro de Paris sobre o navegador e a Índia terminou ontem. A exposição na capela da Sorbonne tem sido "um êxito"

António Carvalho

Direitos reservados
FEITO. Gravura do século XVI mostrando a armada do Gama

E pronto, acabou a maratona Vasco da Gama em Paris, três dias de trabalhos, mais de 70 comunicações, debates e discussões permanentes. Uma iniciativa da Gulbenkian, que um dos seus administradores, José Blanco, considerou plenamente justificada nos seus objectivos, sobretudo como ponto de partida para "uma grande reformulação dos estudos históricos sobre Vasco da Gama e a índia, a fazer, a partir de agora, de uma maneira mais realista na aproximação dos problemas".

Quanto à exposição patente na capela da Sorbonne, tem sido um "êxito" no número de visitantes e na impressão que deixa, "justificando o esforço feito pela Gulbenkian em Paris".

Este é o ponto de vista da organização. Não necessariamente partilhado por todos os participantes - por exemplo, Sanjay Subrahmanyam, o polémico autor de The Career and Legend of Vasco da Gama (1997), que a Comissão dos Descobrimentos vai agora editar, pensa que esta conferência internacional foi mais importante para a divulgação, a visibilidade destas questões, do que para a investigação: "A maior parte dos participantes trouxeram trabalhos feitos e publicados há já cinco, dez e 15 anos, repetindo-os aqui..." Subrahmanyam acha que já "chega de conferências", é necessário investigar mais.

Este historiador indiano (que fala um português perfeito, aprendido em Nova Deli com um professor brasileiro) apresentou uma comunicação em que desenvolve um dos pontos do seu livro: sublinhou que Vasco da Gama foi sobretudo um nobre que fez oposição sistemática ao poder real e centralizador, com excepção de um curto período, no tempo de D. João III, em que aparece como homem forte. Certos documentos mostram que o Gama tinha um projecto de reconstituição do Estado da índia que passava pelo abandono da maior parte das fortalezas, a venda de Malaca e a manutenção apenas de Goa e Cochim - um projecto radical que não viria a ser seguido. Então, "para os bons imperialistas, Vasco da Gama não é uma figura emblemática" e, "se a sua ideia tivesse vingado, a história do Estado da índia teria sido diferente". Segundo Subrahmanyam, o Gama assume uma dupla importância: é necessário perceber o papel do mito criado em torno dessa figura para se compreender Portugal; a sua figura foi utilizada, manipulada como símbolo noutros lugares onde Portugal esteve presente. Como estudioso da história económica e social, Subrahmanyam não pode aceitar a velha ideia do século XIX, segundo a qual os grandes homens que faziam a História - esta resulta de processos sociais mais vastos e não tão personalizados, como o caso do Gama, "um mito exportado com sucesso para o mundo inteiro por Portugal".

Ontem, ainda, tivemos oportunidade de ouvir outras comunicações interessantes, como a de Hélder Carita, um dos portugueses que melhor conhecem a Índia e que se tem dedicado a estudar a arquitectura civil indo-portuguesa. Realçou, por exemplo, que, face ao sistema de castas, os portugueses tentaram constituir-se como uma casta superior, produzindo uma arquitectura que tivesse uma correspondência visível dessa suposta qualidade. O luxo e a ostentação, tantas vezes criticados, eram a necessidade de criar um discurso formal de poder e preponderância política compatíveis com os conceitos das culturas locais. Desse modo, a arquitectura indo-portuguesa vai apresentar uma vertente estética marcadamente simbólica. E também José Alberto Rodrigues Tavim se destacou pela abordagem de um tema muito especial, os judeus de Cochim. Embora Gaspar da Gama, o primeiro judeu que os portugueses conheceram na índia, tenha sido apresentado desde há muito como um caso quase singular do encontro entre dois mundos que se tinham separado na Península Ibérica, judeus e cristãos, já o cronista Gaspar Correia referia que a mulher de Gaspar da Gama doutrinava judeus que viviam em Cochim - de facto, existia ali uma verdadeira comunidade, como é atestado por diversos documentos da Torre do Tombo e que foram referidos por Tavim.

Fonte: dn.sapo.pt/noticia/

 

 

Um cidadão do mundo

Vasco Graça Moura

Um dia, em Bombaim, entrei numa loja para comprar umas lembranças para a família. De súbito, sobre o balcão, vi uma carta manuscrita e, para meu espanto, reconheci uma letra inconfundível. Disse ao dono da loja que era amigo daquele seu correspondente. «Oh, comentou com os olhos a brilhar, I'am so glad... He is a great man!»

Agora o great man cessa funções de administrador da Fundação Calouste Gulbenkian, depois de quarenta anos de casa e perto de três décadas no seu órgão de topo.

Falando no papel que a instituição teve em Portugal no já quase meio século da sua existência e fulanizando no bom sentido, pode dizer-se que a muito poucas pessoas a cultura portuguesa deve o que lhe deve a ele.

Para não falar da sua acção na área da música, das bolsas no estrangeiro às temporadas superlativas, o impulso que a Fundação deu à preservação, valorização e divulgação do património português no mundo, da Tailândia a Marrocos, da Índia ao Brasil, encontrou nele um entusiasta esclarecido, permanentemente empenhado, criativo e exigente.

E o mesmo aconteceu com a literatura portuguesa e a divulgação dos seus valores, por via dos apoios à tradução, à edição, a congressos, colóquios e outras iniciativas, um pouco por toda a parte.

Uma vez, contou-me que o Amor de Perdição tinha vendido 80 mil livros na China em poucos dias e, divertido, explicava assim o fenómeno: os jovens namorados chineses, com grandes dificuldades em casar e em arranjar casa, reviam-se no drama passional de Simão Botelho e Teresa de Albuquerque...

Sempre o vi incansável e ágil, cordial e desempertigado, qualquer que fosse a atmosfera em que se movia. Recupero mais alguns flashes com ele: a rir a bandeiras despregadas em Cochim com as histórias de 1961 do general Carlos Azeredo; a tocar piano acompanhando uma desgarrada tardia em S. Clemente, no Rio de Janeiro, no bota-fora de uma recepção; a viajar em Goa, sem perder a boa disposição e a levantar o moral «das tropas», num automóvel saído de um álbum do Tintin e que também transportava Afonso Patrício de Gouveia, Carlos Monjardino e o autor destas linhas; a aturar peticionários adesivos onde quer que se encontrasse; a discutir com autores e investigadores; a programar exposições e participações, em Frankfurt, em Paris, em Nova Iorque, em Lisboa; a corroborar, em Genebra, erguendo muito as sobrancelhas com o ar de quem ficara surpreendido pela ignorância contida na própria pergunta, a resposta que dei a alguém, de que o maior ensaísta português vivo era o Eduardo Lourenço; a ocupar-se de edições discográficas da Orquestra Gulbenkian; a decidir que esta fosse a Sevilha para a estreia mundial da Machina Mundi, de Emanuel Nunes; bibliófilo e bibliógrafo pessoano omnisciente, a dissertar nos areópagos do ramo e a publicar obras de referência; quase a estarrecer-se com o meu primeiro computador que lia textos em voz alta; a falar da música na obra de Eça, de parceria com Luís Santos Ferro; a tratar com responsáveis políticos e comunidades de emigrantes; a querer tornar o Centro Gulbenkian de Paris numa embaixada permanente da cultura portuguesa; a distinguir milésimos e bouquets dos vinhos de Bordéus; a mostrar o seu álbum de imagens da Guiné; a colaborar com a Comissão dos Descobrimentos...

Se há hoje um português de boa vontade a quem possa chamar-se «cidadão do mundo», esse é com certeza este meu velho amigo, de seu nome José Blanco.

Fonte: jornal.publico.pt/

 

 

Sob o Signo de Pessoa
Por EDUARDO LOURENÇO *


O culto que José Blanco votou à obra de Pessoa não fez dele apenas o mais exaustivo dos seus bibliógrafos. Condicionou a sua acção cultural ao serviço da Fundação Gulbenkian ao longo destes últimos 30 anos. José Blanco, na sua quase paixão idolátrica, percebeu que Pessoa, a sua obra, a sua mitologia, o romance mítico das suas máscaras, eram o mensageiro ideal para nos abrir as portas da cultura alheia, durante tantos anos quase inacessível. No encargo que a Fundação lhe deu tinha outros mensageiros e com mestria os soube utilizar, tão universais eram na sua comunicação, como a música e o bailado. Tornar visível, presente, a nossa criação poética, a nossa ficção, era mais difícil. A saga-Pessoa, com o tempo e com a irradiação do mito Pessoa para que pessoalmente também contribuiu, será para a nossa cultura, como a mítica "matéria da Bretanha".

Nessa disseminação da presença de Pessoa no mundo teve a acção de José Blanco um papel de relevo não apenas como autor de "Pessoa em Pessoa" mas como incentivador e responsável pela edição francesa das Obras Completas de "la Découverte" com introdução de pessoanos conhecidos como Teresa Rita Lopes, José Gil e outros. A França estava publicando então a preciosa edição "Bourgois" e essa iniciativa da "Difference" podia parecer pleonástica. Na verdade, a nova edição do editor português de Paris, Joaquim Vital, quase luxuosamente impressa, tinha uma originalidade: era dedicada apenas aos textos de Pessoa publicados em vida pelo autor da "Ode Marítima". Tomando essa opção José Blanco interinava uma velha ideia do biografo por excelência, de Pessoa, João Gaspar Simões. O romancista de "Eloi", não sem razão, sabia, melhor do que ninguém, que Pessoa não tinha morrido "inédito", como era costume dizer-se quando se evocava Pessoa. Para ele, Pessoa tinha publicado, em vida, o essencial. E se, pomos de parte textos do futuro "Livro do Desassossego", hoje tornados o núcleo da mitologia pessoana, Gaspar Simões tinha razão. José Blanco ilustrando essa constatação, afinal óbvia, punha Pessoa no seu estatuto certo - o de um autor pouco conhecido na altura da sua morte, mas já admirado por alguns "happy fews", entre os quais, o mesmo João Gaspar Simões e José Régio. Que mais do que ninguém tinham contribuído para que ele não fosse o autor "maldito", por inédito, da sua legenda nascente.

José Blanco não limitou apenas a bibliografia, ao acompanhamento erudito da edição de Joaquim Vital a sua quase romanesca paixão por Pessoa e, sobretudo pela sua vida menos real do que virtual. Como muitos outros, à sua maneira, viveu ludicamente a sua admiração pessoana. Não sendo romancista não podia servir-se dele como matéria de ficção, confessada ou indirecta como Saramago, Tabucchi, Agustina, e tantos leitores pelo mundo fora fascinados com a realidade "Borgesca" de Pessoa, polipeiro de "ficções" sem fim, pois nada há a ficcionar. Nada que tenha a ver com a sua vida embora tudo com a ficção que ele já era para si mesmo. José Blanco também não teatralizou a textualidade pessoana como outros "íntimos" de Pessoa o fizeram e, em particular, Teresa Rita Lopes. Mais modestamente, mas com graça, fez dele o "gadget" assumido do seu culto pessoano interessando-se menos pelas suas ideias ou visões, que pela sua realidade de personagem literária à procura de si mesmo.

Tomou-o à letra, em primeira instância, entrevistou-o, dissolveu-o um pouco na comédia cultural do seu tempo e nosso, converteu-o sem pretensão, em figura de banda desenhada, mas também em banda anúncio da sua peregrinação pelos diversos cantos do mundo onde Pessoa lhe podia servir de intercessor. Sem cálculo, pelo menos no início, o seu notável serviço em favor da presença da cultura portuguesa no Mundo, recebeu dessa referência a Pessoa uma dimensão e uma aura que a simples fidelidade ao interesse do pelouro que lhe fora confiado não exigia. Foi a sua escolha. E não foi má escolha pessoal e institucional. É um paradoxo que o poeta da inacção ou da acção fictícia tenha inspirado um tão activo missionário da nossa presença no único Quinto Império, o da Cultura mais ou menos onírica que deixámos onde a língua de Pessoa lhe deu a última demão. Mas o signo de Pessoa é como os desígnios de Deus: incompreensível e evidente.

*Ensaísta

Fonte: jornal.publico.pt/

 

 

José Blanco
Por EDUARDO PRADO COELHOO FIO DO HORIZONTE

ouve um período em que Portugal fez um enorme esforço para tornar visível a sua cultura no estrangeiro. Percebemos que era preciso e que era possível: da Europália à Feira do Livro de Frankfurt, passando pela Bienal do Livro de São Paulo, a Lisboa Capital Europeia da Cultura, o Porto Capital Europeia da Cultura, a Expo-98 ou a Feira do Livro de Paris, mobilizámos energias e recursos que tiveram os seus efeitos indiscutíveis. Quando o Nobel foi atribuído a Saramago, percebemos que tínhamos atingido um momento importante de um processo.

A nível oficial, o arranque da iniciativa deve-se muito a Teresa Gouveia, que desde que tomou posse procurou constituir equipas, a começar por aquela que terá sido a equipa de todas as equipas: a da Europália. Lamentavelmente, alguém de quem se esperava muito desapareceu de um modo brutal: José Ribeiro da Fonte. Mas outros continuam com papéis fundamentais na vida cultural portuguesa: Simonetta Luz Afonso está à frente do Instituto Camões, Miguel Lobo Antunes veio do Centro Cultural de Belém para a Culturgest, António Pinto Ribeiro esteve um longo período na Culturgest, Fátima Ramos é hoje conselheira cultural em Paris.

É verdade que persistimos em certos erros. Continuámos a sobrepor organismos e funções, incapazes de ter uma estratégia articulada, e sobretudo uma intervenção sustentada. Não criámos as condições para dar uma continuidade a iniciativas que fomos tendo. Veja-se o caso do Brasil, onde ainda não temos a presença forte e desenvolvida que se exigia da nossa parte.

Neste contexto, alguns organismos desempenharam uma função essencial. E um deles foi certamente o Serviço de Relações Internacionais da Fundação Calouste Gulbenkian, e em particular o Centro Cultural Calouste Gulbenkian em Paris (que teve à sua frente nomes tão diversos como Pina Martins, José Augusto França, Coimbra Martins, Maria de Lourdes Belchior e actualmente (mas penso que deverá abandonar o lugar proximamente) Francisco Bettencourt. Com uma biblioteca importantíssima para a cultura portuguesa em França, com a realização de colóquios que cruzam investigadores portugueses e estrangeiros (e que deram origens a volumes de actas que apenas pecam por um excesso de austeridade gráfica e uma distribuição deficiente), com exposições regulares de artistas contemporâneos, o centro teve nas suas instalações uma impressionante actividade. Mas teve também no exterior, apoiando quase tudo o que, no plano internacional, quer em termos de património português no mundo, quer em termos de iniciativas de criação artística, se ia realizando. À frente deste imenso trabalho, e a partir de certa altura com o apoio de João Pedro Garcia, esteve sempre José Blanco. No momento em que vai deixar o seu cargo de administrador da Fundação Calouste Gulbenkian, é justo que se diga que a ele se deve grande parte actual da visibilidade da nossa cultura. E a juntar a isto: é também um conhecedor exaustivo de Pessoa, capaz de intervenções imaginativas e fundamentadas

*professor universitário

Fonte: jornal.publico.pt/