Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


06-01-2014

PORTUGAL PRECISA DE VALORIZAR A SUA DIÁSPORA


Miguel Reis 

 

Não sabemos – ninguém sabe – quantos Portugueses somos em todo o Mundo, mas somos muito mais  do que os que vivem permanentemente em Portugal[1].

A diáspora de um povo só existe, aliás, quando corresponde a um dispersão em massa, distinguindo-se do fenómeno individualístico da deslocalização.

A diáspora é, também, por definição, uma dispersão de um povo por várias áreas de acolhimento distintas.

Nós, os Portugueses, estamos em todo o Mundo, mesmo que encobertos por outra identidade, como nos habituamos a fazer durante séculos.

Foi sempre assim, desde que a palavra grega foi usada com esta propriedade, referindo-se à diáspora do povo hebreu desde a Babilónia, no século VI a.C e, especialmente, depois da destruição de Jerusalém (70 d.C).

A primeira grande diáspora portuguesa é que está associada aos Descobrimentos.

Não terá sido por acaso que dois dos nosso mais importantes descobridores, Vasco da Gama e Pedro Alvares Cabral tinham profundas ligações com a judiaria, que começara a ser perseguida em Portugal, pouco antes das suas grandes aventuras (1492).

Gama aprendeu matemática com Abraão Zacuto, o grande geógrafo das descobertas do Século XV.

 

Cabral era, ele próprio, oriundo de Belmonte, um dos mais importantes centros judaicos portugueses, especialmente após a perseguição aos judeus espanhóis pelos Reis Católicos de Espanha.

Os Descobrimentos foram, em boa medida, uma diáspora de cristãos novos, encobertos pela cruz de Cristo e por um slogan – levar a fé de Cristo até ao fim do Mundo, como forma mais pragmática de fugir à Inquisição.

 Mas muitos outros fugiram e se dispersaram por todo o Mundo.

Relevo especial tiveram os que partiram para a Holanda e aí se organizaram para a experiência  da Nova Amsterdão do Nordeste Brasileiro (Natal)  e, depois, para fundação de Nova Iorque, a segunda Nova Amsterdão.

A palavra diáspora foi, desde sempre, associada a uma maldição. “Serás disperso por todos os reinos da terra” – como vinha da Bíblia.

 Stuart Hall[2] estudou a temática dos síndromes da diáspora, tendo  revelado o seguinte entendimento: “O conceito fechado de diáspora apoia-se sobre uma conceção binária de diferença. Assenta na construção de uma fronteira de exclusão e depende da construção de um “outro” e de uma oposição rígida entre o de dentro e o de fora.”

E acrescenta:

 “As configurações sincretizadas da identidade cultural requerem a noção derridiana[3] de  différance, uma diferença que não funciona através dos binarismos, fronteiras veladas que separam finalmente, mas são também places de passage e significados que são posicionais e relacionais, sempre em deslize ao longo de um espectro sem começo nem fim.”

Ao conceito de diáspora esteve sempre associada a lógica dicotómica do Bem e do Mal, da Sorte e da Desgraça, valendo o primeiro termo para a metrópole (Terra Prometida) e  o segundo para os lugares dos párias, dos expulsos ou repelidos pela sociedade.

Miguel Torga, que nasceu em São Martinho de Anta e emigrou para o Brasil, aos 13 anos, para trabalhar na fazenda de um tipo como capinador de café, vaqueiro e caçador de cobras, deixou-nos uma obra repleta de imagens desse sofrimento que marca os cidadãos de povos em diáspora.

Mas apontou caminhos para novos equilíbrios, superadores da lógica colonial que marcava a diáspora do seu tempo, o tempo em que integrou a colónia portuguesa do Brasil.

Escreveu ele:

“Creio que nunca te fiz uma confidência que respeitarás: o Rio é o meu S. Martinho de Anta da outra margem. O Pão de Açúcar que o assinala foi o negrilho de pedra que na infância ali me recebeu. De tal modo lhes quero e me sinto bem naquelas ruas, que uma igrejinha barroca interrompe ou um penedo ruraliza, que saltei na praça Mauá como se me apeasse no Eirô que me viu nascer.”

Mas logo após esta ilusão vêm o lancinante mal da lonjura e o trágico dilema dumainsatisfação agónica que resulta dum desejo de ficar e dum desejo de regressar.

Porém – anota Torga –  “regressar é despertar do sonho, é voltar as costas ao Sésamo real; ficar é prolongar o martírio”, o que deixa um homem, desde a primeira hora“fendido ao meio, fraturado como um cristal agredido por um golpe de vento cruel”.

Nos emigrantes – que é o que  agora se chama aos da diáspora – há “qualquer coisa de estilhaçado que grita pela unidade, e que não pode, por mais que queira, encontrar a paz dum só lar, dum só gosto, duma só enxada”.

Com esse sentimento, escreveu Torga:

“Confundo no mesmo espanto a Ursa Maior e o Cruzeiro do Sul, a flor do ipé e a do rosmaninho, a água do Doiro e a do Paraíba. Misturo tudo. E esse dualismo interior mortifica-me o coração. Torna-me inseguro e vulnerável. A minha unidade telúrica desintegrou-se. E convivem na mesma carcaça dois seres opostos. Um, europeu, de medidas greco-latinas; outro, americano, anárquico e transbordante.”

Para concluir que esta dualidade o levava a “gemer por Portugal no Brasil, e pelo Brasil em Portugal”, a “ougar num por alheiras, e no outro por feijão preto”, a “trazer o corpo e o espírito neste vaivém de grávida com desejos”.

 Depois da diáspora dos Descobrimentos, que semeou Portugueses por todo o Mundo, períodos houve em que a Pátria lusa foi muito áspera com os seus filhos, expulsando-os de casa, fora de qualquer empresa ou aventura, como se ali não tivessem lugar.

Ao mesmo tempo que criou dificuldades para que os Portugueses pudessem deslocar-se para  a colónias da África e da Ásia, o país criou, em diversas épocas, condições que forçavam os que quisessem ter melhor vida a emigrar,  em condições em que era praticamente imprevisível o regresso.

A primeira metade do Século XX foi marcada por  grandes vagas de emigração de portugueses para o Brasil e os Estados Unidos e Austrália.

Nos anos 60 e 70  emigraram centenas de milhar de Portugueses para França e continuou a emigração para os Estados Unidos e para o Canadá. Paris já foi a maior cidade portuguesa, antes de os Portugueses terem sido dissolvidos no caldo francês. Já antes tinham sido ali dissolvidos outros Portugueses como os Mendes da França, a quem os franceses batizaram de Mendés-France.

Com a descolonização, em 1975, muitos Portugueses das antigas colónias africanas regressaram a Portugal e outros dispersaram-se por todo o Mundo.

A partir de 2011 desenvolveu-se uma onda migratória que tem dispersados jovens portugueses, muito deles especialmente qualificados,  por todo o Globo.

Calcula-se que tenham emigrado entre 150 e 250 mil Portugueses por ano, nos últimos 3 anos, mas não há números minimamente rigorosos sobre essa realidade.

 Ao contrário do que aconteceu nos anos 60 do século passado, em que a emigração não autorizada era punida criminalmente, não só não há hoje nenhum controlo, como a emigração é aconselhada pelo Governo português.

Podemos dizer, com propriedade, que, pela primeira vez na História de Portugal, há uma politica pública que incentiva os Portugueses a sair do País, sem nenhum projeto na mão, à sorte, como se uma qualquer mão invisível operasse no sentido de que ele ficasse livre e devoluto para venda a terceiros[4].

Bem mais grave do que esta espécie de desígnio de despejo do País – sem dúvida adequada à desvalorização dos ativos portugueses, em que parece assentar a nova lógica do aumento de competitividade – são preocupantes os sinais de um desejo oculto de destruição de um Povo, para o reduzir à ínfima espécie, que é a expressão residual da população idosa que habita no espaço português.

O apelo de regresso  à Terra Prometida – que marcou a crise financeira do início da década de 70  – foi  agora substituído  pelo aliciamento de chineses, árabes e russos, a troco de um visto a que chamam Gold, que lhes dá o direito de residir no pais e de circular no Espaço Schengen, a troco de um investimento de 500 mil euros.

Segundo foi revelado, há dias, pelo vice-primeiro-ministro Paulo Portas, foram emitidos 477 vistos, a que corresponderam investimentos de cerca de 306 milhões de euros.

Não temos nada contra chineses, russos ou árabes com dinheiro. Mas consideramos que o resultado é um valor  manifestamente insignificante e de proveito mais do que duvidoso.

Só as remessas dos emigrantes portugueses ultrapassam os 2.500 milhões de euros anuais e não representam, nem de longe nem de perto os valores reais que os Portugueses da diáspora aportam ao País.

Temos aconselhado empresários e profissionais liberais portugueses, residentes no estrangeiro, a faturar os seus serviços, prestados em todo o Mundo, através de entidades sedeadas em Portugal, pois que o Estado lhes garante a tributação  a uma taxa liberatória que se pode considerar razoável (25%).

Estes impostos, decorrentes de atividade desenvolvida no estrangeiro não são contabilizados como remessas de emigrantes, representando, porém, valores muito elevados.

Os valores do património imobiliário em Portugal atingiram níveis baixíssimos.

Se o Governo quisesse resolver, de forma rápida, uma boa parte dos problemas do setor imobiliário,  bastaria que incentivasse e facilitasse a aquisição de imóveis pelos Portugueses residentes no estrangeiro.

A isenção de IMT e de IMI, à semelhança do que ocorreu nos anos 80, e a recuperação da ideia de contas-poupança dos Portugueses da diáspora seria muito bem recebida em todas as comunidades espalhadas pelo Mundo e rejuvenesceria essa ideia de que continuamos a existir como Povo.

Do mesmo modo, seria bem vinda a total isenção de impostos sobre os juros de depósitos feitos pelos residentes no estrangeiro em bancos portugueses.

Nada perderia o Estado com tal isenção. E ficaria melhor na fotografia.

Infelizmente, o ano de 2013 foi um ano muito negativo para os Portugueses da Diáspora.

Salienta-se, de positivo, a publicação da Lei Orgânica nº 1/2013, de 29 de julho, que permite que seja concedida a nacionalidade portuguesa aos descendentes dos judeus sefarditas portugueses, perseguidos desde o Século XV, desde que comprovem a tradição de pertença a uma comunidade sefardita portuguesa.

O Regulamento da Nacionalidade Portuguesa deveria ter sido alterado até 29 de outubro de 2013, de forma a que a lei pudesse entrar em vigor, mas nada aconteceu, o que indicia que estamos perante uma mera manobra politica, para agradar o lobbyjudaico.

O que de mais negativo verificamos no ano de 2013 foi o acumular de manifestações de discriminação racial dos Portugueses da diáspora.

 Como é sabido, a nova conceção de discriminação racial não assenta em critérios de cor de pele, mas, essencialmente, em critérios de discriminação cultural, de preconceito[5].

Consideramos especialmente chocante a argumentação que tem vindo a aprofundar-se nos tribunais, no sentido de rejeitar a entrada na comunidade portuguesa dos familiares estrangeiros de cidadãos portugueses, desde que eles não tenham sido assimilados pela sociedade portuguesa, entendendo-se por sociedade portuguesa a que é constituída pelos Portugueses de Portugal.

Conhecemos casos de estrangeiros/as ilustres, casados com cidadãos portugueses  há mais de 3 anos, por vezes há décadas, pais e mães de nacionais portugueses, que são impedidos de adquirir a nacionalidade portuguesa apenas porque são estrangeiros e não se mostram assimilados pela comunidade portuguesa.

 As posições assumidas pelo Ministério Público e pelos tribunais relativamente a estes cidadãos são adequadas a que eles ou se divorciem dos cônjuges portugueses ou tudo façam para que as respetivas famílias cortem as suas relações com Portugal.

Nesse sentido me parece que  este fenómeno – injustificadamente silenciado em todo o espetro dos partidos parlamentares e pelo quase defunto Conselho das Comunidades Portuguesas – indicia o recrudescimento de uma tendência de marginalização dos Portugueses da diáspora, como se se pretendesse que eles desaparecessem ou se desligassem, definitivamente, de Portugal.

 No ano de 2013 foi especialmente chocante o aumento do número de ações propostas pelo Ministério Público contra a aquisição da nacionalidade portuguesa por crianças, filhas de Portugueses naturalizados, especialmente pessoas que adquiriram a nacionalidade por serem netos de nacionais portugueses.

A perseguição aos Portugueses da Índia continuou em 2013, como se ali se estivessem a fazer experiências a adotar noutras partes do Globo.

Em outubro foi posta a correr a notícia de que o governo português se preparava para alterar a Lei da Nacionalidade, de forma a excluir a possibilidade de os descendentes dos Portugueses da Índia continuarem a adquirir a nacionalidade portuguesa.

O The Economic Times foi mesmo mais longe, afirmando que a Embaixada de Portugal em Nova Deli tinha aconselhado o governo a deixar de emitir passaportes para os Portugueses do antigo Estado da Índia.

O Times of Índia deu noticia de que a mesma Embaixada tinha mesmo recomendado que deixasse de ser garantida a nacionalidade portuguesa aos descendentes desses Portugueses.

As noticias foram desmentidas no Heraldo, depois de termos denunciado o  seu conteúdo como uma inaceitável  postura de discriminação racial.

 Verdade é que nunca há fumo sem fogo.

Sobre a discriminação de que são vítimas os Portugueses da Índia, apresentei em 2010 uma queixa contra o Cônsul Geral de Portugal em Goa, por factos que reputo gravíssimos.

Entre esses factos relevo, especialmente, o de ter sido eu próprio impedido de entrar no Consulado Geral de Portugal em Goa, apesar de me ter identificado como advogado, inscrito na Ordem dos Advogados Portugueses.

Soube em 2013 que  o processo foi “abafado”, não tendo sido dado qualquer seguimento à queixa.

Haja ou não um plano para excluir os Portugueses da Índia de exercer os seus direitos,  por via de alterações legais, a verdade é que essa exclusão é feita já, de forma assumida, pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros.

Objetivamente, invocando até problemas de segurança interna, como se pudesse estar contra os próprios Portugueses, o MNE aceita, pacificamente, que o Consulado Geral de Portugal em Goa, não admita a entrada dos cidadãos portugueses nas suas instalações sem uma marcação prévia, não prevista em nenhuma lei.

Para pedir um cartão de cidadão o prazo para a simples marcação de data pode  ultrapassar os 60 dias.

Isto no tempo do Governo de Passos Coelho, que fez das permanências consulares um instrumento de propaganda e das máquinas para a recolha de dados um fabuloso negócio para os fornecedores.

 É absolutamente inaceitável que 13 anos sobre o início do Século XXI assistamos a uma tamanha barbárie.

Portugal, com uma população envelhecida, governada por geração leviana e incompetente, desaparecerá como Pais se destruir, como está a destruir o seu Povo.

Portugal só teria a ganhar se valorizasse a sua diáspora, em vez de continuar a discriminar os Portugueses, como ainda foi feito recentemente pelo Presidente da República[6].

É inaceitável a ideia de que há emigrantes Portugueses de luxo , 1ª e de 2ª e ainda mais essa outra de que a diáspora deve aproveitar-nos numa lógica utilitarista de rede de propaganda, mantendo-se os seus elementos à distância e fora dos projetos de investimento, como se os desejados fossem só os estrangeiros.

Só que não sabe o que é que ser emigrante é que não compreende a ofensa que essa lógica importa.

Portugal só teria a ganhar se, em vez de nos tratar como indesejados, apelasse aos Portugueses residentes no estrangeiro a investir no País e a aproveitar as suas estruturas para o transformar no País de Futuro.

São  Paulo, 31 de dezembro de 2013

Miguel Reis

miguel-reis@lawrei.com

 

[1]  Há quem diga que somos 40 milhões os Portugueses e luso-descendentes até à terceira geração.

[2] HALL, Stuart.Da Diáspora: Identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: UFMG, 2008 p. 32-3.)

[3] JACQUES DERRIDA, Da linguagem à escritura, da escritura como transbordamento

[4] A primeira declaração nesse sentido foi difundida em 31 de outubro de 2011, pela agência Lusa que  emitiu uma notícia, citando o secretário de Estado do Desporto e da Juventude, Alexandre Mestre,  a afirmar que “se estamos no desemprego, temos de sair da zona de conforto e ir para além das nossas fronteiras”.

Poucos dias depois, a 19 de novembro, afirmava o ministro Miguel Relvas, no Parlamento: “Quem entende que tem condições para encontrar [oportunidades] fora do seu país, num prazo mais ou menos curto, sempre com a perspetiva de poder voltar, mas que pode fortalecer a sua formação, pode conhecer outras realidades culturais, [isso] é extraordinariamente positivo“, afirmou.

 “Nós temos hoje uma geração extraordinariamente bem preparada, na qual Portugal investiu muito. A nossa economia e a situação em que estamos não permitem a esses ativos fantásticos terem em Portugal hoje solução para a sua vida ativa. Procurar e desafiar a ambição é sempre extraordinariamente importante”. 

Em entrevista ao Correio da Manhã, em dezembro de 2011, afirmou Passos Coelho:

“Angola, mas não só Angola, o Brasil também, tem uma grande necessidade ao nível do ensino básico e do ensino secundário de mão de obra qualificada e de professores.Sabemos que há muitos professores em Portugal que não têm nesta altura ocupação e o próprio sistema privado não consegue ter oferta para todos. Nos próximos anos haverá muita gente em Portugal que ou consegue nessa área fazer formação e estar disponível para outras áreas ou querendo-se manter, sobretudo como professores, podem olhar para todo o mercado de língua portuguesa e encontrar aí uma alternativa”.

[5] Nos termos da Convenção Internacional para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial, a expressão “discriminação racial” visa qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferencia fundada na raça, cor, ascendência, origem nacional ou étnica,  que tenha como objetivo ou como efeito destruir ou comprometer o reconhecimento, o gozo ou o exercício, em condições de igualdade, dos direitos do homem e das liberdades fundamentais nos domínios político, económico, social e cultural ou em qualquer outro domínio da vida pública.

[6] Veja-se, a titulo de exemplo, a noticia publicada no site da Rádio Renascença