Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


14-05-2014

PRATO COM DNA BRASILEIRO POR: RITA TAVARES


PRATO COM DNA BRASILEIROChefs de prestigiados restaurantes estimulam a produção de ingredientes desconhecidos ou desprezadosPOR: RITA TAVARES  /  05/05/2014FOTO SERGIO COIMBRA
Quando o biólogo Douglas Bello começou o plantio de árvores frutíferas nativas em Paraibuna (SP), imaginou que atrairia o interesse de profissionais de turismo ou do meio ambiente, já que recuperaria espécies da Mata Atlântica. Errou. Hoje, seus grandes incentivadores são os chefs de cozinha em busca de produtos novos e de qualidade. Se as frutas forem desconhecidas ou esquecidas, como baru e cambuci, melhor ainda, porque o resgate dá um diferencial aos pratos e até ao restaurante.

A demanda crescente fez com que sitiantes vizinhos passassem a valorizar árvores, como a jabuticabeira, e mesmo a plantar espécies nativas, como pés de uvaia. Bello fornece mudas, ensina como cuidar da planta e dá garantia da compra. Na colheita, vende as frutas processadas, como polpa congelada ou geleia, produzidas no próprio sítio. “É uma discussão do Brasil pela gastronomia. Não vejo isso acontecer com tanta força em outros setores”, diz o biólogo, que já plantou 6 mil árvores de 50 espécies.

Histórias semelhantes estão acontecendo com muitos pequenos produtores que trabalham afinados com o pessoal das cozinhas. Quando dá uma garfada em algo desconhecido ou desprezado, o cliente pode estar resgatando um elemento da cultura nacional. A jabuticaba, por exemplo, aparece na Carta de Pero Vaz de Caminha. E o cambuci deu nome a um bairro paulistano, uma vez que o lugar era repleto dessa fruta muito suculenta, que matava a sede de quem vencia longas travessias.

Até a industrialização, o brasileiro comia sem problemas carnes silvestres, como queixada e paca. Mas os hábitos mudaram e o paladar também. Na última década, no entanto, cresceu a produção em cativeiro desses animais e, novamente, o pilar de sustentação foram os chefs. Ao servir esses pratos, os restaurantes estão, obviamente, vendendo um produto, mas atuando também como agentes de um resgate cultural.
Pérolas sertanejas
No Recife, o chef Claudemir Barros, do Wiella Bistrô, criou um cardápio de degustação com plantas e frutas do sertão, mas não havia quem fornecesse os ingredientes. O sertanejo tem vergonha dessas espécies, que foram ou são consumidas em tempos de seca e associadas à miséria. Nasceu, assim, o projeto Plantar Ação, em que Claudemir incentiva o plantio, indo periodicamente a algumas regiões para contatos e palestras. Outra iniciativa, a do Projeto Quintais, ajudou a reforçar a lista de fornecedores.

“Existem pérolas na terra seca para a gastronomia brasileira”, afirma o chef, que oferece, na degustação, um prato que leva facheiro – espécie de cacto destinada à alimentação do gado no Nordeste. Mas usada pelo sertanejo para fazer um doce que tem gosto semelhante ao do mamão. O chef só fala que é facheiro depois que o cliente já comeu. “Do contrário, não aceitariam. O preconceito é grande”, explica. Mas no Chile e no México, come-se facheiro.

No ano passado, os chefs Ana Luiza Trajano, do Brasil a Gosto, e Alex Atala, do D.O.M, lançaram, respectivamente, os livros Cardápios do Brasil e Redescobrindo ingredientes brasileiros, em que apresentam ingredientes que a maioria de nós nunca ouviu falar. Falam de priprioca (raiz), bacuri (fruta) e jambu (folha), entre outros. Há seis anos, um chef de Brasília apresentou aos colegas do Sudeste a baunilha do cerrado goiano – vulgo baunilha de macaco. Foi um furor, já que poderia substituir as favas importadas, caríssimas. Até hoje continua sendo apenas um sonho, porque não ocorreu sequer a domesticação da planta selvagem.

Em compensação, o Instituto Socioambiental e a Organização Indígena da Bacia do Içana (AM) conseguiram estruturar, no ano passado, a produção da Pimenta Baniwa Jiquitaia – uma “farinha de pimentas” com sal, feita por mulheres Baniwa. É uma recuperação importante, já que o sistema de roçados indígenas do Rio Negro foi tombado como patrimônio cultural.

Mas nem sempre o chef vai atrás de um sabor desconhecido da Amazônia ou do Cerrado para renovar sua cozinha. Roberta Sudbrack, cujo restaurante no Rio de Janeiro leva seu nome, explora, a cada ano, um ingrediente novo (a maioria prosaico), mas elaborado com refinamento e técnica. Muitos clientes nunca tinham comido quiabo, por exemplo, e pediram para conhecer o legume. Nessa viagem de redescobertas, ela sempre diz que os fornecedores devem ser reverenciados.

Pérolas sertanejas
No Recife, o chef Claudemir Barros, do Wiella Bistrô, criou um cardápio de degustação com plantas e frutas do sertão, mas não havia quem fornecesse os ingredientes. O sertanejo tem vergonha dessas espécies, que foram ou são consumidas em tempos de seca e associadas à miséria. Nasceu, assim, o projeto Plantar Ação, em que Claudemir incentiva o plantio, indo periodicamente a algumas regiões para contatos e palestras. Outra iniciativa, a do Projeto Quintais, ajudou a reforçar a lista de fornecedores.

“Existem pérolas na terra seca para a gastronomia brasileira”, afirma o chef, que oferece, na degustação, um prato que leva facheiro – espécie de cacto destinada à alimentação do gado no Nordeste. Mas usada pelo sertanejo para fazer um doce que tem gosto semelhante ao do mamão. O chef só fala que é facheiro depois que o cliente já comeu. “Do contrário, não aceitariam. O preconceito é grande”, explica. Mas no Chile e no México, come-se facheiro.

No ano passado, os chefs Ana Luiza Trajano, do Brasil a Gosto, e Alex Atala, do D.O.M, lançaram, respectivamente, os livros Cardápios do Brasil e Redescobrindo ingredientes brasileiros, em que apresentam ingredientes que a maioria de nós nunca ouviu falar. Falam de priprioca (raiz), bacuri (fruta) e jambu (folha), entre outros. Há seis anos, um chef de Brasília apresentou aos colegas do Sudeste a baunilha do cerrado goiano – vulgo baunilha de macaco. Foi um furor, já que poderia substituir as favas importadas, caríssimas. Até hoje continua sendo apenas um sonho, porque não ocorreu sequer a domesticação da planta selvagem.

Em compensação, o Instituto Socioambiental e a Organização Indígena da Bacia do Içana (AM) conseguiram estruturar, no ano passado, a produção da Pimenta Baniwa Jiquitaia – uma “farinha de pimentas” com sal, feita por mulheres Baniwa. É uma recuperação importante, já que o sistema de roçados indígenas do Rio Negro foi tombado como patrimônio cultural.

Mas nem sempre o chef vai atrás de um sabor desconhecido da Amazônia ou do Cerrado para renovar sua cozinha. Roberta Sudbrack, cujo restaurante no Rio de Janeiro leva seu nome, explora, a cada ano, um ingrediente novo (a maioria prosaico), mas elaborado com refinamento e técnica. Muitos clientes nunca tinham comido quiabo, por exemplo, e pediram para conhecer o legume. Nessa viagem de redescobertas, ela sempre diz que os fornecedores devem ser reverenciados.

Vinagre de cana
“Sou um produto do campo”, atesta o chef Alberto Landgraf, do premiado restaurante paulistano Epice. Tempos atrás, ele quis trocar o vinagre importado pelo nacional, mas não havia bons substitutos. Lembrou-se de uma fábrica em Assis (SP) que tinha lhe oferecido mais de 30 versões, mas nenhuma atendia às suas necessidades de um vinagre com pouca acidez.

Ao procurar quem apoiaria o desenvolvimento de um bom vinagre nacional, Landgraf pensou na Retratos do Gosto. A empresa, que nasceu de uma parceria de Atala com alguns sócios, valoriza o pequeno produtor. Desde o final de 2013, o projeto está sob o comando exclusivo do chef e, agora, também do instituto ATÁ, que, entre muitas metas, busca incentivar a estruturação e a pesquisa de produtores com potencial.

Após um ano de trabalho e muitos encontros entre chefs e o produtor, nasceram dois tipos de vinagre: o de cana-de-açúcar e o de mel, que são feitos com ingredientes de fácil acesso e sazonalidade, o que dá garantia de produção contínua e preço acessível. Enquanto comandava esse trabalho, Landgraf visitou o Nordic Food Lab, na Dinamarca, que é focado em alimentos, e trocou ideias sobre o vinagre em produção aqui.

“O mais difícil foi encontrar equilíbrio: ou era ácido em excesso ou doce demais”, relata. Em breve, o produto deve chegar às prateleiras, mas já está sendo usado no Epice. Para isso, Landgraf tem parcerias sólidas com os fornecedores, cujos nomes são listados no site do seu estabelecimento. “Todos os restaurantes deveriam mostrar de quem compram os ingredientes.”

Fubá da infância
Assim como fez com o vinagre, a Retratos firmou parcerias para outros produtos: Atala é o padrinho do mini arroz de Pindamonhangaba (SP) e  Heloisa Bacellar, do Lá da Venda, é madrinha das farinhas de milho e das granolas. “O chef apadrinha o produto, emprestando a imagem dele e certificando a qualidade”, resume Bruno Labegalini Zucato, coordenador do trabalho da Retratos. Ele age para vencer a “distância abissal” entre mundos distintos, o do chef de cozinha e o do produtor rural, e resgatar identidades perdidas.

No caso das farinhas, Heloisa procurava derivados de milho com alta qualidade – item em falta no mercado. Quando a Retratos foi a campo, à procura de uma alternativa sugerida pela chef, localizaram a fecularia Nossa Senhora das Brotas, em Lindóia (SP), que faz um produto artesanal a partir de milho cultivado na região desde 1959. “Minha avó usava essa marca de farinha e fubá”, recorda-se Zucato, referindo-se às receitas feitas na casa de uma família numerosa, na cidade de Monte Sião, no sul de Minas. A partir daí, a empresa de Atala lançou quatro produtos: farinha de milho, fubá, fubá de milho branco e canjica. Os dois primeiros já eram vendidos, os outros dois, não. No livro do chef do restaurante D.O.M, também consta o miniarroz, único no mundo, produzido pela Ruzene, expert em arroz especial de vários tipos. A partir da constatação de que o cultivo do tipo agulhinha, o mais consumido no Brasil, era mais produtivo no Sul do país do que em São Paulo, o engenheiro Francisco Ruzene se voltou para alternativas. Começou com o arroz preto. Depois, vieram o vermelho e outros mais. Até chegar na produção do miniarroz, que, como o nome sugere, é o menor grão do mercado e, segundo os chefs, é ideal para ser preparado ao dente (durinho). Apesar da resistência inicial, muitos agricultores da região partiram para o mesmo caminho e a tendência é de que os rizicultores do Vale do Paraíba (SP) abandonem o agulhinha.


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