Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


12-09-2007

Alguns dos melhores cientistas portugueses são brasileiros


Este artigo, no ano em que se comemoram os 200 anos da mudança da corte portuguesa para o Brasil, é dedicado aos nossos leitores desse país, que são cada vez em maior número.

Quando se fala de países da Lusofonia, isto é, do grande espaço da língua portuguesa (e o Acordo Ortográfico está aí de novo!), é forçoso referir o maior deles todos - o Brasil. A partir de Setembro de 1822, o Brasil seguiu o seu próprio caminho ("Dizei ao povo que fico" disse D. Pedro I do Brasil, quando tomou a sua decisão histórica). Poucos devem ter sido os países que começaram dessa forma, com o reino-pai a dar pacificamente a independência ao reino-filho. Assim, os livros de história brasileira têm logo no início uma parte de história que é também portuguesa.

Antes da independência do Brasil, o território brasileiro integrava um vasto império com a capital em Lisboa (a capital foi durante alguns anos no Rio de Janeiro). A única universidade do império era a de Coimbra. Os espanhóis, em contraste, souberam promover escolas superiores em terras de além-mar. Havia, portanto que vir do ultramar à "alma mater", na cidade do Mondego, quando se pretendia obter um curso superior. Pela universidade de Coimbra passaram então alguns brasileiros, que ganharam justa fama na ciência. Portugal não se pode orgulhar de ter tido muitos cientistas notáveis à escala mundial. Mas, alguns dos maiores cientistas portugueses são brasileiros, isto é, nasceram em terra brasileira antes da independência, tendo estudado e trabalhado na metrópole. Alguns deles voltaram mais tarde à sua terra. Passemos em revista alguns - há mais! - dos protagonistas mais famosos da ciência luso-brasileira dos séculos XVIII e XIX: um pioneiro das viagens em balão, um explorador-naturalista e um mineralogista-metalurgista. Todos eles conseguiram ir mais longe: mais acima. mais além, mais fundo.

Bartolomeu de Gusmão

Quem entrar na zona de partidas do aeroporto de Lisboa, eventualmente para ir de Lisboa até ao Rio de Janeiro ou São Paulo, encontrará um grande painel de azulejos dedicado ao Padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão (1685-1724), o "Padre Voador" (ver imagem) e criador da "Passarola". Ora, esse padre nasceu em Santos, no estado de São Paulo, no Brasil. Ficou famosa a sua experiência realizada no paço real de D. João V sobre a elevação no ar de um aeróstato. Será pura lenda que tenha construído e viado na "Passarola". Mas o certo é que passou pela Universidade de Coimbra. E que morreu relativamente novo, no exílio (fugindo à Inquisição), tendo sido sepultado na cidade espanhola de Toledo.

Rómulo de Carvalho reclama para Gusmão a invenção dos balões e tem provavelmente razão:

"Sem forçarmos a nota de patriotisamo podemos afirmar que Bartolomeu de Gusmão foi o inventor dos aeróstatos. Não há dúvida nenhuma sobre a efectivação das suas experiências em Lisboa, durante as quais fez subir, no ar, alguns balões feitos de arames, papel grosso e madeira fina. Também não há dúvida de que se serviu do fogo para os faszer subir. Seriam, portanto, balões de ar quente."

Só muitos anos depois se voou em balão, mas a ideia e o protótipo remontam a Gusmão.

Alexandre Ferreira

Há anos esteve exposta na Universuidade de Coimbra (e também foi mostrada no Mosteiro dos Jerónimos, em Lisboa) uma notável exposição de máscaras da Amazónia, que pertencem ao Museu de Antropologia de Coimbra (hoje integrado no Museu da Ciência da Universidade). Essas máscaras, belíssimas, foram recolhidas numa "viagem filosófica" feita na vasta floresta amazónica entre 1783 e 1792 pelo naturalista Alexandre Rodrigues Ferrreira (1756-1813). Ora Alexandre Ferreira era brasileiro, nascido em São Salvador da Baía. Estudou em Portugal, na Universidade de Coimnbra, onde foi fortemente influenciado pelo naturalista italiano Domingos Vandelli, que tinha sido contratado para lente de Filosofia Natural pelo marquês de Pombal, no quadro da chamada Reforma Pombalina (iniciada em 1772 com a criação das Faculdades de Filosofia e de Matemática). Depois ocupou um lugar no Jardim Botânico da Ajuda, de onde partiu em expedição à sua terra-natal. A viagem na Amazónia, longa e atribulada, foi um dos empreendimentos mais notáveis que os portugueses protagonizaram no Brasil. Os desenhos dos "riscadores" José Joaquim Freire e Joaquim José Codima são verdadeiramente notáveis. Vandelli tinha solicitado ao rei que, na expedição, que inicialmente se previa que integrasse apenas matemátios para efectuar "demarcações" (chamar-lhes-íamos hoje engenheiros-geógrafos) "se fizesse completa pela associação de alguns Filósofos Naturalistas e de um Desenhador, os quais tendo nessas ciências feito um curso teórico e prático, sem se distraírem com outras aplicações, pudessem fazer com que Portugal não invejasse aos estrangeiros uma glória, para a qual se apresenta uma tão bela ocasião."

O resultado - relatos, desenhos e objectos - da viagem de descoberta faz hoje parte da ciência luso-brasileira e faz as invejas dos estrangeiros...

José Bonifácio de Andrada e Silva

Quem subir pela escadaria principal do Colégio de Jesus, um edifício reformulado pelo Marquês de Pombal, na Universidade de Coimbra (no largo que hoje tem o nome de Marquês e onde se pode visitar o Museu de Ciência), encontrará no primeiro andar a entrada para o Departamento de Ciências da Terra da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra. Nele pode visitar o Museu de Mineralogia e Geologia (hoje também parte do Museu de Ciência), onde sobressai uma notável colecção de minerais que tem o nome de José Bonifácio de Andrada e Silva (1763-1838). Ora José Bonifácio era, tal como Gusmão, natural de Santos, no Brasil. Estudou em França, viajou pela Europa (descobriu o mineral do lítio) e chegou a lente de Metalurgia e Hidráulica da Universidade de Coimbra. Hoje, no Laboratório Chimico que constitui a sede do Museu de Ciência, encontra-se um forno metalúrgico que deve ter sido usado por ele. Na parte final da sua vida regressou à sua terra, onde foi contemporâneo dos primeiros tempos da independência do Brasil (tomou até parte activa no processo). O sábio, numa sessão da Academia de Ciências de Lisboa, interrogava-se "se porventura podem os usos caseiros e a lição dos livros excitar com a mesma força os nossos sentidos e engravidarmo-nos a mente, como faz a intuição de mil objectos novos", respondendo ele próprio, com convicção, que "não, por certo, senhores. A alma do viajante observador dilata-se, extasia-se a cada passo que dá pelo universo. Outras leis, outros costumes, outros céus, outras línguas, outra indústrias e produções excitam de contínuo a sua atenção e fecundam-lhe o espírito com mil ideias, novas e atrevidas".

Ora aqui temos uma afirmação que ilustra bem o método científico: A observação fecunda o espírito!