Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


18-07-2014

Existem Cidades Burras? José Abrantes Menas, Angola


JOSÉ MENA ABRANTESExistem Cidades Burras?
José Abrantes Menas, Angola:Malange1945, poeta,dramaturgo e jornalista

17.05.2014 •

Estão em curso em vários países acções em busca do conceito de ‘cidade inteligente’ (smart city), que, entre outros, deverá atender a itens como inovação, sustentabilidade, inclusão, gestão e conectividade.Por um acaso de ordem profissional, estive na passada semana em Curitiba, uma das cidades brasileiras mais bem colocada para integrar a Rede de Cidades Inteligentes. A primeira vez que por lá passei foi em 2008, para participar com os integrantes do Elinga no festival de teatro que todos os anos aí se realiza.A todos nós, na altura, surpreendeu a extensão das suas zonas verdes, a ordenada circulação dos transportes públicos, as dezenas de teatros em actividade e, em geral, o ambiente agradável dos diferentes espaços urbanos. Não por acaso, Curitiba era então considerada a ‘capital ecológica’ do Brasil.Nesta ultima passagem constatei que a cidade perdeu entretanto esse estatuto, e que é agora, na síntese de Thomas Badia Diego, uma cidade “congestionada, poluída, socialmente desequilibrada e violenta” (Le Monde). Um dos exemplos que ele dé refere-se à taxa de homicídios, que ultrapassa hoje a casa dos 20 por 100 mil habitantes, quase o dobro do verificado em S. Paulo.Na véspera da minha chegada tinha terminado a Conferência Internacional de Cidades Inovadoras (Cici), onde especialistas em urbanismo e mobilidade urbana tinham debatido durante três dias o “fim do mito curitibano” e a necessidade da cidade “reinventar a sua marca”. Para discutir a recriação de um novo conceito para a cidade, mais criativo e inovador, cerca de duas mil pessoas se inscreveram para participar nos fóruns, palestras e painéis do evento, desde jovens estudantes até empreendedores na área de tecnologia e ambientalistas, que apresentaram propostas divididas em eixos como “mobilidade urbana, infra-estruturas, tecnologias sociais, empreendedorismo, viver a cidade e eficiência”.Um participante se destacou, o austríaco Pablo Hundi, representante de uma comunidade internacional de negócios e projectos que procura promover impacto positivo na sociedade. Segundo ele, “um ecossistema de inovação ideal é formado por espaços físicos abertos, estimulantes e criativos, que favorecem a inovação e o empreendedorismo por meio do fluxo de ideias”.Hundi defendeu que os espaços públicos devem estar voltados para “o compartilhamento de ideias e a convivência interpessoal”, acrescentando que “precisamos pensar nas cidades inteiras como espaço de inovação, mais ligado ao vivenciar quotidiano de cada um na cidade do que ‘as intenções de políticos e grandes empresários”.Para um morador de Luanda, as críticas feitas a Curitiba são absolutamente surreais. Excluindo a nota negativa dos homicídios, o que resta é uma cidade com trânsito fluido, com faixas exclusivas para os transportes públicos, com ruas e avenidas largas, com parques e jardins, com equipamentos sociais modernos, etc. E mesmo assim ainda não estão satisfeitos?Imagine-se então o que toda essa gente diria da esquizofrénica capital angolana, onde se constrói abusivamente em espaços destinados a outros fins, onde se desperdiçam horas em engarrafamentos sem fim, onde os poucos parques e jardins são destruídos ou privatizados, onde o ar se vai tornando cada vez mais irrespirável, onde a poluição sonora não poupa ninguém, onde a água da chuva decide quem deve ou não sair à rua, etc.Numa palestra recentemente feita no Elinga-Teatro, a arquitecta Ângela Mingas referiu que Luanda se encontra já em “colapso ambiental” quase irreversível e outras vozes têm denunciado a falta de um plano director e de gestão urbana, o desrespeito pelo património edificado da cidade, o exagero e desequilíbrio volumétrico dos novos edifícios, a progressiva destruição dos espaços de convívio, de cultura e de lazer.Se o “espaço de inovação”, o “compartilhamento de ideias” e a “convivência interpessoal” podem definir a ‘cidade inteligente’, podemos daí concluir que Luanda é uma ‘cidade burra’? Ou será apenas uma cidade vítima de políticas públicas inconsequentes, do desleixo e desinteresse de muitos dos seus habitantes e de interesses imobiliários que ferem a inteligência de qualquer um e desprezam não só a sua história e identidade, mas também o bem-estar, a interacção e a criatividade de quem nela escolheu ou se viu obrigado a morar?http://www.redeangola.info/opiniao/?cronista=2893