Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


23-07-2014

Tudo o que precisam de saber sobre… a Guiné Equatorial e a CPLP Nuno T. Pinto


É um dado adquirido: amanhã, 23 de Julho, a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) vai crescer. Em tamanho, poderio económico e polémica. Tudo graças à entrada de um novo membro na família originalmente unida pela língua portuguesa: a GuinéEquatorial. Na cimeira que se realiza em Díli, Timor Leste, os chefes de Estado e de Governo deverão seguir a recomendação feita a 20 de Fevereiro pelos ministros dos Negócios Estrangeiros e aprovar a adesão do país governado há 34 anos por Teodoro Obiang Neguema. Será o culminar de um processo que começou há oito anos e que poderá transformar a CPLP numa organização mais orientada para os interesses económicos. Isto é tudo o que precisam de saber sobre o país – e a forma como conseguiu entrar na organização lusófona.Não consegue encontrar a Guiné Equatorial num mapa? Não se preocupe. Primeiro: não deve ser o único. Segundo: não é fácil. Localizado no Golfo da Guiné, o país divide-se em quatro: uma zona continental (onde estáa ser construída uma nova sede de governo, Malabo II) e as ilhas de Bioko (onde fica a capital, Malabo), Annobón (que é separada da principal por São Tomé e Príncipe) e Corisco. Para todos os efeitos, é um pequeno país: tem 28 mil metros quadrados e cerca de 700 mil habitantes. Portugal tem 92 mil metros quadrados e 10 milhões de pessoas. Mas é também um gigante económico: em 2013 teve um Produto Interno Bruto per capita de 18.800 euros (o português foi de 16.800 euros), o mais alto do continente africano. Estes valores devem-se à produção de cerca de 318 mil barris de petróleo por dia, que fazem da Guiné Equatorial o terceiro maior exportador da África sub-saariana, atrás da Nigéria e de Angola.Descoberto em 1472 pelo navegador português Fernando Pó, o território foi entregue a Espanha três séculos mais tarde através dos tratados de Santo Ildefonso e de El Pardo. Já no século XX, os territórios foram unificados na Guiné Espanhola. A República da Guiné Equatorial como a conhecemos obteve a independência a 12 de Outubro de 1968. Nas primeiras – e únicas – eleições livres no país, a população elegeu Francisco Macias Nguema presidente. Fez mal: o novo governante instaurou um regime ditatorial que se celebrizou pelas execuções de opositores. Muitas delas públicas. No Natal de 1975, por exemplo, cerca de 150   adversários foram executados no estádio de Malabo por soldados vestidos de Pai Natal. Os poderes que dizia ter e que proviriam de um crânio mágico não foram suficientes para o salvar: a 3 de Agosto de 1979 foi deposto por um golpe de Estado liderado pelo seu sobrinho, Teodoro Obiang Nguema, que era então responsável pela prisão de Praia Negra. Francisco Nguema foi julgado numa sala de cinema onde foi colocado numa jaula suspensa no tecto para “evitar usar os seus poderes”. Condenado à morte, foi executado nesse mesmo dia. Teodoro Obiang ficou com o crânio mágico.A situação política do país não melhorou nos anos seguintes. Pelo contrário. Teodoro Obiang continuou a reprimir a oposição, passou a governar por decreto, foi acusado pelos adversários de canibalismo, instalou um regime de partido único onde a liberdade de imprensa não existe: além da televisão e rádio públicas, os únicos operadores privados pertencem ao seu filho mais velho “Teodorin”Nguema Obiang.O país começou a suscitar o interesse internacional na década de 1990 com a descoberta de grandes reservas de petróleo e gás natural. As grandes companhias instalaram-se rapidamente na Guiné Equatorial. Mas apesar de, em 2003, a rádio estatal ter declarado que Teodoro Obiang está“em permanente contacto com o todo-poderoso”, a opinião pública ouviu falar pela primeira vez no pequeno Estado africano após a tentativa falhada de golpe de estado levada a cabo em 2004 por mercenários sul-africanos e que envolveria Mark Tatcher, o filho da primeira-ministra britânica, Margaret Tatcher.Dois anos depois, Teodoro Obiang começou a aproximar-se da CPLP. Em Junho de 2006 obteve o estatuto de observador associado e passou a assistir às cimeiras da organização. Com o objectivo de se tornar um membro de pleno direito, no ano seguinte o presidente da Guiné Equatorial anunciou que o português se tornaria a terceira língua oficial do país, após o espanhol e o francês. Ninguém o levou muito a sério. Até que, em 2010, Angola, por iniciativa de José Eduardo dos Santos, colocou a questão em cima da mesa.Os dois chefes de Estado conhecem-se há muito, chegaram ao poder quase em simultâneo e desenvolveram uma relação pessoal. Angola queria também afirmar-se como uma potência regional no Golfo da Guiné. O governo português de então, liderado por José Sócrates, tinha-se mostrado disposto a aceitar a situação. E foi com essa expectativa que Teodoro Obiang viajou para Luanda para participar na cimeira da CPLP de Julho de 2010. Três dias antes da reunião aprovou mesmo um decreto que reconhece o português como língua oficial. No entanto, pouco antes do encontro, o presidente da República, Cavaco Silva, manifestou o seu desconforto com a eventual adesão.Apesar de a política externa ser uma competência do governo, há um entendimento de que na CPLP (como nas cimeiras Ibero-Americanas) o presidente tem uma palavra a dizer. O impasse só foi ultrapassado após reuniões bilaterais à margem do encontro, lideradas por José Sócrates, e a sugestão por parte do então ministro dos Negócios Estrangeiros, Luís Amado, da adopção de um plano de acção com três componentes: o português ser a língua oficial; haver um ensino efectivo da língua e aprovação de uma moratória à pena de morte. Se as condições fossem cumpridas, Portugal retiraria a sua oposição. Obiang não gostou. José Eduardo dos Santos também não. Mas aceitaram.Nos dois anos seguintes não houve avanços. Até os telegramas enviados pela diplomacia da Guiné Equatorial para a CPLP eram escritos em espanhol. Não foi, por isso, muito difícil a Portugal manter a posição na cimeira de Maputo no Verão de 2012. Mas a pressão aumentou. O Brasil, Timor e São Tomé e Príncipe juntaram-se a Angola na defesa da adesão. Em Maio de 2013 José Eduardo dos Santos terá mesmo garantido a Teodoro Obiang que o país entraria na CPLP em 2014. A revelação foi feita, em espanhol, pelo presidente da Guiné Equatorial numa conferência de imprensa no final de uma visita a Luanda.Ao mesmo tempo, o filho mais velho do presidente da Guiné Equatorial, Teodoro Nguema Obiang tornou-se presença regular nas páginas dos jornais. E não pelos melhores motivos. Entre 2004 e 2011, já como ministro da agricultura, e com um salário de cerca de seis mil dólares, “Teodorin”, como é conhecido, terá gasto cerca de 314 milhões de dólares. Nos Estados Unidos, entre as suas aquisições estão um relógio avaliado em 1.2 milhões de dólares, um Ferrari por 532 mil dólares, objectos que pertenceram a Michael Jackson (como uma luva branca) por 496 mil dólares e uma mansão em Malibu avaliada em 35 milhões, que foram palco de festas épicas que incluíam um tigre branco.O filho do ditador tinha viajado para os Estados Unidos pela primeira vez em 1991 para estudar na Universidade de Pepperdine, na Califórnia. As despesas foram pagas pela petrolífera Walter Oil & Gas, uma das primeiras a explorar os recursos naturais do país. Vinte anos depois, em 2011, o departamento de justiça norte-americano confiscou-lhe bens no valor de 70 milhões de dólares alegadamente obtidos através de esquemas de corrupção e desvio de dinheiro pertencente ao povo da Guiné Equatorial. No ano seguinte foi a vez da justiça francesa emitir um mandado de detenção em nome de “Teodorin”ao abrigo de uma investigação por lavagem de dinheiro. Na sua mansão de seis andares em Paris foi apreendida uma colecção de automóveis avaliada em 10 milhões de dólares. Para evitar a sua detenção, Teodoro Obiang nomeou o filho representante do país junto da UNESCO, para lhe dar imunidade diplomática. Depois nomeou-o segundo vice-presidente do país, um cargo que não estáprevisto na constituição.Para tentar credibilizar o regime e obter aceitação internacional, Teodoro Obiang não tem poupado esforços. Nem dinheiro. Em 2008 doou três milhões de dólares para a atribuição de um prémio científico pela UNESCO. A designação inicial causou polémica o galardão só foi entregue pela primeira vez três anos depois, quando Obiang aceitou retirar o seu nome da distinção. Já este ano ofereceu à Organização das Nações Unidas um edifício construído na nova capital, Malabo II. O prédio foi recebido pelo próprio secretário-geral Ban Ki Moon. Doou também 30 milhões de dólares para impulsionar a a criação do Fundo de Solidariedade para a Luta contra a Fome em África.Na CPLP, para evitar o isolamento, o actual governo adoptou uma postura pró-activa. Em Dezembro a presidente do Camões, Instituto da Cooperação e da Língua, Ana Paula Laborinho, deslocou-se a Malabo e, em Janeiro, foi a vez do secretário dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação visitar o país. Na ocasião, Luís Campos Ferreira assinou vários protocolos para a formação de professores e de pessoal da administração pública e para o apoio à tradução de documentos. Detalhe: foi a primeira vez que o país de Obiang assinou acordos apenas em português. O próprio presidente estará a aprender a língua, em aulas dadas por um professor brasileiro. A única escola onde se ensina a lingua é mesmo o Instituto Brasileiro. Por outro lado, o site oficial do governo da Guiné Equatorial continua a ter apenas três versões: em espanhol, francês e inglês.Em Fevereiro, pouco antes de Rui Machete partir para Maputo para participar na reunião ministerial da CPLP, o Ministério dos Negócios Estrangeiros foi informado de que a Guiné Equatorial teria aprovado uma suspensão da pena de morte. O encontro, no dia 20, confirmou-o: Agapito Mba Mokuy, chefe da diplomacia de Malabo, anunciou que 72 horas antes tinha sido adoptada, com efeitos imediatos, uma suspensão da pena capital. Não disse que duas semanas antes o governo tinha executado quatro pessoas (algumas organizações internacionais falam em nove). Mas foi o suficiente para os ministros recomendarem aos chefes de Estado e de Governo a “adesão da GuinéEquatorial como membro de pleno direito”da CPLP.Fevereiro foi mesmo um mês em cheio nas relações entre Lisboa e Malabo. No dia cinco, o Banif, presidido por Luís Amado, revelou a assinatura de um memorando de entendimento com a GuinéEquatorial que poderá levar à entrada de uma empresa do país africano no capital do banco. Se possível, esse investimento chegaria aos 133,5 milhões de euros – mas até agora não se concretizou. Dois dias depois, o embaixador da Guine Equatorial em Lisboa, José Chubun assinou, na sede do escritório de advogados Cuatrecasas, a escritura de compra e venda de um palacete na Avenida João Crisóstomo por cinco milhões de euros. E a 28 do mesmo mês o representante diplomático adquiriu em nome do seu país mais dois imóveis na capital portuguesa, ambos no Restelo: um por cinco milhões de euros, outro por 2.250.000 euros.Curiosamente, mesmo após a adesão, a Guiné Equatorial será o único estado membro da CPLP onde Portugal não tem uma embaixada. A representação diplomática é assegurada pela embaixadora em São Tomé e Príncipe, Paula Cepeda. E pelo consul honorário Manuel Azevedo. Em compensação, já este ano os dois governos chegaram a acordo para a abertura de uma linha aérea directa entre as respectivas capitais. A ligação deverá ser assegurada pela White Airways, uma companhia portuguesa que representa a transportadora aérea guineense, Ceiba, que está impedida de viajar para a Europa.Neste momento, são várias as empresas portuguesas já presentes na Guiné Equatorial. A Galp tem uma participação na exploração de hidrocarbonetos. A EDIFER, a Soares da Costa e a Mota Engil tem há muito interesses e projectos. O gabinete de arquitectura Miguel Saraiva e Associados e o escritório de advogados Miranda Correia Amendoeira e Associados têm escritório em Malabo. Negócios que se espera que estejam apenas no início com a adesão da Guiné Equatorial à CPLP.https://ntpinto.wordpress.com/tag/guine-equatorial/