Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


22-11-2014

"... e viva Portugal! ":Carlos do Carmo ao receber Grammy latino Francisco S Costa


Foi assim que Carlos do Carmo terminou ontem o seu agradecimento público, ao receber o "Grammy" latino, no Estados Unidos. Por cá, o galardão foi recebido por alguns com sobranceiro desdém (não é nessa pessoa que estou a pensar, palavra!), numa reação por onde perpassou um sectarismo político pouco disfarçado.

 

Carlos do Carmo é um homem de esquerda. Nunca o escondeu. Não sei, porém, se os mais trauliteiros e "talassas" amantes do fado alguma vez já lhe agradeceram aquilo que ele, no auge da Revolução de abril, fez pela nossa canção. 

 

O ambiente radical da época levou alguma gente a identificar o fado com a ditadura e a ver, nas letras melancólicas e no "choradinho" da lua a rimar com a rua, um Portugal que era necessário arquivar definitivamente no passado. Na altura, o "nacional-cançonetismo" foi na enxurrada (a democracia trouxe, entretanto, o "pimba" e não ficámos a ganhar) e tudo o que não fosse baladismo contestatário e com "mensagem" estava fora do tom. O fado passou então as passas do Algarve, ridicularizado por uns, acusado por outros. Era qualificado como a canção do SNI, um saudosismo patético acompanhado à guitarra, um bolor musical do Estado Novo. Eu, que sempre gostei daqueles fados de fazer chorar as pedras da calçada, com letras simplórias, machistas e bem popularuchas, vi-me à época "gozado" por amigos que me olhavam com piedade, sem perceberem como é que eu compatibilizava o meu esquerdismo como o gosto pelo "Não venhas tarde" do Carlos Ramos. Como diz um amigo meu, bem "reaça", nessa altura só se salvava o "Nem às paredes confesso", porque parecia evocar os interrogatórios da PIDE, então muito no "l'air du temps"...

 

E foi então gente como Carlos do Carmo, foram pessoas como José Carlos Ary dos Santos, ambos tributários de uma forte imagem de esquerda, quem acabou por dar "legitimidade" política ao fado, que ajudou a tirá-lo do gueto em que o extremismo revolucionário o tinha procurado acantonar. Só um cantor e um poeta de esquerda o poderiam ter feito. É claro que o fado, cedo ou tarde, viria aí de novo, mas Carlos do Carmo é "culpado" por lhe ter dado a mão quando ele passou pelas ruas da amargura...

 

Convém lembrar isto neste momento, importa saudar Carlos do Carmo, o seu fantástico percurso, a grande dignidade da sua carreira. Como ele disse sobre o país que tão bem representa... e viva Carlos do Carmo!

 Francisco Seixas da Costa

 

http://duas-ou-tres.blogspot.pt/2014/11/e-viva-portugal.html