Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


21-12-2014

Efeméride Os três grandes CARLOS HEITOR CONY


Os três grandes

São Paulo, domingo, 08 de julho de 2001

 

LISBOA - Estão mais ou menos juntos. Camões em sua praça, monumental e histórico. Fernando Pessoa mais prosaico, numa mesa daqueles botequins antigos que ainda existem nesta cidade. E, descendo um pouco, Eça de Queirós, com um jeito nobre e sacana, estendendo um véu de mármore, cobrindo com a sua fantasia a nudez forte da verdade e da mulher.
Pode ser que, para os portugueses, essa Santíssima Trindade que os brasileiros veneram seja polêmica. Na poesia, são muitos os que preferem Garrett, na prosa, Camilo ou Herculano, gosto é gosto.
Mas para nós, brasileiros, Camões, Eça e Pessoa são coisas nossas, como o samba e outras bossas. Aprendemos os dois Camões, o lírico e o épico. O épico pede maturidade e estudo. O lírico ainda é o mais simples, o mais doméstico dos nossos poetas. Recitamos, ou melhor, revivemos Camões em nosso cotidiano, mesmo sem saber que o estamos citando. Um não sei quê, que nasce não sei onde, vem não sei como e dói não sei por quê. Mais servira se não fora para um tão longo amor tão curta a vida.
Pessoa é figurinha fácil hoje em dia. E não apenas em Portugal e no Brasil. Chegam a colocá-lo acima de Camões, o que é exagero, mas tudo bem, desde que a alma não seja pequena.
Eça é discutido em Portugal, mas amado no Brasil. Recentemente, na exposição pelo centenário de sua morte, vi uma foto do pracinha Celso Furtado, que integrava a Força Expedicionária Brasileira. Ele passava por Lisboa, muito jovem e bonito, e fez questão de tirar a foto ao lado do monumento ilustre.
Quantos brasileiros não fizeram o mesmo? Dizem que um mineiro, na altura do quinto gole de pinga, começa a cantar ""Elvira escuta". Um bom brasileiro, quando desce às cavernas de seu gosto e de sua alma, esbarra no mefistofélico João da Ega, no pusilânime Dâmaso Salcede, no retumbante Conselheiro Acácio.
Eça é mais nosso que de Portugal.

 

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz0807200105.htm