Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


25-02-2016

Historia de Angola


Alberto Oliveira Pinto

A mais completa “História de Angola” acaba de sair pela mão do historiador. Um trabalho de cinco anos que serve de mote a esta conversa.

Por Marta Lança (texto), Ana Brígida (fotos).

213

0

Ana Brígida/RA

Alberto Oliveira Pinto[ Ana Brígida/RA ]

RELACIONADAS

Sul-africana detida em Maputo por tráfico de droga•Manifestantes mortos na África do Sul•Ex-presidente do Egipto desafia o juiz•UE vai intervir nos conflitos da RCA•O 4º Observatório de África, América Latina e Caraíbas na Gulbenkian•

Dedicou cinco anos à pesquisa e escrita desta História de Angola, usando fontes orais, escritas e arqueológicas. Prefere falar de factos do que de figuras e sabe que o historiador tem um pouco de psicanalista, mas sobretudo de cientista. História de Angola, da pré-história ao início do século XXI saiu agora em Portugal mas muito em breve será editada em Angola, para estudantes e curiosos, como forma de repor alguma veracidade nos mitos e conhecer a ligação entre os tempos.  Esta conversa com o historiador Alberto Oliveira Pinto vai aguçar o apetite, tanta é a curiosidade por entender melhor o país.

 

Como caracteriza a pertinência desta obra no contexto historiográfico africano: como se pode escrever e ensinar a partir de uma perspectiva africana?

Da mesma forma que em qualquer parte do mundo: tendo sempre a preocupação do conhecimento e secundarizando o positivismo tecnocrático.

 

Em que medida veio romper com a clássica organização “pré-colonial”, “colonial” e “pós-colonial”, como afirma o professor Elikia M’bokolo, no prefácio ao seu livro?

Ele próprio responde à sua pergunta, afirmando que a minha História de Angola é uma história narrativa. No entanto, e ele também o acrescenta e eu próprio falo disso permanentemente, nomeadamente na Nota Prévia, não é exclusivamente narrativa, mas também interrogativa e desconstrutivista de mitos. Acrescento o que escrevi na Nota Prévia: “desde Heródoto que a História é acima de tudo analítica e, pelo menos desde o Romantismo, tem uma função explicativa e interrogativa não meramente narrativa dos factos”. O historiador é, portanto, um cientista, e não um jornalista nem um cronista.

 

Porque colocou como termo do seu eixo temporal o ano de 2002?

Porque acho que, se fosse escrever sobre os 14 anos que desde então decorreram, não estaria a fazer história e sim jornalismo. E, repito, não sou um jornalista e sim um historiador. Em todo o caso, se o leitor ler com atenção os meus capítulos sobre os tempos recuados, verificará frequentíssimas similitudes com os tempos actuais. Angola foi sempre alvo de interesses estrangeiros e as elites angolanas, pelo menos desde o século XVII, sempre emergiram dessas lutas de interesses.

 

Por exemplo?

Um caso muito nítido é a chamada “conquista do Kwanza”, por Paulo Dias de Novais, no último quartel do século XVI. Assistimos à disputa pelo corredor do rio Kwanza, como centro de escoamento de mercadorias para o mercado internacional – naquele tempo a mercadoria era sobretudo o escravo –, entre grupos de interesses de unidades políticas angolanas, vulgarmente designadas por sobas, e grupos de interesses privados e faccionados portugueses que, por sua vez, se digladiavam com os interesses estatais portugueses. Havia alianças de uns lados e de outros consoante as conveniências. Mas, muitos outros momentos houve similares à actualidade. É só ler o livro!

 

Há uma persistente vertente mitológica na História de Angola. 

Convém distinguir entre duas conotações de “mitos”. Por um lado, os da tradição oral, que simbolizam a história das linhagens na memória oral angolana. Esses são tratados, sobretudo, nos três primeiros capítulos. Esses são a história. Por outro lado, há as ideias feitas, ou os imaginários, que são normais e compreensíveis na história de qualquer povo. Em Angola e Portugal existem, entre outros, os “mitos coloniais”, ou, como me ensinou a professora Isabel Castro Henriques, a “cultura colonial”.

 

Frase Alberto Oliveira Pinto 2Que mitos conseguiu desmontar ou tornar mais inteligíveis?

Cabe ao historiador desmontar os mitos, pois o historiador é o psicanalista da sociedade. Não necessariamente destruí-los. Desmontá-los apenas, para que nos conheçamos melhor uns aos outros. E, do meu ponto de vista, pese embora o esforço de muitos colegas nestas últimas décadas, continuam a persistir em Angola e em Portugal, de modo escandaloso, silêncios da história que urge quebrar e falar abertamente: o colonialismo, o tráfico de escravos, o racismo, o degredo… É urgente serem estudados logo no ensino básico e não, como vi há tempos um pretenso historiador dizer na televisão, retirá-los da universidade. Pelo contrário, há que reforçar, em Angola e em Portugal, o estudo destas matérias. Aliás há que reforçar nestes dois países – falo neles porque sou cidadão de ambos, mas acho que o problema é global – o estudo das Ciências Humanas, que têm sido votadas ao desprezo na última década.

“Alguns romancistas acabam por se tornar historiadores. Creio que, inconscientemente, foi o que aconteceu comigo próprio.”

 

A literatura angolana tem desempenhado um papel documental que contribui para a ilustração de alguns episódios da História. Pode destacar alguns autores?

Desde o século XIX que a literatura angolana teve um papel fundamental na afirmação da identidade angolana, começando logo na imprensa da segunda metade do século, com autores como Cordeiro da Matta, Arantes Braga e José de Fontes Pereira. Ao longo de todo o século XX, a literatura angolana foi riquíssima, começando em Assis Júnior e Óscar Ribas e culminando em José Luandino Vieira. Mas tenho que sublinhar que nos 40 anos que decorreram após a independência, face aos silenciamentos da história, os autores de romances históricos – entre os quais me incluo, com Mazanga e Travessa do Rosário, mas de entre os quais destaco Henrique Abranches, Pepetela, Arnaldo Santos, Jorge Arrimar e tantos outros – têm (temos) tido um papel fundamental, substituindo-nos aos historiadores. Mas isso não pode ser sempre assim. Por isso, acho eu, alguns romancistas acabam por se tornar historiadores. Creio que, inconscientemente, foi o que aconteceu comigo próprio.

 

Que figuras do tempo colonial tiveram mais protagonismo em Angola? 

Alberto Costa Pinto_006_Ana Brigida

“A minha tendência é sempre para os desmitificar [aos grandes homens] e mostrar os seus defeitos”

É mais fácil, para mim, enunciar factos do que figuras. Embora na minhaHistória de Angola me detenha com aspectos biográficos de figuras marcantes – não apenas figuras políticas, mas também, por exemplo, cronistas como Cadornega (século XVII), Elias Alexandre da Silva Corrêa (século XVIII) e tantos outros, laicos e eclesiásticos, inúmeros missionários -, sempre fui contra a chamada “história dos grandes homens”. A minha tendência é sempre para os desmitificar e mostrar os seus defeitos. Como dizia o meu saudoso professor Alfredo Margarido, é preciso levar as figuras históricas ao bar ou ao restaurante, porque são pessoas como nós. E agora, no prefácio, o professor Elikia M’Bokolo sublinha bem a importância da história dos homens e das mulheres comuns: “Se a história escrita não consegue falar de ‘toda a gente’, então é a história de quê?”

 

“O povo é o peão do xadrez da História de Angola”

 

 

E pensa ter conseguido essa abordagem mais problematizante e não dos vencedores?

Cabe aos leitores julgá-lo. Aliás, a esse propósito, queria falar da capa do livro, concebida pelo designer Henrique Branco a partir de um jogo de xadrez de arte kikongo que adquiri em 1997 em Luanda, no Mercado do Benfica. Se reparar na capa, a figura em evidência é o peão do xadrez, ou seja, o povo. Embora a capa seja muito bonita e significativa, palpitou-me logo que nem toda a gente se ia aperceber desta simbologia. Por isso, nas páginas das epígrafes, acrescentei, a uma frase de Plutarco que se mantém bem actual, uma outra frase que atribuí a um angolano da minha idade chamado Monasanji. Monasanji significa Pinto – o meu nome – em kimbundu. É um pseudónimo que de vez em quando uso quando me quero esconder modestamente, o que é raro em mim. Mas já é a segunda vez que utilizo o Monasanji na epígrafe de um livro meu. A outra foi no meu romance Travessa do Rosário, em 2001. Agora Monasanji afirma: “O Povo é o peão do xadrez da História de Angola”.

 

“Se reparar na capa, a figura em evidência é o peão do xadrez, ou seja, o povo.”

Que factos salienta como mais decisivos para a História de Angola durante a presença portuguesa, a partir de 1490 e até meados do século XIX?

Durante esse longo período, Angola foi construída na base do tráfico negreiro, acentuado depois de 1530 com a criação das capitanias do Brasil e da exploração do açúcar. Intervieram portugueses e angolanos. Alguns factos relevantes foram: a formação dos presídios do Kwanza, iniciados com Paulo Dias de Novais em 1575; a aliança entre os Imbangala e os Portugueses no início do século XVII; a coligação de Estados africanos liderada pela rainha Njinga Mbandi entre 1635 e 1648; as campanhas militares de Luís Lopes de Sequeira, o “Mulato dos Prodígios”, que desmantelou os Estados do Congo, do Ndongo, do Libolo e da Matamba; a terrível guerra civil no Congo na viragem para o século XVIII, que teve repercussões financeiras entre os comerciantes de todo o território de Angola; por fim, é de assinalar a Independência do Brasil em 1822, que marcou uma viragem decisiva na política colonial portuguesa em relação a Angola e também em relação a São Tomé.

 

E posteriormente a 1850 até ao colonialismo tardio mais próximo do nosso tempo?

A Conferência de Berlim de 1884/1885 legitimou a partilha dos territórios africanos pelas potências europeias. Antes Frase Alberto Oliveira Pinto 1já se assistia a uma imposição britânica, adveniente do abolicionismo, o que em Angola se centra muito na figura do governador Pedro Alexandrinho da Cunha, entre 1843 e 1848. No primeiro quartel do século XX, a grande figura do colonialismo é, sem dúvida, Norton de Matos. Aliás a grande política colonial portuguesa é feita com a Primeira República. O salazarismo mais não fez do que organizar. Mas o salazarismo deu também a conhecer os grandes escritores coloniais, como Henrique Galvão, que acho que também são figuras de relevo. Enfim, muito mais haveria a dizer…

 

Como vê a relação da História de Angola com a História do Mundo e as dinâmicas da globalização ao longo do tempo?

Antes da presença europeia, os Estados africanos que integravam o que viria a ser Angola já tinham relações comerciais e diplomáticas entre si, ao nível do continente africano. A presença europeia, através do tráfico negreiro, legitimado pelo Cristianismo, mais não fez senão conseguir que os Estados angolanos se internacionalizassem. Se ler com atenção o meu livro, verificará que a preocupação de todos os soberanos do Congo depois de se cristianizarem é a de enviar embaixadas à Europa, primeiro ao Papa e depois a outros países que nada têm a ver com Portugal. A própria rainha Njinga Mbandi, quando em 1648 se vê desprovida do apoio holandês e também do conguês – mercê do início do desmoronamento do Reino do Congo – acede em ser recristianizada pelos Capuchinhos italianos e em assinar acordos de paz com Portugal; mas imediatamente enviou embaixadas à Santa Sé que a projectaram no mundo.

 

Esclareça aos nossos leitores a diferença entre Estados” africanos ou “nações” africanas?

A diferença entre os conceitos de “nação” e de “Estado” é a mesma em qualquer parte do mundo e em todos os tempos. Uma “nação” é um conjunto de pessoas ligadas pela mesma cultura, pelas mesmas tradições, pela mesma língua… Um Estado é uma organização política que implica uma nação, um território e ainda a existência de elites que controlam os meios de produção e a distribuição dos excedentes pelas populações. O evolucionismo darwinista entendeu que havia povos mais evoluídos do que outros e, por isso, uns estariam em condições de ser organizados em Estados e seriam chamados “nações”. Outros, menos evoluídos, não o conseguiriam e por isso não teriam dignidade para ser designados por “nações” e sim por termos redutores como “etnia” ou “tribo”. Mas tudo isso é uma falácia, como sabe, embora ainda muito utilizada actualmente, nomeadamente no discurso dos economistas e dos empresários, quando distinguem entre “desenvolvidos” e “sub-desenvolvidos”.

 

Frase Alberto Oliveira Pinto 3A confluência de várias nações e de povos, tempo e necessidades tão diferenciados num só território que se ambiciona enquanto Estado-Nação tem trazido algumas situações discriminatórias. É uma herança complicada?

Tenho uma opinião pessoal sobre o assunto. Acho que a confluência de várias nações e povos em Angola é um problema de somenos importância. Aliás, até é um ganho! Todas as nações, em qualquer parte do mundo, se constroem com essas misturas. A questão da pluralidade de povos – que mais não é do que um eufemismo que pretende exprimir exactamente o que o discurso colonial chamava “tribalismo” – serve, tal como no tempo colonial, para disfarçar o verdadeiro problema de Angola e da maior parte dos países da África Subsariana: o neo-colonialismo e a manutenção das estruturas coloniais, seja ao nível interno, seja ao nível externo ou global, com a diferença de que hoje os colonialistas não têm identidade, são grupos de interesses económicos extremamente perigosos enredados numa teia muito complexa.

 

Alberto Costa Pinto_002_Ana Brigida

“O verdadeiro problema de Angola e da maior parte dos países da África Subsariana: o neo-colonialismo e a manutenção das estruturas coloniais.”

 

Que zonas mais cinzentas da História de Angola ficaram por esclarecer?

Ocorrem-me a história dos Estados Bantu a sul do Planalto Central antes do século XIX, nomeadamente os Ovimbundu. Mas hoje mesmo lembrei-me de outras. Por exemplo, não falo em nenhum momento da importância do desporto em Angola. Sobretudo o basquetebol, que merecia uma história autónoma! E também o xadrez, de que Angola foi e poderá voltar a ser campeã. Para segundo e último plano deixo o futebol, que acho um desporto desprezível e sobre o qual cito Brigitte Bardot: “basta dar uma bola a cada jogador e o problema está resolvido”.

 

O que poderia desenvolver acerca da história dos Estados Bantu, mais concretamente os Ovimbundu?

Só a arqueologia pode explicar se as hipóteses de provirem de migrações mbundu, levantadas, entre outros, pelo historiador norte-americano Joseph C. Miller, fazem ou não sentido.

 

Seria importante incentivar mais estudos arqueológicos em Angola?

Sem dúvida que sim. Mas, como sabe, a arqueologia é uma ciência ingrata, pois contende sempre com os poderes locais. Não é fácil fazer arqueologia num país pejado de refinarias de petróleo e de jazidas de diamantes.

 

Quando será o livro lançado em Angola?

Logo que a Mercado de Letras Editores tenha um parceiro editorial entre os editores angolanos, o que será para muito em breve.

 

Quais foram as suas condições de trabalho e principais fontes?

Trabalhei regular e quase diariamente na minha biblioteca. Quanto às fontes, houve que contar com as orais, escritas e arqueológicas. E remeto para o que eu próprio escrevi na Nota Prévia ao livro: “Era inevitável a consulta de uma plêiade de autores que, muito antes de mim, se debruçaram sobre incontáveis momentos e temáticas da História de Angola. No entanto, num livro deste género, era-me impossível, por cada vez que os citasse, recorrer ao habitual expediente da nota de rodapé. Além de redobrar o número total de páginas, já por si assaz extenso, criaria, como soe dizer-se, obstruções à fluência da leitura. Mas tive a preocupação de fundamentar todas as minhas afirmações e de, frequentemente, mencionar os autores e as obras que me serviram de fonte, os quais o leitor encontrará devidamente inventariados na bibliografia apresentada a páginas finais”.

TAGS: Adriano MixingeÁfricaAlberto Oliveira PintoElikia M’BokoloEstadoFactosHistóriaHistória de AngolaImpériosNaçãoNarrativaPós-colonial

http://www.redeangola.info/novo-livro-sobre-a-historia-de-angola-publicado-a-4-de-fevereiro/