Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


13-04-2015

Cidadania ameaçada Teia burocrática estrangula sonho de um jovem imigrante brasileiro violinista que nasceu pobre


CLARA VIANA 

11/04/2015 - 08:44

Mãe adiou processo de legalização por não ter dinheiro para o pagar. Por causa disso, Lucas não está em situação de pedir a nacionalidade portuguesa, embora viva em Portugal  há oito anos. De serviço em serviço, dizem que "não há nada a fazer". Aceite numa das mais prestigiadas universidades britânicas, sem a nacionalidade terá de abandonar este "milagre".

 

Lucas, 18 anos, tem a possibilidade de ingressar na Guildhall School of Music and Drama, em Londres NUNO FERREIRA SANTOS

 

No espaço de poucas semanas, no final de 2014, Lucas Freitas, 18 anos, passou da euforia ao espanto e deste ao desespero, que é como se sente ainda, enrodilhado como está numa “saga burocrática” que ameaça matar à nascença o projecto de futuro para o qual trabalhou nos últimos anos.

Lucas é violinista, vai acabar este ano o ensino secundário na escola de música do Conservatório Nacional e esperava estar em Londres, já em Setembro próximo, para iniciar um curso superior de violino na Guildhall School of Music and Drama, uma das mais reputadas instituições do ensino superior artístico especializado.

Para ser admitido nesta escola é preciso ser aprovado numa audição. Lucas conseguiu. A resposta chegou-lhe no final de Novembro. “Pela Guildhall passam grandes nomes da música, temos a possibilidade de trabalhar com maestros de referência. Já há muito tempo que queria ir estudar para lá”, conta ao PÚBLICO.  

Ter sido aceite foi “um dos milagres” que diz terem-lhe acontecido na vida, mas para o qual contribuiu muito o seu “talento e a uma forte capacidade de trabalho e de dedicação”, como certificam vários dos seus professores do Conservatório Nacional. Mas estudar no Reino Unido sai caro. As propinas variam entre cerca de 12.400 euros, para os estudantes da União Europeia, e os perto de 29 mil que são cobrados aos alunos de outros países.

Como Lucas é oriundo de uma família brasileira muito pobre, só poderá concretizar este objectivo recorrendo à linha de crédito para estudantes que existe naquele país (só começa a pagar quando estiver a trabalhar e ganhar em média 21 mil libras por ano) ou candidatando-se a uma bolsa que cubra as propinas. Só os estudantes da União Europeia podem recorrer a estes auxílios.

Lucas nunca pensou que tal fosse problema. Como veio para Portugal em 2007, quando tinha 11 anos, com a mãe e o irmão mais novo, partiu do princípio que já teria direito à nacionalidade portuguesa porque vive cá há anos suficientes (são necessários seis). A decisão de atribuir a nacionalidade compete à ministra da Justiça, mas os processos são instruídos pelo Instituto de Registos e Notariado (IRN), que para tal precisam de um parecer prévio do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) onde se certifica o tempo de residência legal em Portugal.

"Nem vale a pena tentar"
Em Dezembro de 2014, dirigiu-se a um dos balcões do IRN para solicitar a nacionalidade portuguesa. Foi então que o mundo lhe começou a cair em cima. Disseram-lhe que só tinha um título legal de permanência desde 2011 e que, portanto, teria de esperar mais três anos para poder requerer a nacionalidade. Esperar tanto tempo equivale a dizer adeus ao seu projecto de estudar fora, de “conseguir algo mais”. “Tenho de pagar a primeira prestação da propina à Guildhall em Julho. Se não o fizer perco a vaga”, explica.

Mas primeiro no IRN, depois no SEF e a seguir no Alto Comissariado para a Imigração e Diálogo Intercultural (ACIDI), a resposta que lhe deram foi sensivelmente a mesma: “Disseram-me que nem valia a pena tentar. Que as portas para mim estão fechadas porque não há qualquer fundamento para se avançar com o processo. Que em relação a mim a lei é clara e linear”.

Lucas, que sempre esteve inscrito e frequentou o ensino público em Portugal, só soube naquela altura que esteve ilegal durante quatro anos. Disseram-lhe também porquê. A mãe legalizou a sua situação em 2009, mas na altura não pediu o título de residência para os filhos. Em respostas ao PÚBLICO, o SEF indicou que “não comunicou aos serviços que tinha filhos a cargo em território nacional”. Sendo os filhos menores, “a legalização tem de partir dos pais, sendo aliás, um dever deles”, precisa, para explicar que, quando tal não acontece, “os casos que carecem de regularização são em princípio sinalizados pelas escolas. Nesta situação elementos do SEF deslocam-se ao estabelecimento de ensino para tratar da regularização da criança, sem esperar que os progenitores se dirijam aos serviços”.

Segundo o SEF, neste caso, “infelizmente”, não aconteceu nem um coisa, nem outra. E porque se calou a mãe do Lucas? “Disse-me que, quando se legalizou, não tinha dinheiro para tratar também da nossa situação. Sempre vivemos com muitas dificuldades financeiras”, conta o jovem. A mãe trabalha em limpezas. Regularizar a situação dos três significava pagar à volta de 550 euros. A este respeito, o SEF lembra que a Lei de Estrangeiros prevê a possibilidade de isenção ou de redução de taxas. “Nem lhe passava pela cabeça que tal existia e ninguém a informou”, responde o filho.

http://www.publico.pt/sociedade/noticia/teia-burocratica-estrangula-sonho-de-um-jovem-violinista-que-nasceu-pobre-1692041