Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


07-09-2004

Sinais dos tempos Miguel Reis


Miguel Reis*

Em dois anos sucessivos o Presidente do Brasil convida o Primeiro-Ministro de Portugal para se sentar na tribuna no dia da Independência. Não consta que tenha havido gesto similar da parte de Portugal para o seu dia nacional ou para qualquer festividade semelhante.
Os portugueses são, nesta matéria como noutras, muito distraídos e, às vezes, até mal educados, o que só não choca os brasileiros porque eles nos compreendem muito bem, transformando a sua irritação em graciosas anedotas que têm sempre um Manoel como actor principal.
É tempo de interpretar as realidades e os sinais e de falar sobre o que tem que ser falado com a frontalidade que as questões merecem.
Os povos são amigos e mantém - ao nível das pessoas - uma fraternidade que emerge de relações históricas e culturais bem mais profundas do que as que nós, os portugueses, temos com qualquer outro povo da União Europeia. Porém, os Estados não se entendem em termos consonantes e isso é péssimo para todos nós, portugueses e brasileiros.
Curiosa e estranhamente só se entenderam e aprofundaram as relações nos tempos das ditaduras, o que constitui um terrível absurdo.
Depois da Revolução dos Cravos - e sobretudo depois da integração na União Europeia - Portugal assumiu, perante o Brasil, uma posição de intolerável novo-riquismo, que cada vez mais tem um sabor de bluff. A imensa comunidade portuguesa que ajudou fazer o progresso deste grande país e que aqui tem um enorme poder económico, ainda recentemente foi qualificada por um diplomata português como uma comunidade de padeiros, com a qual o novo Portugal nada parece querer e de quem se tenta desfazer como se fosse um corpo estranho à Pátria. No contraponto, propagandeia-se que Portugal é o maior investidor estrangeiro no Brasil, quando é certo que os investimentos dos últimos anos, embora titulados por empresas portuguesas, não são, na sua plenitude de capital português e, ainda assim, estão muito longe, em valor e qualidade, dos que já existiam antes nas mãos dos portugueses.
Enquanto o Brasil nos franqueia as portas e nos facilita a vida, Portugal humilha diariamente cidadãos brasileiros que procuram visitar o país apenas para conhecer as suas raízes. Há nisto uma postura que cheira a xenofobia e que merece uma exaustiva e rigorosa análise de todas as tristes histórias de repatriamento dos últimos dois anos.
Há muito mais imigrantes portugueses ilegais no Brasil do que imigrantes brasileiros ilegais em Portugal, pela simples razão de que o Brasil nos recebe sempre de braços abertos, ao contrário do que fazemos aos brasileiros em Lisboa.
Como português acho intolerável que a namoradinha de qualquer amigo meu seja tratada como prostituta quando chega a Lisboa. As namoradinhas portuguesas dos meus amigos brasileiros (e mesmo as de alguns executivos portugueses que aqui vivem e que os visitam de tempos a tempos) são tratadas como senhoras quando chegam a Guarulhos ao Galeão. Talvez não seja só uma questão de educação.
Não faz sentido que Portugal responda com tanta arrogância às gentilezas do Brasil, sob pena de se cortarem todas as pontes de diálogo e de cooperação que os povos de ambos os países vão cimentando.
Muito mais importantes - até em termos de capital - do que os negócios de algumas grandes empresas, que esbanjam os valores dos accionistas em ações mediáticas, são os milhares de pequenos negócios que se vão fazendo ao nível das pessoas físicas e das pequenas empresas de ambos os países.
Muitos pequenos empresários portugueses já descobriram que estão condenados à falência se não deslocalizarem as suas empresas. O Brasil abre-lhes as portas, concede-lhes isenções fiscais, dá-lhes terrenos para se instalarem, a troco do know-how e das carteiras de encomendas que as suas clientelas potenciam.
Empresários brasileiros de todos os sectores já descobriram que a melhor maneira de vender na Europa - apesar de o anterior Ministro da Economia ter feito questão de vir a S. Paulo dizer que Portugal não é a única entrada na União Europeia - é instalarem empresas em Portugal. Criam-lhes todas as dificuldades, nomeadamente em termos de residência dos administradores, apesar de Portugal só ter a ganhar com isso.
Na imigração é um autêntico fracasso o resultado do acordo assinado, no ano passado, em Lisboa pelo Presidente Lula. A maioria dos brasileiros continua a trabalhar em Portugal sem papéis, com os seus direitos amputados e o permanente receio da expulsão.
Lisboa tudo tem feito - parece que de propósito - para desagradar aos brasileiros. Recentemente, o Consulado Geral de Portugal em S. Paulo fechou as portas ao atendimento público e a Direcção Geral dos Registos e do Notariado colocou sob suspeita todos os documentos emitidos pelo registo civil brasileiro, passando a exigir que as assinaturas dos funcionários sejam reconhecidas por um tabelião e que a assinatura do tabelião seja reconhecida por um consulado.
Estes actos não fazem qualquer sentido e só podem interpretar-se como atitudes inamistosas adequadas a prejudicar os portugueses e os brasileiros que precisam de recorrer a esses serviços.
Num momento em que a imigração brasileira cresceu e em que maior é a necessidade de proximidade do consulado para servir a população, ele vai ser mudado (mesmo de portas fechadas) da histórica Casa de Portugal, na Liberdade, para uma rua sem transportes públicos nos Jardins. Não consta que o Brasil pense mudar o seu eficiente consulado da velha praça de Camões em Lisboa para Sintra ou para Cascais. Se tentasse fazê-lo, seguramente que o Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal não daria o seu agreement, nos termos da Convenção de Viena.

Tudo isto ocorre apesar de um veemente protesto que contém assinaturas de importantes personalidades da comunidade, como o secretário do Governador, Dr. Fernando Leça para além de deputados federais e deputados estaduais.
Talvez isso seja razão suficiente para que, tal como aconteceu com Durão Barroso no ano passado, o primeiro-ministro Santana Lopes não venha agora a S. Paulo, ficando-se pelo glamour de uma recepção no Palácio de S. Clemente, no Rio de Janeiro.
Há um conjunto de sinais nas relações de Portugal e Brasil e de Portugal com a sua comunidade neste país que carece de um pronto esclarecimento, sob pena de se acentuarem factores de desconfiança que só prejudicarão os nossos povos.

Miguel Reis é advogado em Lisboa e S. Paulo e jornalista.