Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


01-06-2002

História da Língua Galego-Portuguesa n ° 1


Índice

1.      A Língua da Galiza

2.      Breve História da Galiza - Povos que passaram pela Galiza

3.      Galego, uma Língua  Românica

4.      Que Sabemos Nós, Em Portugal da Galiza e dos Galegos?

     * textos escritos na versão da língua na Galiza ou em Portugal

 

1.      A Língua da Galiza

( retirado de  www.basque-red.net/gap/sociol/socio.htm)

 

Será conveniente, antes de introduzirmo-nos no estudo sociolingüístico do galego, situamo-lo entre o conjunto das línguas neolatinas com que está directamente aparentado e, em concreto, entre as da Península Ibérica, que som conhecidas polo nome de Iberorromances.

Do ponto de vista lingüístico, a Península pode ser dividida em três grandes blocos verticais, segundo nos dizem os estudos filológicos do ámbito romance:

Catalano-Valenciano, sistema ponte ou de transiçom entre os Galorromances e os Iberorromances;

Castelhano-Andaluz, ou Iberorromance Central; e Galego-Português, diassistema lingüístico extremo-ocidental entre todos os derivados do latim na Europa.


Para além destes idiomas, há que lembrar que existem ainda hoje outros dous, o asturiano e o aragonês, numha situaçom muito fraca e sem quase reconhecimento legal. E, já fora do ámbito románico, Euskal Herria possui o que se considera idioma vivo mais antigo da Europa, de origem ainda incerta: o euskara.

Quanto à identificaçom genética do galego, cumpre recordar que tanto os lingüistas, como a tradiçom galeguista que parte do século XVIII, som praticamente unánimes ao afirmarem a unidade lingüística galego-portuguesa.

«Pol-o idioma -e un idioma é unha civilización- a Penínsua Ibérica divídese en tres bandas verticás: a banda galego portuguesa, a banda castelán e a banda catalana».

Este breve texto de Vicente Risco resume a ideia, desenvolvida por outras personalidades do nosso nacionalismo histórico: o Padre Feijoo, António de la Iglésia, M. Murguia, Joám Vicente Biqueira, Vilar Ponte, Castelao, Carvalho Calero,...

A história medieval das três grandes bandas aludidas por Risco tem características comuns que a seguir resumimos. Com efeito, as três línguas (catalám, castelhano e galego) nascêrom no norte e estendêrom-se para o sul levadas polos repovoadores das terras conquistadas aos mussulmanos, dando lugar às variantes valenciana, andaluza e portuguesa de cada umha.

O galego, formado por volta do século IX, começa a sua história escrita no século XIII, acolhendo umha vasta produçom em textos nom literários e umha riquíssima literatura lírica até o XIV, o que o leva a ser língua de uso internacional nesse ámbito de criaçom.

No entanto, a história lingüística das três «bandas verticás» diverge como conseqüência do caminho específico de cada umha.

O catalám mantém a sua normalidade enquanto o seu território nom cai sob o poder castelhano, e ainda no período de maior domínio espanhol, nom deixará de ter produçom escrita, o que explica a conservaçom das grafias patrimoniais na base da escrita actual. Contudo, nem faltárom entre os séculos XVII e XIX os partidários de adoptar grafias espanholizantes como o <ñ>. Afinal, a escrita histórica serviu de alicerce das Normes Ortográfiques de 1913, e da relativa concórdia actual neste importante aspecto.

O castelhano converte-se em idioma-estandarte do Reino de Castela na sua política expansionista na península e, posteriormente, em boa parte do mundo, mercê da conquista ultramarina. O centro político acha-se no norte (Valhadolid primeiro e Madrid depois), o que terá o seu reflexo no estándar, construído desde a corte primitiva e mantido após a deslocaçom a Madrid (isto explica que hoje nom coincida exactamente com nengum falar geograficamente localizado).

Na banda ocidental, a pouca fortuna histórica da Galiza levou-na a sofrer já desde o século XIV os efeitos da expansom castelhana, confirmada no século XV polos Reis Católicos e a sua Doma y Castración del Reino de Galicia. Em termos lingüísticos, isto supujo a reduçom do galego a língua só oral e só popular, quer dizer, afastada dos usos formais e escritos ao nom contar com umha classe dirigente autóctone que o figesse língua de um estado galego moderno.

A inexistência, a partir do século XIX, de umha burguesia autóctone que figesse seu o uso do idioma do país empeceu a extensom da consciência lingüística e da necessidade de recuperá-lo. Isto explica o atraso galego a respeito da Catalunha, onde sim surgiu essa classe dirigente autóctone, defensora do catalám, que servindo de referência no comportamento social, favoreceu a autoestima lingüística do povo.

No sul, um pedaço da Galiza Bracarense atingiu a prezada independência, dando ao galego a categoria de língua do novo estado, cuja capital acabará por estabelecer-se em Lisboa. Este facto determinará o peso do galego lusitano (do Portugal centro-meridional) na criaçom do estándar português.

Porém, a unidade estrutural do idioma galego-português mantém-se, de forma similar ao castelhano-andaluz e ao catalám-valenciano. Contudo, a importáncia das fronteiras políticas e da sua projecçom ideológica sobre os factos lingüísticos demonstra-se na posta em dúvida da unidade catalano-valenciana e galego-portuguesa, enquanto ninguém questiona que andaluz e castelhano formem parte de um mesmo e prestigioso idioma, apesar de existir tanta distáncia entre as falas do sul e do norte do território central, como entre as do sul e norte das outras duas bandas verticais.

 

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2.   Breve História da Galiza - Povos que passaram pela Galiza

      (por Moncho de Fidalgo  monchodefidalgo@terra.es)

 

 

A- Os galaicos: tem-se notícias deles, aproximadamente a partir do ano 39 A.C.. Acredita-se que são descendentes dos celtas.

 

B- Os romanos: sua presença data desde quando o general “Brutus” chega à Galiza com suas tropas, no 139-136 A.C.

 

C- Suevos: povo germânico procedente da região que hoje entendemos por Alemanha. No ano 409, o rei suevo Hemerico assina um pacto com o Imperador de Roma Horácio, em virtude do qual esta província se converte, de facto, num reino independente. O Reino Galego (Galliciense Regnum), que foi o primeiro reino constituído na Europa, o primeiro Estado medieval, que abrange os territórios da Galiza atual, o norte de Portugal até o rio Douro e as atuais Astúrias e Leão.

Requila, o sucessor de Hemerico,  438-448, aproveitando o desaparecimento da autoridade romana, em grande parte da Península, estendeu sua jurisdição pela província de Lusitânia, completando um espaço político desde a Cantábria  (região do cantábrico após Astúrias, em direção ao Oriente, o País Vasco) até Lisboa, permanecendo inalterável até o século VII.

No ano de 449, o rei Requiario decidiu promover a conversão de todos os suevos ao catolicismo, religião praticada pelos galaicos que se mantinham em paralelo com os suevos, Após esta época já só se fala de galegos…

Entretanto, Remismundo, rei, assinou  uma paz duradoura com os visigodos, mas com a contrapartida de aceitarem  a sua religião “ariana”. Não se encontram notícias escritas do reino, até o ano 550, era em que Martinho (de Dumio), personagem procedente de Constantinopla, da corte do imperador Justiniano, veio com a intenção de negociar uma aliança bizantino-franco-galega.  Foi naquela época que se voltou ao catolicismo e se separaram, de novo,  dos “visigodos”, (curioso que nas Canárias chamam aos espanhóis “godos”), que reinou Carriarico Teodomiro (559-570).

No ano 585, desaparece o Reino Suevo da Galiza, e a Galiza passa a ser uma “província” do reino visigodo. É  quando a história oficial espanhola afirma a grande união visigoda, chegando a identificar a origem da actual Espanha com aquele reino.

 

Mais adiante, no Século XI:

1065- Fernando Magno presenteia os seus filhos com os reinos da Galiza ( abrange também o condado de Portucale, origem do actual Portugal)  a Garcia, o de Castela a Sancho e o de Leão a Afonso VI.

Após várias lutas, Sancho, rei de Castela, acabou por vencer e destruir Afonso e Garcia, mas foi morto, em 7 de Outubro de 1072, quando cercava Zamora, onde se achava sua irmã Urraca que tomara o partido de Afonso. Então, este, que se refugiara na corte do rei de Toledo,Almamune, regressou e refez a unidade dos estados cristãos do ocidente. Como Fernando Magno, AfonsoVI teve sob o seu comando os reinos de  Castela e Leão, incluindo Astúrias, Galiza e Portugal.

No ano de 1128, Afonso Henriques, que reinava no condado de Portucale, venceu sua mãe Teresa que preferia os aristocratas galegos que aceitavam a vassalagem a Leão e a submissão da Galiza inteira, incluindo Portucale. Afonso Henriques queria uma Galiza independente, mas só lograria a independência duma parte da Galiza: Portucale que passou a denominar-se Portugal. e a Galiza ficou debaixo do férreo domínio do poder central de Leão e depois de Castela, o que é o mesmo que dizer espanhóis.

 

O primeiro rei português sabia que só poderia garantir a independência de forma duradoura, se expandisse o reino muito para além do território que recebeu de seu pai. O esforço de reconquista para Sul (Santarém, Lisboa, Évora, etc.), deixando em herança o dobro do território que tinha recebido, explica-se como forma de construir e perpetuar um país diferente da Galiza.

 

D- Visigodos: chegam no ano 456…

 

E - Árabes: chegam no ano 711, e são expulsos 866-910…

 

Nota:

Galiza e Astúrias fazem parte dum mesmo reino, ora galego, ora asturiano, ora castelhano, ora leonés.

Aragão é o nome que a Espanha dá ao reino onde os catalãs dominavam e onde surgiu a língua catalã.

Os Vascos formaram parte de Navarra.

O Norte de Portugal e a Galiza têm o mesmo clima, a mesma paisagem, a mesma língua e a mesma origem étnica (celtas).

 

Bibliografia : COMO NASCEU PORTUGAL, Damião Peres; O REINO DE GALIZA, Anselmo Lopez Carreira (A Nossa Terra).

 

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3.  Galego uma língua  românica

Seu renascimento aconteceu quando passou a ser veículo de um patriotismo coletivo

(retirado da Grande Enciclopédia Larousse Cultural Circulo do Livro 1988 Editora Universo)

 

O galego é uma língua românica falada na Galiza por cerca de 3 milhões de falantes. Seu domínio lingüístico ultrapassa os limites da Galiza, estendendo-se às regiões espanholas de Leão e Astúrias e ao norte de Portugal .

Até o séc. XI, o galego formava um complexo lingüístico com a antiga fala portuguesa do Norte do Douro ( o galaico- português), cujo desenvolvimento histórico deu origem ao português moderno.

 

Os traços gerais do galego são os mesmos do português, do qual se distingue principalmente na pronúncia e na ortografia. Substitui o lh e o nh do português pelo ll e o ñ, à semelhança do castelhano (embora haja partidários da grafia desses dígrafos à portuguesa); o ditongo ui pelo ditongo oi ( port. : muito; galego: moito); a fricativa sonora  j pela fricativa surda x (port.: gente; galego: xente). A primeira pessoa do singular do prefeito do indicativo tem, em galego, o acréscimo da consoante n ( port.: vendi, parti; galego: vendin,partin).

 

A partir do séc. XI, o galego, por influência castelhana, adquiriu características próprias no reinado de Afonso X, o Sábio, assumindo seu espaço como língua  da poesia ( o próprio rei de Castela compôs mais de 400 cantigas em galego), enquanto o castelhano era reservado para a narrativa épica e histórica- isso ocorreu no séc. XIV. A partir daí, o galego perdeu terreno para o castelhano, que veio a constituir o espanhol comum. Com a decadência política da Galiza, os cancioneiros caíram no esquecimento, e o galego foi relegado à situação de língua rude e inculta. Seu renascimento se deu em meados do séc. XIX, quando o galego passou a ser expressão e veículo de um patriotismo coletivo. Com  a revalorização de um passado medieval e das culturas minoritárias condizentes com o espírito romântico, o caminho se abriu:  um dos iniciadores do Romantismo espanhol foi o escritor galego, Nicomedes Pastor Diaz (1828-1863). Sua obra A Alborada (1828) é considerada por muitos a abertura do ciclo moderno da literatura galega. A linguística também ajudou a preparar a eclosão do ressurgimento literário e a restaurar a dignidade e a riqueza do galego. Assim, como representantes, o precursor Xoan Manuel Pinto (1811-1876), latinista e gramático, além de poeta; Francisco Javier Rodriguez, que publicou em 1863 um Diccionario Gallego ; Cuveiro Piñol , El habla gallega e o Diccionario gallego-castellano (1868), etc.

O louvor das coisas galegas e o despertar histórico, aliados ao subjetivismo lírico, favoreceram o surgimento de grandes poetas: Francisco Añon y Paz, Aurelio Aguirre, Rosalia de Castro.( que representa a entrada da lírica moderna da Galiza  e da Espanha), inaugurando o início da maturidade literária galega.      

 

 

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4- Que Sabemos Nós, Em Portugal da Galiza e dos Galegos?

(por Antônio da Cruz Rodrigues)

 

Quando Portugal se tornou independente, num processo que, factualmente, começou a concretizar-se em 1128, a nossa independência foi conquistada não só relativamente ao poder oficialmente soberano ao Reino do Leão, mas, mais ainda relativamente ao poder religioso do arcebispo Gelmeires Santiago de Compostela.

Isto é, foi preciso que a diocese de Braga deixasse de ser subordinada à de Santiago, que queria falar por ela em Roma.

Pois Roma representava o poder político dominante da Europa de então. E, para que Braga voltasse a ser uma “arquidiocese primaz” da Península, portanto interlocutora directa do Papa, que ditava universalmete a lei na Europa, como a ONU  de hoje aspira fazê-lo no Mundo inteiro.

Os arcebispos de Braga lutaram ferozmente com Santiago, pela diplomacia e mesmo por meios mais cruentos, mas acabaram por consegui-lo.

E só assim Portugal se tornou completamente independente dos grandes poderes seus vizinhos da altura: o governo laico de Leão- Castela e o governo religioso do arcebispo de Santiago de Compostela.

Consumava-se dessa maneira uma cisão que, em relação à Galiza e aos Galegos, era uma verdadeira amputação a frio de órgão e funções vitais, de tal modo as nossas raízes eram comuns e a nossa língua e cultura exatamente as mesmas.

Para trás ficava-nos a Galiza, que politicamente até nem havia razões para não ter-nos acompanhado, cortando como nós Portugueses os laços com Leão- Castela. Só que a Galiza não podia. E não podia porque a Europa tinha em Santiago, até onde regularmente peregrinava, um formidável luzeiro de esperança e animação na luta contra a ameaça e ocupação islâmicas: era preciso que esse luzeiro continuasse fisicamente acessível aos Europeus e à Cristandade e não cortados os “caminhos de Santiago” por um poder de Leão-Castela tornado hostil em conseqüência de um eventual independentismo galaico.

 

Mas a memória da primitiva unidade natural entre Portugal e Galiza permaneceu para sempre latente criando nostalgias difíceis de curar. Sobretudo desenvolvendo entre os Galegos sentimentos de frustação que, é curioso, os reaproximam hoje mais que nunca de nós, aparentemente desaparecidas que estão muitas razões dessa frustação...

 

De facto, o governo espanhol quis matar a língua na Galiza.

Quase o  conseguiu.

Desde o séc. XVI, o galaico-português deixou de escrever-se oficialmente e deixou de ensinar-se. E também deixou oficialmente de poder falar-se. Desapareceu como meio de expressão entre os súbditos e as autoridades civis ou religiosas. Deixou de ser mesmo língua de Igreja, por exemplo nas homilias.

Não esquecemos que o galaico- português, sendo também de Portugal, um grande império, era a língua de um dos maiores rivais e concorrentes políticos de Espanha no Mundo de então.

O galaico-português era, portanto, uma enorme cunha desse rival político cravada no corpo colossal de Espanha e uma ameaça à unidade espanhola.

Havia que a todo custo eliminá-la.

Tudo foi tentado e quase conseguido.

Durante mais de três séculos, o galaico-português na Galiza foi literalmente esmagado. Não se falou senão no âmbito íntimo e semi- secreto ou clandestino das casas de um, enquanto pôde ser transmitido de pais para filhos. Mas só oralmente, porque foi sendo cada vez menos escrito, uma vez que nas escolas o ensino da escrita era nulo.

Tornou-se, pois, o galaico-português, na Galiza, a língua quase só de analfabetos e rústicos, sem prestígio social.

Claro que, assim amputado da sua expressão nos documentos oficiais e nas relaçõs públicas com as autoridades do Estado e da Igreja, ignorado nas escolas e em qualquer forma de ensino, a língua galaico-português no mínimo estagnou.

Entretanto, em Portugal e pela mão dos Portugueses, o galaico-português corria o Mundo; enfrentava e vivia mil experiência novas; confrontava-se e enriquecia-se do convívio com dezenas de línguas diferentes, de uma ponta à outra da terra; assimilava vivências inéditas na política, na geografia e na cosmografia, na arte, no relacionamento étnico, no confronto das religiões, na diversidade dos costumes e língua e regimes sociais, milhões de facetas novas de ser humano que passaram todas pelas galaico-português na Galiza perdeu a oportunidade de abrir-se.