Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


07-09-2016

Escritor dribla disputas entre gramática normativa e linguística moderna em viagem afetiva


 

 

 SERGIO RODRIGUES, jornalista e escritor que está lançando livro pela Companhia das Letras.

 

Por BOLÍVAR TORRES

 

Para Sérgio Rodrigues, os debates públicos sobre o uso da nossa língua andam meio chatos. Muitos falam e ninguém se ouve. Parecem até um “diálogo de surdos”, escreve o jornalista e romancista mineiro, na introdução de seu “Viva a língua brasileira!” (Companhia das Letras), que será lançado no Rio nesta segunda. Reunião de crônicas e pensatas publicadas na imprensa nos últimos 15 anos, o livro, que tem ilustrações de Francisco Horta Maranhão, traz verbetes lúdicos e um “olhar de escritor” sobre o português falado no Brasil. Oferece dicas, tira dúvidas gramaticais, desfaz mitos e expõe erros comuns, mas também coloca em pauta os principais desafios, disputas e polêmicas do idioma na atualidade. Tentando driblar o confronto entre as diferentes patrulhas, faz uma declaração de amor à última flor do lácio, como se só ela pudesse nos salvar da intolerância.

 

— Em todos esses anos escrevendo sobre a língua portuguesa, busquei um caminho do meio, que desse conta de uma versão mais global e que promovesse a conversa um pouco de um lado e um pouco de outro do debate — explica Sérgio. — Em muitos casos, há verdade nos argumentos dos dois lados da disputa, mas parece que eles não se falam. Comportam-se como facções de uma guerra linguística. Acho que tem a ver com a polarização geral de hoje, faz parte de uma doença cultural maior. Neste sentido, o Brasil precisa urgentemente reencontrar uma linguagem comum que permita discutir civilizadamente oposições apegadas a suas verdades.

 

Nos fronts dessa guerra, Rodrigues identifica dois grupos especialmente intransigentes: os puristas e os “vale-tudistas’’, os que tratam a língua apenas como uma soma de regras estanques e os que menosprezam qualquer uso formal. O primeiro é fechado a novidades, preso ao velho português e a “regrinhas que não fazem mais sentido nem mesmo em Portugal”; o segundo se apoia em estudos modernos para apagar as fronteiras entre o certo e o errado.

 

O autor lembra, por exemplo, da recente polêmica sobre “preconceito linguístico”, muito representativa dos impasses no debate de hoje. Em 2011, o Ministério da Educação adotou o livro didático “Por uma vida melhor”, que tratava as variações linguísticas como algo normal, ensinando que expressões como “nós pega o peixe” ou “os menino pega o peixe” poderiam ser usadas no cotidiano, mesmo estando incorretas do ponto de vista gramatical. O conteúdo da apostila enfureceu os puristas, ao mesmo tempo em que ganhou defesas apaixonadas daqueles que veem o uso da norma culta como um instrumento de dominação de classe.

 

— Ambos tinham razão parcial, mas ficaram só gritando, sem a menor disposição de compreender os argumentos — observa o escritor. — Desse jeito, contribuições importantes que podem ser dadas ficam travadas.

 

Autor de romances como “O drible” (vencedor do Grande Prêmio Portugal Telecom 2014), Sérgio faz questão de dizer que sua abordagem do português não é a de um linguista, mas a de um escritor. Ainda assim, este não é seu primeiro livro sobre o tema. A sua coletânea de crônicas “What língua is esta?” (Ediouro), de 2005, também buscava um caminho equilibrado entre a gramática normativa e a linguística moderna. Em “Viva a língua portuguesa!”, porém, ele se volta mais para as “dúvidas reais”, com uma preocupação evidente em conversar com elas.

 

Sua investigação vai do didatismo à provocação. Parte de dúvidas simples sobre escrita (“paraolímpico ou paralímpico?”, “Antártica ou Antártida”) e pronunciação (“gratuíto ou gratúito?”), mas também tenta desmontar ideias prontas de grupos que ele identifica como “sabichões”, “politizados”, “enrolões”, “anti-intelectuais” e “anglocêntricos”. 

 

NEM SEMPRE TUDO É O QUE PARECE

 

Aberto a nuances e variações, seus verbetes mostram que, em se tratando de língua, nem sempre tudo é o que parece. Velhas certezas caem por terra a todo momento e supostos “erros” propagados por patrulheiros podem se revelar mais errados do que o uso comum. Um exemplo: não faltam detratores da opção brasileira pelo termo “a mídia” no lugar de “os média” (adotado do latim pelos portugueses). Para os críticos, sua pronúncia anglófona denotaria nossa subserviência cultural. A análise “desapaixonada” de Sérgio, porém, aponta para outra direção: o brasileiro importou “mídia” para dar conta de um termo que nunca existiu no latim original, mass media. Tanto Portugal quanto Brasil, portanto, encontraram “soluções diversas baseadas em diferentes interpretações do termo de origem”. Uma até pode ser melhor do que a outra, mas a acusação de colonialismo não se sustenta.

 

Homenagem a “Viva o povo brasileiro”, o romance monumental de João Ubaldo Ribeiro sobre a construção da identidade nacional, o título do livro ressalta que o objeto de análise é mesmo o português falado no Brasil, e que ele precisa ser “interpretado e entendido” como tal. Não se trata, contudo, de uma declaração de independência, garante o autor. Sérgio é um entusiasta de uma maior aproximação entre o português dos dois países. Tanto que defende o novo Acordo Ortográfico, que, apesar dos esforços dos governos Lula e Dilma, ainda enfrenta resistências no mundo lusófono.

 

— O Acordo tem um monte de coisa errada, mas a ideia vale — argumenta. — Não vai resolver todo o problema, mas vai ajudar na queda das fronteiras culturais. Sinto inveja dos escritores de língua espanhola, dos livros argentinos, mexicanos e chilenos que chegam na Espanha ou outro país de língua espanhola sem nenhuma dificuldade.

 

 

O caso de amor de Sérgio Rodrigues com a língua portuguesa

 

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