Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


12-01-2008

Presença dos portugueses de Grenoble Albano Cordeiro


Albano Cordeiro, CNRS, Paris

 

             Provavelmente, uma maioria de franceses já esteve em contacto com um ou vários portugueses na sua vida, quer de maneira fugaz, quer por um período mais ou menos prolongado. Isso, explica-se pelo facto de os portugueses representaram, durante mais de vinte anos, a população de nacionalidade estrangeira mais numerosa na França. Uma parte é concentrada em algumas regiões, mas os outros encontram-se bastante dispersos no território.

            No entanto, é raro que, aquando de uma discussão sobre a imigração na França, os interlocutores façam alusões à componente de origem portuguesa desta imigração. No mínimo, a alusão toma a forma de uma comparação, e, de maneira sistemática, esta comparação é favorável aos Portugueses. Encarnam um contra-modelo que seria, para muitos, a imigração hoje.

            Esta, sugere: "problema dos jovens dos subúrbios", "insegurança", "exclusão", "desemprego", e, "é necessário bem integrá-los" (pelos vistos, não o são). Recordar então a presença dos Portugueses na França, tem uma função no discurso: a de dizer que há "mesmo assim" na imigração "pessoas-que-souberam-se-integrar-muito-bem", que, indirectamente, faz recair sobre os outros o peso das próprias culpas. A França, pode e sabe integrar. Prova disso? Os Portugueses!

            Os Portugueses de França permanecem no entanto, ausentes do discurso público sobre a imigração. A sua presença na França passa despercebida à luz do dia. Aparecem apenas em contra-luz.

            Entre as comunidades invisíveis de França, os portugueses constituem, indubitavelmente, a mais importante. Mas compartilham esta invisibilidade com outros. Pensem  nestes "visíveis " (que fisicamente se podem distinguir na massa da população) mas que são invisíveis a vários respeitos. É por exemplo, o caso dos "domiens" (oriundos dos Departamentos de Ultramar), que são centenas de milhares. Mas também, a população de origem asiática, constituindo comunidades bastante "pouco penetráveis", ou mesmo "misteriosas" - de acordo com os estereótipos dos meios de comunicação social, nas raras vezes que deles se fala - mas que não são  fonte de preocupações.

            Estatisticamente, de acordo com o último recenseamento (1999), 571.874 individuos possuem unicamente a nacionalidade portuguesa, quase em pé de igualdade com os argelinos (os que possuem unicamente a nacionalidade argelina). Se adicionarmos o número dos que acumulam duas nacionalidades, francesa e portuguesa, mas que são contados como franceses, atingimos, com base no recenseamento da população de 1999, cerca de 858.000 pessoas (cálculo efectuado por Jorge Portugal Branco, Embaixada de Portugal em Paris). Este número é talvez inferior à realidade. Primeiro, porque data de 1999. Em segundo lugar, a definição de quem é Português, continua a ser imprecisa (até que geração após o início da migração?) e, a incerteza quanto ao número de descendentes de portugueses das ditas "terceiras-gerações" (segunda geração nascida ou crescida na França). Isto levar-nos-ia a avançar um número entre 900.000 e um milhão, apesar dos regressos devidos às reformas observados estes últimos anos, dado que novos migrantes portugueses e o crescimento natural está em condições de compensar estas partidas.

 

  1. Primeiro, quem são os Portugueses de França?

            Para fornecer uma ideia da diversidade entre os residentes portugueses ou de origem portuguesa, podemos retomar a tripartição proposta por Manual Dias nos anos 80: 1) os Portugueses na França, 2) os Portugueses de França e 3) os Franco-Portugueses ou Franceses de origem portuguesa.

 

            Os primeiros são aqueles e aquelas que não somente mantêm contactos regulares com a família e as redes de amigos da aldeia de origem, mas procuram igualmente reconstituir o ambiente aldeão com a família, com os seus amigos e vizinhos portugueses, e, que procuram este mesmo ambiente nos lazeres colectivos associativos. Um modelo ao qual demos o nome de "bi-localização" (aqui e « là em baixo »). São os que "estão na França, sim, mas apenas 11 meses por ano!».

            Apesar da aparência de "não-adaptados", o seu comportamento, o seu modo de usar o espaço, é de facto tipicamente moderno, sabendo tirar partido de meios usuais de comunicação e sendo muito dinâmico (em geral) na manutenção das suas redes sobre dois espaços.

            Pode-se acrescentar, nesta categoria, muitas situações de famílias que vivem em círculo fechado, quer por ausência de outros portugueses que residem na sua proximidade, quer por falta de vontade de se abrir à relações com famílias não-portuguesas.

            Para estas famílias e os outros, o regresso anual à aldeia é o grande acontecimento do ano. Regresso que confirma igualmente a importância que é dada aos laços familiares na aldeia de origem.

 

            Os segundos são aqueles e aquelas que, guardando ao mesmo tempo a sua identidade portuguesa, mantêm redes de amizade com franceses ou outros estrangeiros, e se sentem actores na sociedade francesa, empreendendo ou participando em iniciativas de carácter público e aberto, ou mesmo intervindo em debates públicos de proximidade (reuniões associativas locais, debates de problemas da comuna de residência). Assumem assim, uma postura semelhante à das minorias, na medida em que não se destacam completamente da sua herança cultural.

 

            Os últimos, os Franco-Portugueses e/ou os Franceses de origem portuguesa são aqueles e aquelas para quem a herança cultural portuguesa não tem uma incidência particular no seu modo de vida. As práticas culturais definíveis como "portuguesas" são praticamente ausentes excepto compromissos familiares, na medida em que estas relações  com ascendentes (acrescentar), se mantêm.

 

            Para os Franceses de origem portuguesa, o facto de ter um ascendente português não tem em geral incidências específicas na vida diária ou nos projectos, salvo eventualmente de ordem familiar, em relação com ascendentes vivos. A origem portuguesa é mencionada quando surge uma pergunta sobre as origens a propósito do nome, por exemplo. Esta é uma simples referência à uma história pessoal. O seu sentimento de pertencer à França e à sua cultura é indiscutível e não compartilhado com outras culturas, a não ser no caso duma mestiçagem com pessoas não francesas, não portuguesas, na qual a herança destas culturas se sobrepõe a cultura portuguesa. Sentimento este, que pode então ser totalmente ausente ou participar da mistura das origens culturais.

            A qualificação de Franceses de origem portuguesa é bem mais frequente nos descendentes da geração nascida em Portugal e chegada adulta na França. A fortiori no que diz respeito à geração procedente de pais como eles próprios nascidos na França. Para esta categoria a qualificação de portuguesa é aleatória, na medida em que as razões de ordem cultural para afirmar uma origem podem     resultar ausentes.

            Do mesmo modo, para esta geração procedente de pais que nasceram e cresceram na França, a herança de bens da família em Portugal já não existe ou  não tem mais o mesmo significado que poderia ter tido para os pais.

 

2)   As identidades locais portuguesas

            Será que se pode  falar de uma identidade local dos Portugueses que residem na França? A pergunta é relevante quando se observa que os Portugueses residentes na França  fazem saber, mais ou menos espontaneamente, de ser "de Clermont" ou "de Grenoble". Certamente, estas precisões podem ser apenas simples informações de localização na França. Na medida em que a existência de uma vida associativa local é real, e que estes Portugueses criam micro-sociedades locais, senão justapostas pelo menos distinguíveis no concerto da vida local, com os seus próprios lugares, os seus lazeres colectivos. Um "meio cultural português" informal assim esboçado pode despertar neles a consciência de pertença local.

            Os nomes das associações e ‘’amicales’’ portuguesas incluem em geral uma referência à actividade principal (Desportiva, Recreativa, Cultural...) sempre seguida do nome da localidade onde têm a sede. Esta referência topográfica acaba por tomar sentido, se um trabalho real de animação for efectuado junto dos residentes portugueses. O orgulho da "nossa" associação transforma-se em identidade local.

 

Os imigrantes Portugueses e o seu movimento associativo.

            Os Portugueses, imigrantes na França de 1962 à 1974, oriundos na sua quase totalidade de pequenas aldeias do interior localizadas no Centro e no Norte do país, como assinala um inquérito INED de 1992 (Inquérito MGIS - relatório final ", vol. II, p. 36): onde se diz que, mais dos três quartos dos imigrantes vindos de Portugal eram de origem rural, a proporção mais forte encontrada na população imigrante de França."  A grande maioria deles chegavam num país "novo", dado que a tradição de imigração para a França, começada após a primeira guerra Mundial, manteve-se à baixa escala até ao início dos anos 60.

            Excepto algumas raríssimas excepções, nenhum deles conhecia a língua do país e o seu imaginário sobre a França era muito reduzido. Algumas das redes antigas, em alguns pontos da França, não podiam ajudar centenas de portugueses que chegavam em pouco tempo - logo seguidos, por vezes, de milhares de portugueses nos anos seguintes - a  inserirem-se a curto prazo nas sociedades locais do país. Mas, nas bacias de emprego onde são contratados, tornam-se em pouco tempo, suficientemente numerosos para que uma multiplicidade de redes de comunicação e de auxílio se estabeleça e cuide às necessidades imediatas de cada um, meios de serem « pilotados" no labirinto da administração francesa e a fazer face a "imprevistos" frequentes na vida de um imigrante. A intensidade dos intercâmbios de experiências substituiu a falta de pontos de referência e a ilegibilidade imediata do ambiente urbano e administrativo.

            Deste contexto vai emergir o maior movimento associativo que  comunidades procedentes da imigração  criaram na França: até cerca de um milhar de associações no início dos anos 80. Este movimento associativo foi constituido quase integralmente por associações locais, ligadas por conseguinte, à pequenas ou médias concentrações de Portugueses.

 

Os Portugueses do Isère, Grenoble e na sua região.

            Estima-se actualmente (2007) o número de Portugueses residentes no Isère cerca de 18.000. Se aplicarmos os cálculos feitos a partir do último recenseamento, dois terços possuem unicamente a nacionalidade portuguesa e um terço é constituído de binacionais, pelo facto de terem nascido em França ou por naturalização. Aquando do recenseamento da população de 1999, os Portugueses residentes no Isère possuindo apenas a sua nacionalidade de origem eram 11052 (6.041 homens e 5.011 mulheres), ou seja 1% da população do ‘’departamento’’. Consideramos que esta população (de mononacionais) poderia hoje, ou seja oito anos após, constituída de cerca de 12000 pessoas. A aglomeração de Grenoble conhece a maior concentração de portugueses no ‘’departamento’’.

            Esta imigração inicia-se nos anos 60, a partir de Lyon e das empresas de construção civil que os contratam para obras no Isère. A abertura, a partir de 1965-66, das grandes obras para os Jogos Olímpicos de Inverno de 1968 em Grenoble, vai chamar para a região centenas e a seguir milhares de trabalhadores portugueses em consequência do pedido das empresas locais que as redes portuguesas levam até  às aldeias ou à outros lugares em França.

            A cidade é então dirigida por Hubert Dubedout, um amigo muito próximo de Mendès-France e inventor dos GAM (Grupos de Acção Municipal). Deve-se a estes a introdução na França de muitas inovações em matéria de política na Cidade. Os eleitos estão atentos a uma política de acolhimento dos estrangeiros. Por outro lado, a igreja local é nessa altura dirigida por Monseigneur Matagrin, um bispo na linha de Vaticano II. Um Grupo Cristão Francês-Imigrantes está sob a protecção do episcopado e leva a cabo acções de apoio às famílias, para além das tarefas paroquiais a seu cargo. O Padre André Klein, um dos colaboradores de Monseigneurr Matagrin, é o animador principal. Estes dois elementos estão relacionados ao facto de que, na segunda metade dos anos 60, jovens portugueses, politizados no antifascismo, recusando-se a participar na guerra colonial que Salazar efectua na África, reencontram-se nesta cidade. Assim, Grenoble vai acolher uma dezena de jovens desertores portugueses. Jovens que, seguidamente, vão desempenhar um papel no desenvolvimento de um movimento associativo local português.

            O Grupo Cristão Francês-Imigrantes foi, além disso a estrutura de acolhimento de dois padres portugueses antifascistas, João Fragoso e António Perdigão, que implicar-se-ão um e outro no movimento associativo português de Grenoble.

            O início do movimento associativo português de Grenoble e  seu subúrbio pode ser datado do "tempo das baracas de chantier »  da segunda metade dos anos 60. Nas baracas da empresa Pascal em Saint Martin Hères (na Croix Rouge) os homens aborreciam-se nos fins de semana. Jogavam às cartas, bebiam cerveja. Outros iam para  espaços abertos, dar pontapés numa bola e passá-la a outros. Mas para ter realmente direito a um campo, era necessário criar um clube, uma associação. Assim nasceu a União Operária Portuguesa, cuja fundação data do fim dos anos 60, e que foi a primeira associação portuguesa criada na aglomeração de Grenoble.

            Membros e simpatizantes do Partido Comunista Português, e os seus amigos franceses também irão criar  em Grenoble uma associação filiada à Associação dos Originários de Portugal (AOP, 1962), existente no plano nacional, com uma sede em Paris. Nos anos que se seguem, um militante do PCF, Claude Guégan, dela será o principal animador.

            Alguns anos mais tarde (1971), na sequência de várias reuniões com as associações de imigrantes da cidade, o município compromete-se em criar um Serviço Dauphinois dos Trabalhadores Imigrantes (ODTI). Era uma experiência pioneira na França. Com uma inovação: um Conselho de Gestão (com o estatuto consultivo) composto de pessoas delegadas de associações das comunidades estrangeiras. O Conselho de Administração, presidido pelo Sr. Laforêt, era inteiramente responsável mas aceitava e executava sugestões vindas do Conselho de Gestão.

            O pequeno círculo de jovens desertores portugueses participa no processo que levou à criação do ODTI. O primeiro membro permanente será um jovem português, Manuel Branco, que irá exercer estas funções até a segunda  metade do ano de 1973.

            Paralelamente à este processo, o grupo de jovens desertores e alguns outros portugueses reunem-se para criar uma associação que teria no arrancar um apoio da Câmara Municipal de Grenoble. Estamos numa altura em que a criação de associações estrangeiras estava sujeita a uma autorização prévia da ‘’Prefeitura’’. Este aspecto poderia « deitar a baixo” o projecto, no caso de recusa por parte desta última. É assim que os emissários (meter autores ou iniciadores) do projecto desta associação portuguesa propuseram a amigos franceses que fizessem parte do Conselho de Administração que seria apresentado na ‘’Prefeitura’’. Figurava nela, apenas um português empenhado no projecto, e que não era desertor. Este mode de proceder vai dar origem ao  nome mesmo da associação que consequentemente chamar-se-á "Associação Franco-Portuguesa de Grenoble" (AFPG).

            Com excepção de alguns encontros de fim de semana (a palavra "festa" não seria aqui oportuna) e as Assembleias gerais na AFPG, as iniciativas de lazeres  colectivos eram praticamente inexistentes, mas esta permanecia um lugar de encontro para cerca de   algumas  dezenas de trabalhadores portugueses.

Tinha a sua sede na rua Lavoisier, situada por detrás do Liceu Mounier, numa sala no rés-do-chão, antes de se instalar na rua Marcel-Perreto.

 

            Os imigrantes portugueses viviam então completamente  absorvidos pelo seu trabalho (as mulheres igualmente), com horários pesados, com uma vida familiar reduzida e filhos que não aprendiam a sua língua. Jovens portugueses reuniam-se, e prestavam-se a dar uma ajuda às associações e ás famílias. Constituíram-se, durante um período, em rede e reuniam-se em pré-fabricados perto da Croix du Pâtre em Saint Martin d’Hères para fazer o balanço. Deram-se aulas de português às crianças. A rede nem sequer tinha nome: chamamo-la  "grupo da Croix du Pâtre ".

           

Os acontecimentos em Portugal, a partir do golpe de Estado do 25 avril 1974, terão a sua repercussão sobre a vida da AFPG, e vai alterar progressivamente o movimento associativo português local. Os principais animadores da AFPG, excepto dois, regressam à Portugal. A associação tem necessidade de novas forças. Adultos bem mais idosos decidem tomar conta dela neste período. Seguidamente, ela cessará gradualmente a sua actividade, antes de ser redinamizada já no fim anos 70, por antigos militantes da AFPG, entre os quais José Simões e Alberto Freitas. Este, em especial, vai agir para obter a transferência da sua sede para Echirolles, no fim dos anos 70, na Maison de Jeunes, situada no 27, Praça Beaumarchais. Esta diligência conduzirá de resto, a uma alteração do título da associação, que substitui a referência à cidade de Grenoble pela fórmula do "Dauphiné" (AFPD).

            Neste novo contexto, sob o impulso de Alberto Freitas e de dois irmãos, António e Adão Lima, e das suas esposas, a AFPD cria um grupo folclórico, "Flores de Abril" (Fleurs d’Avril), que tornar-se-á o eixo principal das suas actividades. Este grupo torna-se nos anos 80, um dos principais entre todos aqueles que as associações portuguesas do Isère tinham criado. Prosseguindo ao mesmo tempo as suas actividades à volta do folclore, a associação instalar-se-á algum tempo depois em Varces, ao Sul de Grenoble, e, após diversos incidentes e desentendimentos, suspenderá às suas actividades (temporariamente?) no início dos anos 2000.

 

Após  o 25 de Abril

 

            No período posterior ao 25 de abril 1974 e à queda do regime dictatorial em Portugal, surgiram actividades associativas inovadoras e criaram-se novas associações.

Reflexo da agitação política que conhecia então Portugal, Portugueses de Grenoble criam desde 1975 uma associação de facto  chamada  Grupo de Trabalho Politico (GTP). Esta reunia uma dúzia de militantes de diferentes horizontes (por conseguinte, não conotado com uma organização política precisa), comprometidos num trabalho de explicação e de informação junto dos trabalhadores e das famílias portuguesas sobre os acontecimentos que se  desenrolavam em Portugal durante e após o PREC (Processos Revolucionário Em Curso), que termina em Novembro de 1975. O GTP inscrevia-se assim, numa actividade chamada então, em Portugal, de "dinamização cultural".

            O padre João Fragoso foi sem dúvida um dos principais pilares deste grupo. Encarregado dos serviços religiosos para Portugueses em diversas localidades do Isère onde se deslocava aos Domingos, convidava os seus paroquianos para encontros-debate conviviais. Às vezes, a estes encontros participavam membros do GTP divulgando informações e explicações sobre a situação em Portugal.

            Esta actividade prosseguiu-se quando o GTP decide, em 1977, tornar-se o "Grupo Português de Acção Cultural" (GPAC). Como o GTP, o GPAC produz  folhetos de explicação sobre a situação portuguesa não apenas em língua portuguesa, mas também em língua francesa para militantes franceses que se interessavam à evolução política portuguesa, bastante numerosos nessa época. O GPAC foi além disso, um dos membros fundadores da Mediateca do ODTI, e participava na sua gestão e nas suas actividades.

            Aquando da passagem da "Marche des Beurs" (descendentes de magrebinos - 1983) por Grenoble, o grupo folclórico "Flores de Abril" desfilou  atrás dos   participantes da Marcha). Esta participação repetiu-se no ano seguinte, aquando da "Marche des Mobylettes", iniciativa onde, a nível nacional, jovens portugueses tiveram um papel activo. Esta participação chamou a atenção, dado que as associações portuguesas frequentam raramente este tipo de iniciativa militante.

 

As comemorações do 25 de Abril

            Após a mudança de regime em Portugal e o advento da democracia, a data do 25 de Abril veio acrescentar-se ao calendário das festas portuguesas, que se regulava sobre a sequência : festividades da Nossa Senhora Fátima ou da Páscoa, Dia de Portugal (10 de Junho), Santos Populares (Junho) ou festa da associação, São Martinho (Magusto, 11 de Novembro), festividades do Natal e do Ano Novo (A. Cordeiro e M. A. Hily (2000). "A festa dos portugueses. Herança e invenção ", tirado da  Revue Européenne des Migrations Internationales, 2000 (16), pp. 59/76).

            Sem dúvida, esta celebração do acesso dos portugueses à democracia é muito mais acentuada nas associações cujos líderes se afirmam declaradamente de esquerda, mas ao longo dos anos tornou-se, para alguns, apenas um motivo para estarem juntos e festejar este evento.

            No fim anos 70, a maior parte das associações portuguesas de Grenoble e das suas localidades adjacentes, com uma ou outra mais afastadas reunia-se alguns meses antes da efeméride para preparar a festa do 25 de Abril "na unidade". Algumas destas reuniões, chamadas "InterAssociações", tiveram lugar na MJC Prémol (Aldeia Olímpica). Reuniões às quais participava igualmente um grupo, com conotação política marcada (PCP), chamado "Povo Unido". A experiência não se prolongou por muitos mais anos, dado que, se por vezes estas reuniões de preparação conduziram a iniciativas comuns, elas nem sempre  foram bem sucedidas.

 

As novas associações: nova diversidade

            Lá para o fim dos anos 70, enquanto a actividade do GPAC cessa, outras associações vão emergir na aglomeração de Grenoble e do ‘’departamento’’. Entre estas, a associação Amicale Franco-Portugaise de Saint Martin d’Hères, sob o impulso  de José Espada. Esta associação organiza em especial excursões na França, designadamente ao Santuário de Lourdes. Mais tarde, esta associação organizará, com uma agência de viagens, diversas excursões para Itália e também para Portugal.

            No início dos anos 80, é criada, em Echirolles, a Associação Convívio Das Famílias Portuguesas, que, através da preocupação de fazer participar as famílias, entende-se por aí as mulheres, vai criar actividades susceptíveis de atrair mães de família e jovens raparigas. Esta associação é igualmente precursora na actividade radiofónica, dado que alguns dos seus membros animaram, a partir de Junho de 1981, uma emissão em língua portuguesa numa das primeiras rádios livres do ‘’departamento’’, a Rádio Vallées de l’Isère. Mais tarde haverá outra emissão em língua portuguesa animada por uma pequena equipa de militantes associativos de duas associações portuguesas, a Rádio Kaleidoscope, uma rádio livre que programa essencialmente emissões em línguas estrangeiras. A associação Convívio participará algum tempo depois nesta mesma emissão.

            Os anos 80 e 90 vêem aparecer novas associações, voltadas para os jovens e para a cultura, com a preocupação de atingir um público não somente português mas também composto de franceses e outras nacionalidades. O apoio a clubes desportivos de futebol, em Portugal, inspirou igualmente a criação de associações.

 

CONCLUSÃO

 

            Limitamo-nos aqui a dar um resumo dos inícios do movimento associativo português no Isère, especialmente centrado em Grenoble e nos seus arredores. Não desenvolvemos a história deste movimento para além dos anos 80, nem falamos das associações criadas desde então e que actualmente activas.

            Reencontramos aqui algumas constantes já assinaladas em raros estudos sobre o movimento associativo português de França (CEDEP, Colectivo de Estudos e Dinamização da Emigração Portuguesa, 1986; CCPF, Coordenação das Colectividades Portuguesas de França, 2001).

            O segredo deste movimento associativo para atingir proporções nunca conhecidas na história da imigração na França é aquilo que se poderia chamar a sua "incapacidade de unir-se", a sua "falta de unidade", a sua "extrema divisão". Se cresceu tanto, é porque, de facto, os conflitos internos neste movimento sempre tiveram tendência "a ser resolvidos"... pela criação de uma outra associação. Por outras palavras, cresceu por cissiparidade... o que, naturalmente, pôde ter as suas vantagens e (... enormes) desvantagens. As associações portuguesas são locais, são pequenas, mas exactamente por essa razão, tornaram-se numerosas.

            Esta sucessão de múltiplas iniciativas de um pequeno número de pessoas gera uma história. Uma história que é também a da criação – num período de dez ou quinze anos - de uma oferta variada de lazeres colectivos e de espaços de portugalidade, onde a identidade portuguesa é vivida mas também transmitida. Certas actividades são frequentes nas cidades de presença portuguesa relativamente importante: há a associação que se ocupa do futebol (ou outra actividade desportiva), há a associação-bar (que às vezes também se ocupa do desporto), há a que cria e faz viver um grupo folclórico, há a que participa em actividades culturais (Festa intercultural da cidade, uma Exposição de artesanato, um Fórum associativo), há a "especializada" em festas e excursões. É a este sinal distintivo que é possível falar de "sistemas associativos locais" portugueses.

            As "velhas" associações devem muito a trabalhadores muito empreendedores -e às suas esposas- preocupados de manter uma dimensão colectiva oposta a um quotidiano que separa os indivíduos e as famílias, esforçando-se por organizar lazeres colectivos, reconstituindo, tanto quanto possível, o ambiente da aldeia de origem. Ora, os líderes destas associações deixam progressivamente o lugar a outras figuras de líderes. Há em primeiro lugar, um revezamento garantido por   jovens, que às vezes provêm da progenitura mesma dos líderes idosos, cansados, reformados ou que regressaram a Portugal. Mas, verifica-se também a afirmação de novas figuras, porém já presentes nas "velhas associações", como o quadro bancário, um (a) professor (a) da primária ou do secundário, e, cada vez mais, o pequeno, o médio ou o grande empresário local ou o dirigente de empresas cujo objectivo comercial pode ter uma relação com as actividades de uma associação local, de que se tornam protectores.

            Salientemos igualmente uma evolução - já constatada  noutros sítios - a em que os presidentes das associações das comunidades procedentes da imigração se posicionam como "mediadores" entre os poderes locais e os membros da sua comunidade. Útil em certas circunstâncias, trata-se no entanto de uma prática que pende para a notabilização (a nível social), e pode dar lugar à desvios em termos de não respeito do pluralismo numa comunidade.

            Estas tendências não se verificam necessariamente no movimento associativo português de Grenoble. Como noutros sítios, há também no de Grenoble e sua região uma mistura de tendências sãs, inovadoras e outras menos sãs e mais "amarradas ao passado".

 

            Além disso, a geração que cresceu ou nasceu na França implica-se nas associações que se mantêm ou dão existência a outras. É deles que poderá vir a alteração deste movimento para uma maior abertura sobre a sociedade francesa.