Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


30-10-2015

Atirar Jesus aos leões e as alianças muçulmanas no futebol


Caros amigos,

Hoje, na Life&Style do Público, escrevo sobre futebol!...

Leiam: "Atirar Jesus aos leões e as alianças muçulmanas no futebol, ou de como a religião entrou no léxico mais banal"

 

Jogo entre o FC do Porto e o Maccabi Telavive

Jogo entre o FC do Porto e o Maccabi TelaviveAFP/ MIGUEL RIOPA

Atirar Jesus aos leões ou as alianças muçulmanas no futebol, ou de como a religião entrou no léxico mais banal

 

Muitos títulos de jornal gracejaram com a ida de Jorge Jesus para o Benfica há uns anos. Muitos mais foram recorrendo ao facto de esse treinador ter nome de messias quando os bons resultados apareciam, ajudando a criar uma aura de certa sacralidade, o que, certamente, teve alguma influência na forma arrebatada com que se deu a recente transferência do Benfica para o Sporting e toda a sequela que desde esse momento as nossas estações televisivas alimentam.

No quadro dessa transferência de Verão, mais algumas páginas foram acrescentadas ao anedotário que coloca Jorge Jesus num jogo de palavras e sentidos onde o cristianismo é central, chegando-se a citar o papa Francisco e a sua justificação de não visitar Lisboa em 2017: visitar uma cidade que “tirou Jesus da catedral e o mandou para os leões?”, questiona a anedota.

Ora, neste momento, quem me conhece será capaz de garantir que eu entrei em delírio tremendo. Contudo, sem ser totalmente falso, deverei em minha defesa dizer que o assunto é muito mais sério do que parece. De anedota em anedota, tecemos uma normalidade que, sem sentido de autocrítica, vai colocando o religioso totalmente fora do seu contexto.

E não estou, minimamente, a colocar-me numa posição de defesa do âmbito religioso, dizendo que ele deve estar resguardado do humor, da paródia, ou mesmo do sarcasmo. Não, o riso e o gozo são armas de aperfeiçoamento da realidade que nos fazem partir do supérfluo para o essencial. O que me interessa é, tão-somente, o facto de o leitor - e por vezes o autor do texto jornalístico - já não saber do que está a falar, o que está a referir, e as suas implicações.

O recente jogo entre o FC Porto e o campeão israelita é notório na falta de sensibilidade, uma vez que nem humor foi feito. Simplesmente jogou-se com um chavão, como se pudesse essa realidade ser engraçada. Dizia assim o jornalístico: “Aliança muçulmana acabou com a trégua do FC Porto ao Maccabi” (Público, 20/10/2015), remetendo o leitor para um quadro nada anedótico, numa semana em que o mundo assistia (e assiste ainda) a uma escalada de violência em Israel e na Palestina.

Mas obviamente, este caso de nada nos serve se não for usado, de uma forma mais lata, como exemplo do que é um processo já muito estudado em torno da banalização da violência e dos fenómenos de alienação.

O anedótico tem o valor de nos fazer pensar e de trazer a um horizonte de valoração uma realidade que, nesse lugar, passa a ser questionada. Contudo, ao ser usada como anedota, essa realidade tem, como é óbvio, um lugar de suficiente interesse para ter sido parodiada. Ao contrário, o uso de certas expressões ou analogias fora de contexto, como suposta metáfora ou imagem, destorcem a realidade e não se adaptam, minimamente, a uma reflexão crítica.

No caso dos jogadores do FC do Porto, para que nos interessa se eles são católicos, evangélicos, muçulmanos, ateus, ou outra coisa qualquer? Eles estão no plantel, supomos, porque jogam bem; e não é expectável que joguem melhor ou pior de acordo com a religião dominante nas equipas que defrontam.

No limite, o direito constitucional de não se ser importunado devido à sua religião, foi ultrapassado por um título sensacionalista que ligou o simples facto dos nomes serem de tradição islâmica ao facto de os jogadores serem, então, muçulmanos e agirem mediante um padrão que nos diz que todos os muçulmanos são anti-israelitas…. Nada há de verdade aqui, a não ser a falta de bom gosto na escolha deste título.

Mas, sem ir ao limite desta interpretação, os jogadores têm o direito a não ver a sua religião exposta, muito menos a serem confundidos com uma visão preconceituosa; Da mesma forma, os adeptos têm o direito a não saber das convicções íntimas dos jogadores de que são adeptos.

Pior que tudo isto, foi associar dois golos, coincidentemente marcados por jogadores possivelmente muçulmanos a uma equipa israelita, a um conflito fratricida que parece não ter fim, apesar dos muitos mortos já contabilizados.

Era escusado. Sim eram escusadas as mortes. Mas aqui no nosso cantinho, no conforto de quem não tem guerras e pode brincar com isso, era escusada a imagem.

Director da área de Ciência das Religiões da Universidade Lusófona

http://lifestyle.publico.pt/religiaonacidade/354637_atirar-jesus-aos-leoes-ou-as-aliancas-muculmanas-no-futebol-ou-de-como-a-religiao-entrou-no-lexico-m