Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


02-02-2016

Filhos legítimos e filhos bastardos Aline Frazão


"a Europa das contradições éticas de sempre "

ALINE FRAZÃO,luanda 1988, 

cantora e compositora,Licenciada em ciências da comunicação

 

 

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Filhos legítimos e filhos bastardos

•02.02.2016 

 

 

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                                  O tema “Imigração” nunca foi tão quente como agora, na Europa. As ameaças de terrorismo colocam à flor da pele os instintos de sobrevivência mais primários, que atropelam sem pudor os princípios morais e alimentam a gula da extrema-direita. França, no epicentro do medo, prepara-se para aprovar uma mudança constitucional que será um verdadeiro filtro de cores sobre a bandeira, marcando uma clara e perigosa divisão entre “franceses puros” e “franceses filhos de imigrantes”. Uns são os filhos legítimos. Outros serão sempre os bastardos. É a Europa das contradições éticas de sempre.

Aproveitando o estado de emergência em que o país se encontra desde os atentados de Paris, o governo de François Hollande pretende retirar a cidadania francesa a todos os condenados por terrorismo que tenham dupla nacionalidade. Ainda que seja para punir um crime tão grave como o terrorismo, esta diferenciação envia uma mensagem nefasta para a sociedade. Nas entrelinhas da resposta francesa lê-se, em letras capitais, uma diferenciação de tratamento que se justifica apenas na descendência familiar desses cidadãos franceses. Trata-se de uma medida claramente discriminatória que vai acentuar ainda mais a linha que divide a Europa do medo. Por discordar dessa proposta, a Ministra da Justiça, Chistiane Taubira, demitiu-se. “Por vezes, resistir é partir. Por fidelidade a si mesmo, a todos. Pela última palavra da ética do direito”, escreveu a ex-ministra no Twitter.

É a Europa a mostrar o pior de si. Lavando as mãos, como um pai que recusa a paternidade de um filho bastardo, recusando-se a assumir qualquer responsabilidade, retirando-lhe o nome da família. “Eles não são dos nossos. Nós não somos terroristas.” Porque os franceses filhos de imigrantes só servem a pátria quando for para ganhar a Copa do Mundo, ou caso se alistem para morrer numa guerra qualquer. Os franceses terroristas não são franceses. Os europeus não são terroristas. Os europeus são os bons da fita.

Contudo, qualquer país pode fabricar terroristas. Haverá sempre mais violência nas sociedades onde exista mais pobreza, menos oportunidades, menos liberdade e, acima de tudo, um pior acesso a uma educação longe do obscurantismo. Não tem a ver com nacionalidade, nem religião, nem cor de pele. O progresso social passa necessariamente por um contexto político que permita o desenvolvimento humano. A Educação liberta. O medo destrói.

Se hoje a Europa é considerada uma espécie de “Meca da paz e do progresso moral”, pelo no que acontece dentro das suas fronteiras, é porque durante séculos teve a oportunidade de acumular recursos que facilitaram o seu desenvolvimento económico e cultural. Pena que continue a faltar um desenvolvimento moral suficiente para evitar a aprovação de medidas como esta.

Sim, eles são franceses e são terroristas. Devem ser julgados todos segundo a mesma lei. Alguns serão filhos de imigrantes, outros não. O que importa? Eles nasceram no vosso solo e, à sombra invertida da vossa bandeira tricolor, fizeram-se homens. Cresceram nas ruas dos subúrbios das grandes metrópoles francesas, bem longe das câmaras fotográficas dos turistas. Eles enfrentaram desde cedo a exclusão social, o racismo e a desconfiança, por serem filhos de marroquinos, turcos, congoleses, senegaleses, tunisinos, malianos. Estudaram em escolas públicas, onde aprenderam a língua e a História da grande nação francesa, bastião moral da Europa, com uma história de mentes brilhantes, de conquistas sociais, dos aliados aos iluminados, da Revolução Francesa ao Maio de 68. A mesma nação que hoje vira as costas a um principio básico, sem o qual não existe República: “Égalité”.

http://www.redeangola.info/opiniao/filhos-legitimos-e-filhos-bastardos/