Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


13-12-2016

A SAUDADE PORTUGUESA NA TOPONIMIA BRASILEIRA


Antenor Nascentes -Rio

Os navegadores portugueses que a partir do século XVI começaram

a explorar os "mares nunca dantes navegados" à procura

de novas terras para "dilatar a fé e o império", levavam consigo

a saudade da terra natal e para mitigá-la muitas vezes davam

às povoações fundadas nomes dos lugares onde nasceram.

Outro tanto faziam os espanhóis, os franceses, os ingleses,

os holandeses.

Existiu uma Nova-Espanha, o México atual, uma Nova-Inglaterra,

a New-England, uma Nova-França, o Canadá, uma Nova-

Holanda, a Austrália.

O Brasil, por circunstâncias históricas, não pôde ser um Novo-

Portugal.

Considerado uma simples ilha na ocasião do seu descobrimento,

recebeu de Pedro Álvares Cabral o nome de Vera-Cruz,

alterado mais tarde para Santa Cruz e finalmente para Brasil.

Entretanto não deixou de haver nas bandas da América uma

Nova-Lusitânia, se bem que efêmera.

É o que nos informa Gabriel Soares de Sousa em seu Tratado

descritivo do Brasil em 1587, pg. 4.

Este nome ainda aparece na Prosopopéia de Bento Teixeira,

mas aplicado à capitania de Duarte Coelho Pereira (Pernambuco).

Mas se o nome da metrópole não foi aplicado ao extenso

território descoberto, em compensação grande número de povoações

receberam nomes e topónimos portugueses.

Há muitos topónimos brasileiros iguais a topónimos portugueses.

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Mas isto se explica naturalmente pela identidade de língua,

na maioria dos casos. Nem todos estes topónimos idênticos se

acham relacionados.

Xavier Fernandes, no segundo tomo de seus Topónimos e

gentílicos, pgs. 9-14, enfileirou uma série de 129 topónimos luso-

-brasileiros, mas muitos deles representam apenas mera coincidência.

Assim, por exemplo, ela dá Águas-Santas em Minas Gerais.

Este Águas-Santas de Minas Gerais nada tem que ver com

Águas Santas de Portugal. O nome foi dado em razão de águas medicinais

existentes na localidade.

E como este, Barreiros, Brejo, Cardosos, Entre-Rios e tantos

outros.

Por conseguinte, um estudo sôbre o assunto deve limitar-se

aos que de fato representam transplantação de topònimo português.

Essa transplantação quase sempre se operou espontaneamente,

graças ao concurso dos povoadores anónimos, saudosos da pátria

distante.

Algumas vezes se deu por influência oficial, com o intuito

de fazer desaparecer o topónimo aborígene, como aconteceu no

Pará em 1758.

O capitão-general Francisco Xavier de Mendonça Furtado

ordenou que se substituíssem por topónimos portugueses os de

origem tupi, visando assim a dissimular a origem indígena dos

povoados em que se transfiguraram os aldeamentos organizados

pelos jesuítas, incursos então na má vontade do marquês de Pombal.

A providência se destinava a impedir que o idioma dos índios

continuasse a suplantar o dos colonizadores, pois, como nota

Teodoro Sampaio, até o começo do século XVIII, a proporção

entre as duas línguas faladas na colônia era mais ou menos de

três para um, do tupi para o português.

Veremos, Estado por Estado, quais os topónimos idênticos

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que são transplantações de topónimos portugueses.

No Amazonas encontram-se: Borba, Silves, Barcelos, Badajoz,

S. Paulo de Olivença (Olivença, então portuguesa).

São numerosos os do Pará: Alcobaça, Alenquer, Alter do

Chão (antigo Borani), Almeirim (antigo Paru), Aveiro, Arraiolos,

Bragança, Chaves, Colares, Esposende (antiga Tuaré), Faro, Mazagão,

Melgaço (antiga Cuaricuru), Monsaraz, Monte Alegre (antiga

Curupatuba), Óbidos (antiga Pauxis), Oeiras (antiga Araticu),

Ourém, Portei (antiga Arucará), Porto de Moz, Santarém (antiga

Tapajós), Sintra, hoje Maracanã, Soure, Tentúgal, Viseu.

Mazagão, antiga Vila Nova de Mazagão, foi criada em 1770

para nela serem localizados os soldados portugueses, veteranos

das guerras de África, que tinham resistido aos mouros na cidade

africana do mesmo nome.

O Maranhão, Estado onde é grande a influência portuguesa,

até hoje, nem por isso conta muitos topónimos idênticos. Aparecem:

Alcântara, Viana (talvez a do Castelo, que não a do Alentejo),

Guimarães, Caxias.

Es,te último se repete no Sul, no Estado do Rio de Janeiro,

onde foi mudado para Duque de Caxias por ocasião da revisão

da nomenclatura geográfica e no Rio Grande do Sul, onde passou

a chamar-se Caxias do Sul.

O Piauí apresenta: Amarante, Oeiras, Valença (talvez a do

Minho), Jerumenha. Jerumenha, alteração de Jurumenha, recebeu

de Martius uma incrível etimologia tupi.

Oeiras antigamente se chamou Moxa. Quando foi escolhida

em 1761 para capital da capitania do Piauí, recebeu do rei D.

José I este nome em homenagem ao ministro Sebastião de Carvalho

e Melo, conde de Oeiras, mais tarde marquês de Pombal.

O Ceará conta: Sobral, Soure, Crato, Mecejana.

Não se pode pôr em dúvida o primeiro. Não há sobreiros no

Brasil.

Apesar de reconhecer a existência de uma vila portuguêsa

com o nome de Mecejana, apesar de reconhecer o étimo árabe des—

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te nome, José de Alencar dá a palavra como de origem tupi e significando

"a abandonada". Tira do verbo cejar, que significa "abandonar"

e diz que a desinencia ana indica a pessoa que exercita a ação

do verbo. Cejana significa "o que abandona". Junta a partícula mo

do verbo mohang, "fazer", vem a palavra a significar "o que faz

abandonar" ou "que foi lugar e ocasião de abandonar". Argumenta

afirmando que, se o nome proviesse de Portugal, devia escrever-se

Mecejana. Ora nos mais antigos documentos se encontra Mecejana

com c, o que indicaria uma alteração pouco natural, quando o Ceará

foi exclusivamente povoado por portugueses, os quais conservaram

em sua pureza todos os outros nomes de origem lusitana (Iracema,

ed. de 1936, pgs. 124 e 178). A argumentação de Alencar não

convence, diante da certeza do étimo lusitano.

O Rio Grande do Norte apresenta Macau e Estremoz.

A Paraíba e Pernambuco não apresentam nenhum topònimo

importante que nos interesse.

Alagoas, apenas Anadia.

Sergipe tem Badajoz.

A Baía conta: Abrantes, Barcelos, Belmonte, donde era senhor

Pedro Álvares Cabral, o descobridor, que tocou em terras

baianas em 1500, Alcobaça, Santarém, Trancoso, Olivença (hoje

espanhola), Valença.

O Espírito Santo nada apresenta de importante.

O Estado do Rio de Janeiro apresenta Arcozelo, uma simples

estação ferroviária. Lá existem Valença e Resende, que se

prendem a personalidades portuguesas.

Valença tem a seguinte origem.

Em princípios do século XIX, o vigário de Sacra Damília do

Tinguá, Manuel Gomes Leal, mandou erigir, sob a invocação de

N. S. da Glória, uma capela num antigo aldeamento de índios,

fundado por José Rodrigues da Cruz e outros, entre a serra das

Cruzes e a da Taquara. O aldeamento, vila em 1819, cidade em

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1857, tomou então o nome dè Valença em homenagem a D. Fernando

José de Portugal, marquês de Aguiar, descendente dos nobres

de Valença.

A cidade de Resende, segundo o testemunho de Aires do

Casal, Corografia brasílica, II, 19, foi criada no governo de D.

José Luís de Castro, segundo conde de Resende e quinto vice-

-rei do Brasil, sendo assim chamada em honra dele.

São Paulo apresenta a cidade de Montemor, Paranhos, Nova

Louzã, e as estações ferroviárias Lusitânia e Miragaia. Houve

uma antiga Queluz.

Paraná e Santa Catarina nada apresentam de importante.

O Rio Grande do Sul apresenta Alegrete, que não vem de

topònimo.

Havia no local uma cidade cuja capela os espanhóis incendiaram

em 1761.

O capitao-general marquês de Alegrete mandou reconstruída

e então os habitantes, gratos, deram à localidade o nome do

título do marquês.

Mato Crosso apresenta Melgaço.

Coiás nada conta que se possa atribuir a transplantação.

Finalmente, Minas Gerais possui Cedofeita, que lembra a

igrejinha do Porto, construida às pressas pelo rei Teodemiro dos

Suevos, para receber as relíquias de S. Martinho, Ericeira que

evoca a praia donde partiu para o exílio o rei D. Manuel II, Barbacena,

nome de freguesia próxima de Elvas, Queluz (hoje Lafayette),

lembrando o palácio real das cercanias de Lisboa, Matozinhos,

que possui um santuário que é uma réplica do que existe

no Porto, Mariana e S. João del-Rei. Mariana era a vila do Carmo.

Passou a ser cidade em 25 de Abril de 1745, recebendo este

nome em honra de D. Maria Ana d'Austria, esposa do rei D. João

V. S. João del-Rei era o antigo arraial do Rio das Mortes. Por auto

de 8 de Dezembro de 1713, D. Brás Baltasar da Silveira, governador

e capitão-general de S. Paulo e Minas, apelidou com o no—

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Tie de S. João del-Rei e mandou que com este título fosse de todos

o nomeado o arraial, em memória de El-Rei Nosso Senhor.

Perto de S. João dei-Rei fica a antiga vila de S. José do Rio das

Mortes, depois S. José del-Rei, hoje Tiradentes, cujo nome se atribui

ao príncipe real D. José, mais tarde rei D. José I, filho de

D. João V. Feita uma homenagem ao pai, julgaram de bom aviso

fazer outra ao filho.

Não serão muitos estes nomes, mas são os suficientes para

Provar que o lusíada, coitado!, no dizer de Antônio Nobre que

levado por seu gênio aventureiro deixava os pátrios lares, deles

¡amais se esquecia.

 

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