Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


04-01-2017

Retornados Uma história por contar - São José Almeida


 

Chegaram em barcos e aviões num movimento que durou poucos meses. Ficaram conhecidos como os "retornados". É meio milhão de pessoas que ajudaram a construir a democracia e o Estado social e cuja integração na metrópole é uma história de sucesso que a Revista 2 agora conta.

Meio milhão de portugueses foram integrados na sociedade portuguesa durante o período que vai do Verão de 1974 ao Verão de 1975, fruto da descolonização imposta pelo fim da ditadura do Estado Novo. É um movimento de integração populacional único que trouxe uma massa humana qualificada que contribuiu de forma decisiva para a construção do Estado democrático. Para a história ficaram conhecidos como os "retornados". Na realidade, são a última geração de portugueses que viveram e cresceram na África colonial portuguesa.

"É um dos momentos mais extraordinários da história portuguesa do século passado, a capacidade de integrar 500 mil pessoas que chegam em poucos meses", defende o empresário Alexandre Relvas, nascido em Luanda, para quem o movimento de integração dos retornados "correu tão bem que não é suficientemente valorizado, a sociedade portuguesa não valoriza essa capacidade enorme que teve". Também o sociólogo Rui Pena Pires, nascido no Huambo (antiga Nova Lisboa), e autor da única grande investigação sobre o tema (Migrações e Integração. Teoria e Aplicações à Sociedade Portuguesa, Celta, 2003), sublinha que houve uma "boa integração", uma vez que "não há marcas que se percebam".

O sucesso de integração é identificado por Alexandre Relvas com a "extraordinária generosidade" da sociedade portuguesa e com o papel igualmente "extraordinário" que o Estado então desempenhou. Mas também a capacidade de iniciativa e de luta do conjunto de portugueses que regressaram e que trouxeram o conhecimento e a mais-valia de serem os últimos colonos portugueses em África.

"Um dos aspectos que eu valorizo fortemente é ter nascido em África, ser um dos últimos filhos do Império português e ter uma consciência forte de que isso tem consequências, que implica responsabilidades na forma como olho para o que foram os 500 anos de presença de Portugal em África", assume Alexandre Relvas, frisando: "Somos os últimos portugueses do Império. A nossa memória é a última memória que existe do Império em África."

Não questionando a justeza da descolonização, o empresário de espectáculo e de comunicação social Luís Montez, nascido em Luanda, sustenta que a descolonização e o regresso dos portugueses à metrópole foi um processo "duro e não foi muito justo". Concretizando sobre Angola, considera que a descolonização devia ter sido feita "para lá ficar melhor, mas lá ficou em guerra". Não esquecendo que "a história é o que é", conclui: "Acho bem a independência, mas as coisas deviam ter sido feitas com mais método."

Protagonista do poder do Estado na descolonização, António de Almeida Santos, ministro da Coordenação Interterritorial do I ao IV Governos Provisórios, de 16 de Maio de 1974 a 8 de Agosto de 1975, partilha da visão de sucesso em relação à forma como foram integrados na metrópole os portugueses vindos do então Ultramar, mas reconhece que "implicou muito sofrimento". E sublinha que "a dificuldade criada pelos 500 mil portugueses foi um problema tão complicado para os governos dessa altura que diria que, tendo em conta o grau dessa dificuldade, o resultado final não esteve longe de ser o sucesso possível". Mas reconhece que "é claro que foi um drama de todo o tamanho", pois "as pessoas perderam tudo o que lá tinham, alguns eram bastante abastados".

Sendo também um retornado de Moçambique, o ex-governante adverte que, ao ser ministro responsável pela tutela do processo e ao "não ter podido garantir" aos retornados "o direito ao que lá tinham", tal como "nenhum outro Estado colonial garantiu", ele mesmo tomou "a atitude de não procurar salvar nada" do que de seu deixou em Moçambique.

A excepcionalidade do sucesso da integração é um facto que tem na sua origem uma multiplicidade de causas, algumas das quais fruto dos portugueses da metrópole, outros dos próprios retornados, afirma Pena Pires, sublinhando ainda que esse sucesso foi orientado e construído pelo Estado. Foi decisiva a atitude do Governo para a assimilação daquela que é a maior deslocação de populações na Europa no século XX. "Mesmo no pós-II Guerra Mundial, o repatriamento é de 2% a 3%, nenhum foi percentualmente tão grande", lembra Pena Pires, exemplificando que "o Reino Unido tinha um Império maior e teve 500 mil também, sendo que a maioria foi para os Estados Unidos", enquanto "em Portugal, poucos foram para o Brasil e os que foram, na sua maioria, fazem-no com carácter transitório, para depois virem para cá".

Fazendo a comparação com "o caso mais parecido", que é, nos anos 60 do século XX, o da integração dos pieds-noirs, os colonos franceses que regressaram a França após a descolonização da Argélia e outras colónias francófonas, sob o Governo de De Gaulle, Pena Pires salienta que há diferenças fulcrais: "A sociedade francesa estava estabilizada, por isso, surgem sindicatos e o movimento pied-noir."

Ora foi a noção de que os pieds-noirs eram em si um movimento de segregação que se prolongou e dificultou a assimilação que em Portugal houve cuidado para não repetir erros. "O comissário para os Desalojados pôs como condição ir a França ver o processo dos pieds-noirs" e os responsáveis com quem se encontrou "aconselharam a dispersão e assumiram que um erro francês tinha sido a concentração em Marselha" das populações coloniais vindas da Argélia, refere Pena Pires.

Outra decisão que teve como referência os pieds-noirs foi a questão das indemnizações. Em Portugal foram poucos os "tinhas", ou seja, aqueles que lamentavam o que tinham perdido (recorrendo à expressão "eu tinha") - "eram minoritários e pejorativamente designados" pelos próprios retornados. "Em França, as indemnizações são centrais, cá não se falou nisso" - uma atitude do Estado que "foi premeditada e inteligente, porque enquanto as pessoas estiverem direccionadas para o que perderam ficam ligadas a isso e não se identificam com o resto", afirma o sociólogo.

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