Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


16-11-2016

O derradeiro alerta de Cassandra Viriato Soromenho Marques


"A relação entre o cidadão e os governantes, em todo o mundo, tende a degradar-se por falta de transparência e de equidade. Esse é o grande aviso de Cassandra.  "                                                                                                               O derradeiro alerta de Cassandra  por Viriato Soromenho Marques Cassandra, uma das figuras do universal imaginário grego, representa o destino daqueles que, generosamente, arriscam alertar para as ameaças, na esperança de que as potenciais vítimas do perigo iminente sejam capazes de o evitar. Infelizmente, os avisos de Cassandra são vilipendiados, e a tragédia cumpre-se, como foi o caso da destruição de Troia pelo ardil dos Aqueus. O périplo europeu de Obama inicia-se debaixo das nuvens negras de uma catástrofe já consumada e em crescendo, a vitória do errático presidente eleito Trump. A passagem de Obama - agora transformado numa espécie de benevolente espetro - por Atenas e Berlim não é um acaso, mas sim a continuação coerente do trabalho europeu realizado pelas suas presidências. Em setembro de 2011, no auge da crise do euro, Obama chegou a enviar o seu secretário do Tesouro, Timothy Geithner, para explicar ao Eurogrupo, então chefiado por Juncker, por que razão a austeridade europeia não poderia dar certo. Alguns dos que hoje na Europa temem Trump foram os mesmos que em 2011 censuraram Geithner pelos seus avisados conselhos. Nos últimos cinco anos a maior ameaça para a estabilidade política e económica mundial pareceu-me residir no risco de fragmentação abrupta da zona euro (a ideia de um desmantelamento ordenado da zona euro, que algumas pessoas bem-intencionadas defendem não passa de uma piedosa fantasia). Contudo, com Trump em Washington, existe a forte probabilidade de uma qualquer singularidade caótica poder iniciar-se no lado de lá do Atlântico. Estou seguro de que Obama falará aos europeus da necessidade de cerrarem fileiras. Mas, tal como os troianos de Cassandra, há muito que quem manda na UE parece ter perdido a faculdade de saber escutar.

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