Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


02-10-2016

Distorções nas atitudes de eleitores brasileiros


PUBLICADO EM 01/10/16 - 03h00, Jornal O Tempo

Vamos às urnas amanhã, em momento crítico, porque os ânimos estão acirrados, diante das informações de corrupção e inaceitáveis privilégios dos políticos. Existe, entretanto, desta vez, uma novidade, porque alienados de outros tempos engajaram-se nas campanhas. Talvez surja daí outra práxis, porque os brasileiros optaram, até agora, pelos interesses pessoais, sem considerar candidatos que seriam melhores para a comunidade como um todo.

Predomina aqui distanciamento entre Estado e sociedade, porque, no período colonial, os habitantes eram submetidos a rígido controle externo, em que Portugal era visto como força insaciável que sugava nossas riquezas, sem deixar benefícios. Surgiu a esperança de que essa situação pudesse mudar com a Independência, mas o Estado foi apropriado pela elite que vinha controlando o poder e isolava-se do povo. Assim, ainda hoje, a massa da população percebe-o como avesso à sociedade e instância exclusiva das classes privilegiadas.

Ficamos, então, alheios ao Estado e descomprometidos com o patrimônio comunitário, rotulando-o como “bens do governo”. Não precisam, portanto, de preservação nem proteção; pelo contrário, são depredados para manifestar repulsa a governantes ruins. Admitimos também a apropriação individual dos recursos públicos, tolerando políticos que se acomodam na estrutura oficial em benefício próprio. Muitos cidadãos não reagem a essa postura indevida porque sonham em percorrer esse caminho para obter poder, riqueza e prestígio. Aceitam, então, que os candidatos construam sua carreira pelo atendimento aos próprios interesses diante de suas dificuldades perenes. Os vitoriosos conseguem, assim, formar seu curral eleitoral e introduzem os agentes da campanha na máquina pública para garantir a lealdade de seus protegidos. Essa estratégia sobrepõe-se à admissão de demandas coletivas que viabilizariam o desenvolvimento regional, a ruptura da subserviência da população e o bem-estar social.

A preferência pela troca de favores condiciona a construção da cidadania dos brasileiros. Eles aceitam o tratamento caloroso pelos candidatos na época das eleições e o distanciamento dos vitoriosos logo depois. Os eleitos isolam-se para evitar pedidos de emprego, ajuda material e intermediação de favores, mas livram-se, ao mesmo tempo, do cumprimento de promessas feitas durante a campanha. Criam barreiras tão eficientes que a população desiste de suas reivindicações até o próximo pleito, mas preserva o vínculo com o político que possa acudir numa emergência, como vaga em hospital sempre lotado ou transferência de escola para os filhos.

Os brasileiros irritam-se com a obrigatoriedade do voto, mas negociam sua escolha para obter favores pessoais. Isso mescla as categorias corruptos e corruptores, escancarando o individualismo, pois candidatos e eleitores querem construir apenas a própria trajetória sem preocupação com um projeto nacional.

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