Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


24-03-2018

Facebook no precipício Ricardo Costa


Se a manipulação de dados pessoais da rede social atinge os alicerces dos regimes democráticos, as campainhas de alarme devem tocar e não se pode retroceder   Inline image 

 

Ricardo Costa,in Jornal I

Digamos que o inevitável estava prestes a acontecer e aconteceu mesmo. A rede social Facebook está a enredar-se na teia que ela própria urdiu e, depois de ter negligenciado os sinais de crise e escândalo com omissões e desvios, confronta-se com o mais importante da sua sustentação: a credibilidade, a confiança e a segurança. Também a transparência e a integridade do sistema de armazenamento e tratamento dos elementos de privacidade e sigilo. Desde a primeira hora, há muitos anos, que me encontro entre os descrentes, os críticos, os previdentes e, por fim, os excluídos. Há demasiadas competências que não dominamos para nos entregarmos livremente – mesmo quando a utilização é exclusivamente institucional e empresarial. Há demasiadas possibilidades de invasão para que a criminalidade organizada, a ganância, a inveja e o mau caráter não possam fazer o seu caminho. Há demasiadas emoções, intimidades e opiniões expostas – por responsabilidade exclusiva dos autores das exposições – para que não haja risco de exploração desmedida por ciúmes, ódios, sabotagens e (os vários) terrorismos. Há demasiadas fake news virais e informações travestidas de notícia sem mediador para envolver os incautos. E, convenhamos, há demasiadas coisas alternativas à utilização do nosso tempo livre restante (e precioso) na visualização e alimento de uma rede social. Até porque, ao contrário do que se fez pensamento dominante, “a rede” nem sempre abre e democratiza; antes, vezes demais, fecha e tiraniza. Sem prejuízo da globalização e celeridade que permite, a rede é, vezes demais, um depósito de insultos e lixo. Que lá ficam, mas perduram. Tem informação preciosa, dispõe de acessos que desconhecíamos, enriquece quem de boa--fé navega e interage, facilita o negócio e a economia. Porém, o que fazer com a ditadura da manipulação e o heterodomínio sem regulação e garantias? Sair ou corrigir? Será ainda possível sanar e voltar a acreditar? Teremos de nos conformar e proteger ou algo mais pode ser feito?

No momento discutem-se as descobertas de alegada manipulação de eleições em vários países – com destaque para as eleições ganhas por Donald Trump nos EUA – por parte de uma empresa inglesa que se especializou na captação e manipulação dos dados pessoais de milhões e milhões de pessoas no Facebook em favor dos seus “clientes”. O que se soube como aparentemente seguro é aterrador. A seguir teremos certamente mais e mais episódios da confirmação do risco potencial que o alargamento das funcionalidades e das ampliações duma plataforma ilimitada com tantos danos previsíveis teria como inevitável. A rede é autofágica e, para continuar, não pode dar parte de fraca. É essa a estratégia de Mark Zuckerberg, pois foi essa a estratégia que, no início dos inícios, o levou ao estrelato e à riqueza. Se a Comissão Federal de Comércio dos EUA e o Parlamento Europeu querem saber, não é com Mark Zuckerberg nem com os administradores de topo que vão sair mais sabedores. O Facebook não tem solução. As outras redes poderão aprender mas, no fundo, pretendem atingir o cume do Facebook. O mundo entregou-se sem regulação e agora está sem solução. Pelos vistos, não chega sequer desprezar os bandidos e estranhar com tantas reservas as ostensivas exibições das pessoas. Chegou-se à base de tudo: o regime. E, quando assim é, as campainhas de alarme tocam. Com toda a razão do alarme.

 

* Professor de Direito da Universidade de Coimbra. Jurisconsulto

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