Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


16-09-2018

ARMANDO ALEXANDRE DOS SANTOS - LIVROS & LIVROS


Armando Alexandre dos Santos.jpgHá pessoas, e até verdadeiras personalidades, que nunca deveriam publicar livros. Recordo que, há cerca de dez anos, fui a Itu, para ser padrinho de casamento de um primo viúvo que se recasava. No hotel em que a família inteira ficou hospedada, minha irmã me passou um romance recém-publicado, de autoria de um "baladadíssimo" artista que, unicamente pelos seus méritos como cantor e compositor, era campeão de vendas de um romance. Ao me passar, minha irmã comentou que ficara decepcionada, que melhor seria o tal artista nunca se ter aventurado a escrever. Levei o livro para o apartamento e, antes de dormir, fui até à página 50. Deixei-o enfastiado, sem vontade de prosseguir. Medíocre, cheio de lugares comuns, querendo chocar os leitores e, pelo choque, atraí-los. Poderia até passar para um jovem iniciante, imaturo nas letras, não porém para um sexagenário já consagrado como artista. Justamente por respeitar esse nome, prefiro não o citar pessoalmente.

E há, também, grandes escritores que, de vez em quando, em horas menos felizes, produzem banalidades. Nem todo bom escritor mantém, sempre, o mesmo nível de suas produções. Algumas, melhor seria que jamais vissem a luz do dia. Lembro de minha decepção ao ler "Viagem à Inglaterra e à Escócia", do grande Júlio Verne, autor que fascinou minha distante adolescência, com suas geniais produções. Sou, por outro lado, igualmente fascinado pela Escócia, em especial pelas Highlands, pelos jacobitas, pelos clãs seculares, pela cultura céltica em geral e pela escocesa em particular. Os romances históricos, ou de fundo histórico, de Walter Scott e de Robert Louis Stevenson, aclimatados na velha Escócia, nunca me canso de reler. Quando soube da existência de um livro de Júlio Verne sobre a Escócia, encontrado e dado à luz quase 100 anos depois da morte de seu autor, quis logo lê-lo, esperando encontrar maravilhas. Foi uma decepção. Mero relato de viagem, sem nenhum interesse, sem conteúdo, sem descrições psicológicas de personagens, sem análise profunda de ambientes, sem nada que prestasse... pelo menos no meu juízo. Quis ler, então, outro romance do mesmo Verne, também aclimatado na Escócia, intitulado “O raio verde”. Nova decepção...

Romances clássicos, que li e que recomendo sempre são “A ilustre Casa de Ramires”, de Eça de Queiroz (verdadeira obra-prima de todos os pontos de vista). e “O alienista”, de Machado de Assis, modestamente classificado como conto, por seu autor, mas que melhor seria designado como novela, ou romance. Outra obra-prima de bom gosto, fina ironia, maestria no trato da língua portuguesa.

É curioso como um mesmo autor, sendo lido na adolescência e na idade adulta causa impressões diversas. Quando era adolescente, devorei quase toda a obra do José de Alencar, que me encantava. Depois de adulto, reli “O Guarani”, “Iracema”, “As Minas de Prata”, e achei tudo, como se diz vulgarmente, "a maior xaropada".

De Machado de Assis, que tentei ler na adolescência, não gostei muito; mas fui reencontrá-lo já adulto e me encantou; tenho por ele a maior admiração. “Esaú e Jacó”, por exemplo, lembro que li ainda menino e não achei grande coisa. Quando disse, na ocasião, que estava lendo esse livro, minha professora de Português da primeira série do Ginásio comentou comigo que era um livro que eu não podia entender, só entenderia mais tarde. Eu fiquei muito desagradado por ela me considerar criança... e do alto dos meus 12 aninhos respondi, muito sisudo, que tinha entendido muito bem. Lembro que ela fez, expressivamente, um sinal de dúvida. E ela tinha razão. Muitos anos depois, já com perto de 40 anos, fui reler o mesmo livro e só então compreendi toda a sua profundidade. É uma grande obra da nossa literatura.

Há, também, livros que não podem ser lidos uma única vez, seja qual for a idade do leitor. Necessitam de releituras e aprofundamentos. O caso mais típico, talvez, seja “Grande Sertão, Veredas”. Na primeira vez, lê-se entendendo muito pouca coisa. Numa segunda leitura, começam a aparecer profundidades antes despercebidas. E depois da terceira ou quarta leitura, o livro revela, por inteiro, sua inesgotável riqueza. No meu modesto modo de entender (admito que isso é muito opinativo, claro), Guimarães Rosa disputa com Machado de Assis o primeiríssimo lugar, na literatura ficcional brasileira.

ARMANDO ALEXANDRE DOS SANTOS, é historiador e jornalista profissional, membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e da Academia Portuguesa da História.

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