Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


19-09-2017

Poema na pesquisa genealógica?! escrito por José Pinto Rebello de Carvalho


Entre as fontes documentais possíveis para pesquisa genealógica, já mencionei os assentos paroquiais, as fotografias e cartas familiares, os registros militares, os periódicos e as cartas régias. Todas são consagradas, embora não exclusivas para esse tipo de pesquisa, pois há muitas outras que ainda não discuti aqui no blog.

Porém existe ainda uma fonte insuspeita: a literatura. Por sua natureza normalmente associada à livre criação e expressão de sentimentos, seria fácil relegar a produção literária a um grupo de textos inúteis para uma pesquisa que se quer objetiva e exata no que diz respeito a nomes, datas e locais.

A literatura, no entanto, também pode fornecer pistas sobre nossos antepassados. É exatamente isso o que pretendo provar com o poema abaixo, escrito por José Pinto Rebello de Carvalho, primo de minha trisavó paterna sobre quem já tratei em alguns textos – especialmente neste e neste.

O Adeus d’um proscrito

Rompe a aurora: adeus, esposa…
Oh! cruel adeus extremo!
Sinto o compassado remo
Estas águas já cortar;
Mais não posso demorar-me
Eis a hora d’embarcar.

Lá m’espera sobre as ondas
O veloz Baixel britano:
Vamos ver se no Oceano
Doce abrigo posso achar.
Mais brandura que na terra
Lá talvez hei-de encontrar.

Vou fugir fúrias que infestam
Desgraçada Lusitânia:
Na feliz, culta Britânia
Meigo asilo encontrar:
Pai, irmãos, amigos, tudo
É forçoso abandonar.

Ah! não chores, que meu peito
Vil remorso não oprime:
Culpas não tenho; é meu crime
Um nobre, um livre pensar.
É-me glória a fatal lista
Dos proscritos aumentar.

Baixos, cruéis instrumentos
Da Ignorância e da Maldade,
A que negra atrocidade
Nós os vimos entregar!
Tão execrandos delitos
É tormento recordar.

Mas oh! dor, onde me levas?
Fugir só cumpre: é já dia..
Dos Nautas a gritaria
Vai as velas levantar.
Parto, adeus oh! Esposa oh! Pátria…
Não posso mais que chorar.

O poema deve ter sido escrito pouco antes do exílio a que José foi forçado por apoiar a causa liberal de nosso d. Pedro I contra a causa absolutista de seu irmão d. Miguel – ambos filhos de d. João VI e Carlota Joaquina.  A derrota dos liberalistas obrigou vários intelectuais a buscar refúgio na Inglaterra, país a que se faz referência no poema em versos como O veloz Baixel britano (citação ao barco em que embarcou para a Inglaterra) e Na feliz, culta Britânia.

José deixa claro que teve de fugir de sua Desgraçada Lusitânia não por haver cometido um crime (Culpas não tenho), mas pelas ideias que defendia (meu crime Um nobre, um livre pensar). O destino inicial de José Pinto e de outros perseguidos  parece ter sido a cidade portuária de Plymouth, pois, segundo o pesquisador Fábio Alexandre Faria, era onde “a maioria dos emigrados estava concentrada, ainda no decorrer do ano de 1828”.

Ainda segundo esse pesquisador, foi em Plymouth que José Pinto redigiu, entre novembro de 1828 e abril de 1829, O Padre Malagrida ou a Tesoura: Periódico Político e Literário, cujo título era uma homenagem irônica e provocadora ao bispo de Viseu, D. Frei Alexandre Lobo, e a Agostinho Luís da Fonseca, alfaiate de profissão, ambos miguelistas. Já em Londres, entre 1831 e 1832, José redigiu O Pelourinho, periódico publicado de forma semiclandestina no qual atacava Pedro IV – ex-imperador do Brasil.

The Barbican area of Plymouth

The Barbican area of Plymouth – Fonte: Plymouth Heritage

Dados de interesse genealógico surgem, de fato, em outros versos. José era casado com Maria José Adelaide Ferreira Pinto, com quem teve ao menos uma filha. Nenhum registro foi encontrado sobre elas até o momento, mas o poema sugere – ainda que a filha não tivesse nascido até momento do embarque – ao menos que sua esposa não o tenha acompanhado na viagem para o exílio, pois ele se despede dela no momento da partida: Rompe a aurora: adeus, esposa… e ainda Parto, adeus oh! Esposa oh! Pátria… .

A título de curiosidade, descobri que o poema foi musicado e gravado pelo cantor angolano-português Luís Cília (1943 – ), que também sofreu a experiência do exílio. Ouça a gravação abaixo.

Poema

 

   
 

Poema

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