Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


28-01-2019

A Língua Portuguesa no País Basco - Marco Neves


 

Sem que ninguém por cá desconfie, há dezenas e dezenas de pessoas a aprender a nossa língua em Bilbau. Fui até lá conversar com elas — aqui fica um pequeno relato do que se passou

Um cão feito de flores (e um papagaio morto)

Foi uma proposta que me deixou intrigado: Xavier Portas, professor de Português em Bilbau, convidou-me há uns meses para ir até lá falar um pouco sobre a língua, a propósito dos meus livros.

Aceitei, claro. Afinal, não só gosto muito de conversar sobre o assunto, como ainda por cima teria a oportunidade de ficar uns dias no País Basco, território mais do que apetecível para quem gosta de línguas.

Desta vez, decidimos aqui em casa que iríamos todos…

Chegou o dia e lá nos enfiámos no carro em direcção a norte — o Simão, o Matias, a Zélia e eu.

Ora, como entusiasmar o Simão para uma viagem? Não é que ele não goste de passear — mas o percurso ainda é grande e convém lembrar os prazeres que nos esperam.

Pois bem: como explicar os prazeres de Bilbau a um miúdo? Falei-lhe do museu, mas isso da arquitectura ainda não o impressiona.. Decidi então mostrar o cão gigante que nos esperava. Ele ficou logo de olhos arregalados. Fez-me então uma pergunta que não esperava — e que prova como as frases mais inimagináveis podem sair, de forma perfeitamente razoável, da boca duma criança:

— Este cão é feito de quantas flores?

Sorri — e pesquisei rapidamente na Internet. Parece que a obra de Jeff Koons usa 37 000 flores.

O Simão ficou impressionado. Ao telefone com os avós contou que havia em Bilbau um cão feito de 37 000 flores. Nunca mais se esqueceu do número.

Chegámos à capital da Biscaia depois de um longo percurso pelas planícies castelhanas e um pequeno percurso pelas serranias bascas.. Chovia. Decidimos ir ver o museu na mesma! O Simão não se calava com o cão…

Pois, estando nós no século em que estamos, carreguei no botão do Google Maps e disse «Museu Guggenheim», para ver se a senhora do GPS me levava até ao sítio certo.

Ora, o reconhecimento de voz do Google funciona muito bem — menos quando não funciona. No ecrã do carro apareceu em destaque aquilo que eu tinha dito (só que não): «Morreu o Papagaio».

Abri um pouco a boca, olhei para a Zélia — e partimo-nos os dois a rir. O problema era da chuva, certamente, que bate forte, fortemente e dá cabo do som da voz. Talvez também fosse da minha dicção cansada de muitos quilómetros. Ou das dificuldades fonéticas do português. Ah, mas os erros, às vezes, são uma delícia. Ali não estava apenas um grande falhanço do Google — estava também a memória dum certo sketch dos Monty Python em que um papagaio está mesmo muito morto…

Depois de parar de rir, o que não foi fácil, lá nos lembrámos de não complicar. Gritei ao Google Maps apenas e só a ordem «Museu!» — e o gajo apresentou-me, sem mais delongas, o caminho para o Museu Guggenheim de Bilbau.

A lógica da inteligência artificial parece ser esta: se alguém em Bilbau grita «Museu!», é porque quer ir àquele museu. Já a lógica do papagaio morto? O Google tem razões que a razão desconhece.

Passámos à frente do cão. Mas o que víamos era uma mancha entre pingos de água — impressionou, mas ficámos com vontade de parar e vê-lo mais de perto. Por trás, o museu parecia uma chama gigante de metal à chuva.

Aprender português porquê?

No dia seguinte, continuou a chover. Uma pessoa habitua-se — apesar de tudo, deu para perceber que a cidade é muito mais bonita e interessante do que pensava (só lá tinha ido por uns minutos, há muitos anos, numa viagem com os meus pais em direcção à França).

Perto da hora da conferência, pus-me a caminho. Atravessei os pingos da chuva até à Escola Oficial de Idiomas de Bilbau. O que são as escolas oficiais de idiomas? São escolas públicas que, em toda a Espanha, permitem a adultos aprender línguas pagando uma propina anual mínima.

Já sabia que há alguns milhares de alunos de português na Galiza e na Extremadura espanhola. Não sabia — até ser convidado para lá ir — que também havia alunos de Português em Bilbau. Confesso que não sabia quantas pessoas me esperariam. Tanto quanto sabia, podia ir falar com um pequeno grupo de cinco ou seis pessoas.

Tive uma surpresa. A sala estava cheia. Fiquei feliz, embora um pouco nervoso. O Xavier já me tinha avisado que convinha não falar muito depressa, pois alguns dos alunos estavam a começar agora a aprender português. Fiz o meu melhor para não acelerar a fala, mas não sei se fiz o suficiente — seja como for, todos ouviram com atenção, sorriram e riram, o que significa que perceberam alguma coisa. Falámos das delícias da língua, das palavras do meu filho, dos animais escondidos no português, dos mal entendidos entre falantes, dum pouco de História, de palavrões, da fonética portuguesa (que tanto arrelia quem tenta aprender a língua) e de mais umas quantas coisas…

Pelo menos naquela sala, o entusiasmo pela nossa língua é grande. Perguntei quais as razões que os levaram a aprender português. Não, não estava perante familiares de portugueses ou brasileiros (talvez houvesse um ou outro, mas não se acusaram). Os alunos que responderam disseram coisas curiosas: Portugal está perto e é bom aprender a língua para conversar melhor com os portugueses; é também muito bom ler mais e ouvir notícias em português, que ajudam a ter uma perspectiva diferente sobre as notícias; e havia quem quisesse ler literatura em português no original.

As dificuldades? Para começar, a nossa fonética difícil — tanto o espanhol como o basco têm muito menos vogais do que o português. (Não lhes disse, mas pensei: até o Google tropeça nos nossos sons…) Outra dificuldade? A falta de livros portugueses nas livrarias espanholas!

Sim, as barreiras das línguas, às vezes, são menos complicadas do que as barreiras práticas — apesar de estarmos na União Europeia, é difícil comprar livros do país vizinho. Não é impossível: mas demora mais tempo e é muito mais caro.

Fiz-lhes uma última pergunta: o que acontece quando vão a Portugal e tentam usar a língua que aprendem nas aulas? Ora, como o sotaque não é perfeito, muitos portugueses acham que os visitantes estão a falar espanhol e respondem em portunhol. Agruras de quem quer falar português!

Seja lá por que razão for, há por ali 150 alunos de português — que aprendem a nossa língua por opção! No final, conversámos sobre as leituras que estão a fazer, sobre escritores portugueses e brasileiros e sobre muitas outras coisas… Para mim, foi um verdadeiro prazer. Quando percorri as ruas de regresso ao hotel, entre a chuva, ia bem contente. Para o caso de algum dos presentes ler estas palavras, aqui fica: muito obrigado! Agradeço ainda o convite ao Xavier e à Estitxu, os professores de Português da escola.

Um museu ao sol

Na manhã em que iríamos embora, a chuva parou e o sol apareceu. Pusemos as malas e os miúdos no carro e lá fomos ver a mesma cidade dos dias anteriores, agora a cores. As margens da ria são espantosas! Parámos ao pé do famoso cão e vimos o sol a brilhar nas bem torneadas paredes do museu.

Foi uma manhã feliz, mesmo antes da viagem de muitas horas até Portugal. Por ali, tentava ouvir quem conversava para encontrar um pouco de basco — afinal, em Bilbau, numa situação parecida com a do irlandês na Irlanda, vê-se muito basco nas placas, mas ouve-se pouco a língua. Gostava de ter explorado aldeias e vilas e procurado a língua na boca das gentes — mas a chuva não ajudou (afinal, duas crianças não são pêra doce).

Lá encontrei um casal que discutia animadamente em basco. Apesar da gramática muito distante das outras línguas europeias, a fonética tem semelhanças à fonética do castelhano. Note-se que o castelhano é uma língua atípica, no que toca aos sons — tem pouquíssimas vogais em comparação com as línguas ao lado (o português e o catalão, por exemplo). Uma das explicações é a antiga influência da fonética basca no castelhano.

Foi a comer pintxos com a Zélia e o Simão, enquanto o Matias olhava com o espanto dos seus doze meses para o dourado do museu, que me fui deliciando com aquelas palavras estranhas — não percebia nada, excepto o «bueno» com que os bascos salpicam as conversas e uma ou outra palavra que se percebe, por ser importada das nossas línguas latinas.

Para provar como o basco é mesmo muito diferente das nossas línguas indo-europeias, aqui temos um cartaz sobre uma exposição do museu. A expressão castelhana «De Van Gogh a Picasso» é, em basco, «Van Goghetik Picassora».

Foi assim que acabei uma viagem para falar do português a ouvir uma língua que, de tão distante e estranha aos nossos ouvidos, me deixa sempre com água na boca.

O que é bom acaba depressa, não é? Lá nos pusemos a caminho. Proponho agora que o leitor também se ponha a caminho — a caminho de outro artigo sobre o basco:

 

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