Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


28-05-2019

A vida dos negros na Alemanha nazista


Damian ZaneBBC News 

foto de garota negra cercada por garotas brancas, usada em palestras sobre genética na Academia Estadual de Raça e Saúde em Dresden, Alemanha, 1936.

Direito de imagemBIBLIOTECA DO CONGRESSO AMERICANOImage captionFoi a partir de uma fotografia que a cineasta britânica se interessou em contar a história dos negros na Alemanha

A cineasta britânica-ganense Amma Asante se deparou, por acaso, com uma fotografia antiga, tirada na Alemanha nazista, de uma garota negra vestindo uniforme escolar. Diferentemente das colegas brancas que encaram a câmera, ela desvia o olhar.

A foto despertou a curiosidade de Asante, que quis saber mais sobre a garota.

A imagem a levou a escrever e dirigir o longa Where Hands Touch (Onde Mãos Tocam, em tradução livre), estrelado por Amandla Stenberg (Mentes Sombrias) e George MacKay (Capitão Fantástico), que está chegando aos cinemas na Europa.

O filme é um relato imaginário do relacionamento secreto de uma adolescente mestiça com um membro da Juventude Hitlerista, mas é baseado em registros históricos.

Durante o regime nazista, de 1933 a 1945, o número de alemães com origem africana vivendo no país chegou à casa dos milhares.

Ao longo do tempo, eles foram proibidos de se relacionar com pessoas brancas e impedidos de ter acesso a educação e a alguns tipos de trabalho. Alguns chegaram a ser esterilizados; outros foram levados a campos de concentração.

'Descrença e desconsideração'

A história desses alemães negros ou mestiços ainda é pouco conhecida. Asante levou quase 12 anos trabalhando no filme.

"Há uma espécie de descrença, de desconfiança e questionamento, uma tendência a dar pouca importância às vidas difíceis que essas pessoas levaram", disse ela à BBC, ao comentar a reação que observou de algumas pessoas quando falava sobre sua pesquisa para o filme.

Amandla StenbergDireito de imagemSPIRIT ENTERTAINMENTImage captionA atriz Amandla Stenberg interpreta Leyna no filme 'Where Hands Touch'

A comunidade africana-alemã tem suas origens no curto período do Império Colonial Alemão que, entre 1883 e 1919, administrou territórios em diferentes continentes. Marinheiros, funcionários, estudantes ou pessoas do mundo do entretenimento de regiões que hoje constituem países como Camarões, Togo, Tanzânia, Ruanda, Burundi e Namíbia foram parar na Alemanha.

Quando a Primeira Guerra Mundial começou em 1914, essa população que antes era transitória se assentou na Alemanha, segundo o historiador Robbie Aitken. E alguns soldados africanos que lutaram pela Alemanha na guerra também se instalaram no país europeu.

Mas foi um segundo grupo cuja presença acabou alimentando o temor dos nazistas relacionado à miscigenação.

Como parte do tratado assinado depois da derrota da Alemanha na Primeira Guerra Mundial, as tropas francesas ocuparam a Renânia, no oeste da Alemanha. Para policiar essa área, a França usou pelo menos 20 mil soldados do seu império na África, principalmente do norte e oeste do continente africano. Alguns deles acabaram tendo relacionamentos com mulheres alemãs.

Caricaturas racistas

O termo pejorativo "bastardos da Renânia" foi cunhado na década de 1920 para se referir às cerca de 800 crianças mestiças, filhas de alemãs com os soldados de origem africana.

O termo estava diretamente ligado ao temor que muitos tinham da miscigenação, de por em risco a "pureza" da raça alemã. Histórias inventadas e caricaturas racistas de soldados africanos como predadores sexuais circulavam na época, alimentando o medo e o ódio ao "estranho".

recorte do jornalDireito de imagemROBBIE AITKENImage captionManchete do jornal Frankfurter Volksblatt em 1936: "600 bastardos"

Enquanto o antissemitismo ocupava um lugar de destaque no coração da ideologia nazista, o livro Mein Kampf, ou "Minha Luta", do líder do Partido Nazista Adolf Hitler, trazia uma linha ligando judeus a negros.

"Foram e são os judeus que estão trazendo os negros à Renânia sempre com os mesmos pensamentos secretos e objetivo claro de arruinar a odiada raça branca pela resultante 'bastardização'", escreveu Hitler na obra publicada em 1925 com suas ideias e crenças.

Uma vez no poder, a obsessão nazista com os judeus e a purificação da raça levou, gradualmente, ao Holocausto e ao extermínio de seis milhões de judeus durante a Segunda Guerra Mundial, além do extermínio de ciganos, de pessoas com deficiências e de algumas etnias eslavas.

O historiador Robbie Aitken, que pesquisa a vida dos alemães negros, diz que esse grupo também foi perseguido, ainda que não da mesma forma sistemática dedicada à perseguição de judeus, por exemplo.

Aitken diz que os negros acabaram sendo assimilados pela "radicalização da política racial" dos nazistas.

'Me senti meio-humano'

Em 1935, foram aprovadas as Leis de Nuremberg (legislação antissemita promulgada pelo regime nazista) que proibiam, por exemplo, casamento entre alemães e judeus. Emendas estenderam a proibição, colocando negros e ciganos na mesma categoria dos judeus.

O medo da miscigenação persistiu e, em 1937, crianças mestiças da Renânia foram submetidas à esterilização forçada.

 

https://www.bbc.com/portuguese/internacional-48363834