Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


25-09-2019

A turma - Maria Eduarda Fagundes


A turma

Depois de tantos anos iria reencontrar colegas e amigos. A turma do Dr. Guilherme fora a última a frequentar a histórica e famosa Faculdade Nacional de Medicina do Rio de Janeiro na Praia Vermelha, hoje localizada na Ilha do Fundão e fazendo parte da UFRJ.  O encontro de confraternização prometia bons momentos. A maioria dos médicos se hospedou no mesmo Hotel onde seria realizado o evento.

Logo à chegada, reconhecimentos, risos e abraços efusivos. Uns, mais que outros, pareciam envelhecidos, tinham no lugar da vasta cabeleira da década dos anos setenta cabelos grisalhos cortados rente ou uma luzidia cabeça glabra, aeroporto de mosquitos, diziam os mais espirituosos gracejando sempre. As silhuetas delgadas da juventude se arredondaram, criaram barriga, ou secaram com alguma dieta eficiente ou por uma genética marcante. Na recepção do hotel, desfilavam os doutores com suas malas e esposas, novas (de casamentos recentes) ou antigas. (dos primeiros casamentos).  Alguns aparentavam prosperidade, outros se apresentavam com mais modéstia. O tempo, as capacitações, oportunidades   e opções de vida fizeram entre eles as diferenças. Havia os que  escolheram para trabalhar  centros médicos urbanos maiores, onde poderiam contar com hospitais modernos e bem aparelhados, reconhecidos pela categoria, voltados para pesquisas e excelência. Assim participariam com mais facilidade e frequência dos Congressos Médicos Nacionais e Estrangeiros, onde seus trabalhos poderiam ter mais visibilidade, adquirir prestígio, conquistar fama. Outros apenas sobreviveram na profissão. E havia também aqueles, como o Dr. Guilherme, sem brilho, modestamente vestidos, que procuraram em lugares distantes, sem muitos recursos, um espaço para viver e clinicar com mais tranquilidade. Mas a alegria de rever os amigos, recordar passagens da juventude na Faculdade, tornava-os iguais, como recém-formados.

À noite, no jantar, a decoração agradável, os drinques, a comida apetitosa, o som das músicas dos anos 70, tudo propiciava a risos e brincadeiras, a troças e gracejos. Era voltar um pouco no tempo, viver uma época mágica, feliz e descompromissada, quando jovens e cheios de sonhos a amizade unia a todos num verdadeiro laço de congraçamento .   

No final do evento, nas despedidas, longos e sinceros abraços. Votos de felicidades. Trocaram números de telefones e endereços de e-mails, fizeram promessas de novos encontros, ignorando propositalmente que o tempo e os ventos fazem esquecer ou quebrar juramentos.

Depois de uma longa e extenuante viagem, eis novamente o Dr. Guilherme de volta à pequena cidadezinha do interior. Esperava-o na estação o seu fiel escudeiro-mor e taxista, o Juca, sempre grato ao doutor que lhe salvara de uma apendicite aguda, operando-o na hora em que precisava.  Chegou trajando o seu velho terno cinza, usado para todas as ocasiões sociais de importância, que de tão antigo não mais fechava.  

Enquanto dirigia, o velho Juca dava noticias inteirando o doutor das novidades.

O Sr. Sabe,  o Gervásio, aquele que o “seu dotô” tratava da pressão “arta”, pois é... “passô mar e teve que ser internado às pressa”. Se não fosse o Dr. Juvenal, o médico que chegou estes dias da “capitar”, eu não sei não... acho que “ele batia com as bota”... Mas também parece uma esponja... bebe como ele bebe... um dia não vai ter remédio que o “sarve”... E a D. Juvelina, a viúva... teve outro filho, deu à luz antes da época, o marido já “tava” doente quando ela engravidou...penso que ele morreu foi de desgosto... dizem as  más línguas que ele era estéril desde que teve caxumba nos “bago”...  Finalmente a Prefeitura passou a patrola na estrada que leva à roça dos Pimenta... já podemos rodar sem o risco de cair nalgum buraco quando o dotô for visitá  D. Hortênsia. Já o prefeito está em casa com Dengue... agora todos sabem onde encontrá-lo...

Ao chegar à porta de casa, já atualizado das novidades, sentiu paz e contentamento! Recebia-o a família reunida. À mesa do café, a mulher e os filhos, ansiosos, faziam mil perguntas. Queriam saber como fora a festa. Se havia sido recebido com amizade, se eram bonitos os vestidos das esposas dos colegas... Mal começara a responder as perguntas já alguém batia à porta do médico. Era um chamado para ir ver a D. Chica que não dormira à noite por causa de um abscesso na nádega. E depois já o esperava o reumatismo do seu Zé Maria, a úlcera da D. Catarina, a nefrite do Pedrinho, ... doenças tão comuns que não lhe trariam fama ou dinheiro, mas que ao final do dia, após tratá-las, teria a agradável sensação do dever cumprido, mesmo sabendo que para o resto do mundo isso talvez não valesse nada.

Uberaba, 08/09/19

Maria Eduarda Fagundes