Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


07-12-2006

Quando o Natal se aproximava...


Márcia Frazão

Quando o natal se aproximava, a cozinha de Virgínia misteriosamente ficava com cheiro de mel. E se você esticasse um pouquinho mais o olhar decerto avistaria uma abelha. "A rainha", como Virgínia dizia. Confesso que não era tarefa fácil encontrá-la. Havia muitas panelas, bules, xícaras, potes, tigelas, peneiras, coadores, paninhos e panões que anuviavam a vista e escondiam a danada sabe-se lá onde. Mas depois de transcorrido o tempo, entre os amassos na massa do pão , a modelagem dos biscoitos e a cascata de chocolate sobre os pães de mel, eis que surgia a fujona!
    Mas não pense você que a abelha era uma abelha comum. Não, a abelha da cozinha de Virgínia possuía "estranhas" propriedades. Era uma abelha mágica! Dadeira de dádivas, ouvideira de desejos. E como ela dava e ouvia!
    A abelha da cozinha de Virgínia gostava de ouvir as coisas que até Deus duvida e era mestra em realizar os desejos impossíveis. Aliás, quanto mais impossíveis eles fossem, mais ela se esmerava em torná-los fáceis e banais. Mas não pense você que ela dava tudo isso de mão beijada. Para tanto era preciso seguir algumas recomendações. A primeira, e talvez a mais importante, era imaginar coisas que corassem e dilacerassem as convicções. Ah, essa era tão difícil como encontrá-la em meio as tralhas da cozinha! Com um pouco de imaginação corava-se de pronto, mas dilacerar as convicções... era osso duro de roer! Mas quando a tarefa era cumprida, não havia jeito de voltar atrás. A danada cumpria a palavra!
    Depois, a danada sumia deixando no ar um zumbido e a impressão de que tudo não passara de um sonho. E era nessa hora que entrava em cena a magia: Virgínia retirava do forno um enorme pão de alecrim com formato de abelha."A Rainha", como ela mesma dizia! O comíamos à meia-noite do dia 24 de dezembro, regado com muito vinho e manteiga de nata. Virgínia nos pedia entâo para reservarmos o último naco e o guardássemos para a massa do pão do natal seguinte. "Coisas de Portugal", como ela mesma dizia.
    Não sei se pela magia da abelha ou pelo tempero de mel, o ano transcorria regado ao doce aroma de uma colméia escondida num pé de alecrim...

Bem, essa é uma lembrança de natal que eu quis compartilhar com você. E também porque estou enviando a abelha de Virgínia para a sua cozinha. Ela certamente realizará todos os seus desejos e lhe trará muita alegria. Bizzzzzzzzzzzzz... Ouviu o zumbido dela?

 Como eu disse, a abelha se esconde e as vezes acaba escondendo a própria cozinha! Pois é, desta vez ela escondeu a receita do Pão de Alecrim de Virgínia. Mas não me dei por vencida e procurei-a nos velhos cadernos que herdei. E eis que ela surge respingada por gotas de óleo e amarelecida pelo tempo! Se vc quiser (eu  recomendo de coração) asse este pão para a ceia de natal, pois ele é mágico!
Segue então a receita, com os votos lusitanos de uma portuguesa que já se foi, faz tempo, mas que insiste em visitar a minha cozinha:

                        Pão de Alecrim (e da Abelha)

Ingredientes:
1 colher de sopa de sal
1 colher de sopa de folhinhas (frescas) de alecrim
30 gramas de fermento fresco ou 2 colheres de sopa de       fermento em pó
cerca de 7 xícaras de farinha de trigo
2 1/2 xícaras de água
1 colher de sopa de manteiga amolecida
1 ovo ligeiramente amolecido
1 gema
1 colher de sopa de mel

Modo de Fazer:
Numa tigela grande misture o sal, o alecrim, o fermento e 2 1/2 xícaras de farinha de trigo. Numa panela com capacidade para 2 litros, esquente a água e a manteiga em fogo baixo, até ficar bem quente. Adicione gradualmente os líquidos aos ingredientes secos, bata a mistura vigorosamente. Acrescente mais 3 1/2 xícaras de farinha e bata até obter uma massa macia e pegajosa. Coloque-a numa tigela e cubra; deixe crescer até dobrar de volume (uns 30 minutos). Abaixe a massa e transfira-a para uma superfície polvilhada e amasse até ficar lisa e elástica (leva uns 10 minutos). Como é difícil encontrar uma forma com o formato de abelha, sugiro transferir a massa para uma forma redonda (e pensar que a abelha deu uma engordada!), untada e enfarinhada e deixá-la crescer por uns 30 minutos. Antes de colocá-la no forno pincele com a gema batida com o mel e depois asse por 30 minutos.

Ah, durante o processo, pense em coisas boas, criativas, doces como saúde, amor, trabalho, delicadeza, humanismo, ternura, compaixão... pois como já disse, o pão é mágico e a abelha; mais ainda!

mil luas natalinas
Márcia

 

Fonte: grupo diálogos lusófonos  br.groups.yahoo.com/group/dialogos_lusofonos