Iclas - Instituto de Culturas Lusófonas
Antonio Borges Sampaio


14-12-2019

Vergonha Maria do Rosário Pedreira


Vergonha

 

Maria do Rosário Pedreira

Maria do Rosário Pedreira

30 Novembro 2019 — 09:21okTwitter

 

 

 

Opinião - DN

Conta-se a história - provavelmente é apenas uma lenda, mas pouco importa - de um rapazinho que, estando a brincar no lugar onde o grande Miguel Ângelo tinha o seu estúdio, se deixou maravilhar pela visão de um enorme bloco de mármore a ser transportado por uma dezena de homens até aos domínios do artista; e que, vendo esses homens à beira de soçobrar, desafiou os amigos - todos jovens como ele - a irem ajudá-los, sabendo embora que a sua força era quase nenhuma. Contudo, tal foi a insistência que os companheiros concordaram em participar daquele empurrão colectivo, e a pedra pareceu então rolar sobre rodas até ao ateliê do mestre que, assistindo ao milagre, levou os garotos a conhecer as esculturas em que então trabalhava para decorar uma praça de Roma. Conta-se também que, passando por ali de novo umas quantas luas mais tarde, o mesmo rapaz terá decidido visitar o escultor, sendo surpreendido logo à entrada do estúdio por um magnífico cavalo branco escapando-se do bloco de mármore, de crina ao vento e patas da frente empinadas no ar. E, espantadíssimo, chamou por Miguel Ângelo para que ele lhe respondesse a uma pergunta admirável: "Ó mestre, mas como é que tu sabias que havia um cavalo dentro dessa pedra?"

A lógica infantil é imbatível, e nunca me esqueço da tirada de uma menina, habituadíssima a ir a museus com os pais em viagens pela Europa, que um belo dia, depois de aguentar uma longa e provavelmente maçadora visita ao Louvre, confessou à mãe do alto dos seus 8 anos que tinha gostado de tudo, excepto da mania que os gregos tinham de fazer estátuas sem braços...

A relação das crianças com as estátuas é descontraída, até porque sereias, neptunos, tritões e graças, geralmente de coxas bem torneadas e seios fartos, sempre enfeitaram lagos e fontes em qualquer cidade ou jardim do mundo. São até uma boa forma de descomplexar alguns jovens em relação ao seu corpo e de mostrar que a nudez é, regra geral, apresentável. Assim não pensou, porém, a UNESCO durante as mais recentes Jornadas do Património em Paris, muito concorridas por jovens estudantes: perante duas estátuas de Stéphane Simon, que fazem parte do projecto "In Memory of Me" e representam o corpo nu do escultor, resolveu vestir-lhes umas ridículas cuecas de algodão com fio dental, alegando que o pénis e os testículos (de mármore!) podiam ferir a sensibilidade do público. E o mais esquisito é que o artista não se opôs... Adeus, futuro.

Vergonha

 

   
 

Vergonha

Conta-se a história - provavelmente é apenas uma lenda, mas pouco importa - de um rapazinho que, estando a brinc...